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quarta-feira, 20 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11280: Blogpoesia (329): No Dia Mundial da Poesia... Eugénio de Andrade (1923-2005): (i) Sobre o Tejo; (ii) Três ou quatro sílabas; (iii) Canção da mãe de um soldado de partida para a Bósnia


Lisboa, Rio Tejo, 21/2/2012... >1. Celebrando o Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2013...



Lisboa, Rio Tejo, 21/2/2012... > 2. Celebrando o Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2013...




Lisboa, Rio Tejo, 29/5/2012... > 3. Celebrando o Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2013...



Lisboa, Rio Tejo, 2/5/2012... > 4. Celebrando o Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2013...

Fotos: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados.


Sobre o Tejo

Que soldado tão triste esta chuva
sobre as sílabas escuras do outono
sobre o Tejo as últimas barcas
sobre as barcas uma luz de desterro.

Já foi lugar de amor o Tejo a boca
as mãos foram já fogo de abelhas
não era o corpo então dura e amarga
pedra do frio.

Sobre o Tejo cai a luz das fardas.
É tempo de te dizer adeus.

Eugénio de Andrade [1923-2005]

Véspera da água (1973).
In: Poesia: Eugénio de Andrade.
Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2000. pag. 200.

Três ou quatro sílabas

Neste país
onde se morre de coração inacabado
deixarei apenas três ou quatro sílabas
de cal viva junto à água.

É só que me resta
e o bosque inocente do teu peito
meu tresloucado e doce e frágil
pássaro das areias apagadas.

Que estranho ofício o meu
procurar rente ao chão
uma folha entre a poeira e o sono
húmida ainda do primeiro sol.


Eugénio de Andrade [1923-2005]

Véspera da água (1973).
In: Poesia: Eugénio de Andrade.
Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2000. pag. 192


Canção da mãe de um soldado

de partida para a Bósnia

É muito jovem, sem tempo ainda
de ser triste. Demora-se nos meus olhos
enquanto leva a maçã à boca.

Nenhuma fala obscura escurece a tarde,
a cabeleira solta é a sua bandeira;
os pés brancos, irmãos
da chuva do verão, anunciam a paz.

Suplico à estrela da manhã
que lhe guie os passos, agora que partiu;
que tenha em conta a sua ignorância,
não só da morte, também da vida.


Eugénio de Andrade [1923-2005]

Os Lugares do Lume  (1998).
In: Poesia: Eugénio de Andrade.
Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2000. pag. 568.


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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11244: Blogpoesia (328): Dos meus poemas de juventude (Cherno Baldé)

domingo, 10 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7107: Historiografia da presença portuguesa em África (37): António da Silva Gouveia, fundador da Casa Gouveia, republicano, representante da colónia na Câmara dos Deputados, na 1ª legislatura (1911-1915) (Parte I) (Carlos Cordeiro)


Guiné-Bissau > Bissau > Agosto de 2004 > Ex-Casa Gouveia, com o Rio Geba ao fundo  > Foto do Rui, membro habitual da Expedição anual à Guiné-Bissau, organizada pela Associação Humanitária Memórias e Gentes, de Coimbra, e de que é presidente da direcção o nosso camarada  José Moreira (Ex-Fur Mil da CCaç 1565, 1966/68).


Fonte: Picasa > Galeria do Rui (2008). (Com a devida vénia...)













Lisboa > Câmara dos Deputados >  Excertos de um debate parlamentar em que intervem o representante da Guiné, o deputado António Silva Gouveia, fundador da  Casa Gouveia, com sede em Bolama >  Sessão nº 18, de 26 de Dezembro de 1911 > (...)

(...)O Orador: - O Sr. José Barbosa disse, e muito bem, que nós estamos num estado de atrasamento impossível em toda a costa de África. Eu tenho a felicidade de conhecer toda a África, ocidental e oriental, fui moço e marinheiro, piloto e capitão de navios; só não fui menino de coro. Em Conakri, em 1893 nem uma casa existia, hoje é uma cidade de 1.ª ordem. Bolama [, sede de concelho em 1871, elevada à categoria de cidade em 1913, capital da província até 1941,] 
está mais atrasada do que quando fui para lá em 1879. Do que lá há feito, não quero elogios, mas quero que a Câmara o fique sabendo, é feito por este seu criado. Não imaginam os ódios e rivalidades a que isto tem dado lugar, porque sou português.

Em Bolama não há um relógio que marque as horas oficiais. Sabem V. Exas. qual é o relógio? É uma barra de ferro, a essa barra de ferro chega o soldado e bate, pim, pim, pim; e são assim conhecidas as horas oficiais!

Mas eu não quero desviar-me da questão que desejo tratar. V. Exa. sabe qual é a despesa no orçamento da Guiné? 160:000$000 réis (#)  para o elemento militar, mas não tem soldados; tem mais oficiais do que soldados.

O Boletim Oficial que agora saiu traz posturas municipais que não existem nem em Paris, nem em Lisboa.

Eu quero mostrar à Câmara o seguinte: como disse aqui o Sr. José Barbosa, a Guiné é tão rica, tão produtiva, que o gentio da Guiné trabalha só o suficiente para se embebedar, porque ele tem tudo, tem a banana, a papaia, o caju, tudo o que a terra lhe dá; é um gentio que se faz dele o que se quer; mau só ali há o gentio papel, mas, mesmo esse, sabendo-o levar, com facilidade se amolda. (...).

1. Texto de Carlos Cordeiro, membro da nossa Tabanca, Professor de História Contemporânea na Universidade dos Açores, São Miguel, RAA (foto à direita)

Camaradas e amigos,

Em comentário ao P7083 sobre o ciclo de conferências “A República e as Colónias”, o Luís chamou a atenção para o facto de “a historiografia da nossa presença na Guiné-Bissau parece[r] passar muito ao lado d[aquele] ciclo de conferências”.

Como, por afazeres da minha vida profissional, sou habitual visitante do site da Assembleia da República para consulta dos debates parlamentares* do século XIX e primeira metade do XX, fui lá verificar o que havia sobre a Guiné no período da I República. 

Há muitos diários da Câmara dos Deputados (e também do Senado) em que aparece a palavra “Guiné”. Enviei, como curiosidade, alguns ao Luís, que – sempre persuasivo – me respondeu que seria interessante publicar algumas das intervenções, com pequenas notas de enquadramento. Acedi com gosto. É deste compromisso que estou a tentar desenvencilhar-me.

Algumas notas prévias:

(i) A história da Guiné nunca fez parte das minhas preocupações de investigação. Portanto, não poderei apresentar aqui o conveniente enquadramento histórico.

(ii) Não fiz investigação para o contextualizar as intervenções. Seria importante, por exemplo, pesquisar a documentação da AR [, Assembleia da República,] sobre as eleições de 1911 na Guiné, já que não encontrei nada publicado sobre o assunto (o que não quer dizer que não exista).

(iii) Alguns “panos de fundo” resultam da leitura e interpretação pessoal de diversos debates sobre questões da Guiné. Achei desnecessário apresentar a lista de todos os Diários consultados, até porque estão disponíveis online.

(iv) Para não dificultar a edição, optei por colocar entre parêntesis a data dos Diários da Câmara dos Deputados, (DCD) sempre que tal se justifique.

A 15 de Junho 1911 tiveram início os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte. Depois de intenso debate, a “Constituição Política da República Portuguesa” seria aprovada em 21 de Agosto do mesmo ano, dando-se por findos os trabalhos da Assembleia em 25 do mesmo mês.

Por dificuldades de comunicações e, por na Guiné se ter verificado um surto de febre-amarela (DCD 31/7/1911) (***), a Guiné não esteve representada na Constituinte, o que não deixaria de ser criticado por alguns deputados (DCD 5/7/1911; 24/7/1911; 31/7/1911; 1/8/1911).

Os deputados da Assembleia Nacional Constituinte dividiram-se em dois grupos: para o Senado transitaram 71 deputados; para a Câmara dos deputados, cerca de 160. Os trabalhos da Câmara dos deputados tiveram início logo a 26 de Agosto. O deputado pela Guiné iria, então, participar na Câmara dos Deputados, mas só a partir de 2 de Dezembro de 1911 (DCD 2/12/1911), ou seja, quase meio ano após o início dos trabalhos da Constituinte.
O deputado era, nem mais nem menos, António Silva Gouveia (**), o proprietário da famosa Casa Gouveia (##). 

Como se poderá ver pela sua intervenção (a primeira que fez no parlamento), terá sido uma espécie de aventureiro – só não foi “menino de coro” – com instrução rudimentar, e que enriqueceu não se sabe (não sei, melhor dizendo) bem como.

Sabe-se também, por outras intervenções que fez, que andava por África (e não só pela Guiné) havia mais de quarenta anos, que já em 1911 tinha negócios com a CUF, que foi um dos fundadores (1912) do Partido Republicano Evolucionista, de António José de Almeida, assumindo o lugar de tesoureiro da sua Comissão Directora (Ernesto Castro Leal, Partidos e Programas: o campo partidário republicano português 1910-1926, Coimbra, IUC, 2008, p. 52).

António Silva Gouveia já não integrará o Parlamento na legislatura seguinte, que teve início em Junho de 1915. Seria substituído por António da Costa Godinho do Amaral, que, contrariamente ao seu antecessor, fraquíssima participação teria nos debates. Coutinho do Amaral tomou assento na Câmara dos Deputados em meados de Janeiro do ano seguinte, ou seja, também cerca de meio ano após o início dos trabalhos (DCD 17/1/1916).

Uma nota final em pano de fundo: da leitura, ainda que em diagonal, das intervenções parlamentares sobre a Guiné transparece um ambiente nebuloso e às vezes crispado relativamente à política e administração locais. Há queixas contra as autoridades, boatos que circulam pela imprensa, críticas ao funcionamento da administração, acusações de nepotismo, etc. 

Pela intervenção do deputado Godinho do Amaral na Câmara dos Deputados, fica-se até com a ideia de que o governador da Guiné, Andrade Sequeira, não apreciava o modo como era exaltada, na imprensa portuguesa (e no próprio Parlamento), a figura do capitão Teixeira Pinto (DCD 22/2/1916).

[Continua]

[ Revisão / fixação de texto / título / edição de imagens: L.G.]

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Pode entrar-se pelo Google – “parlamento”. Nos links clicar em “Intervenções e debates”. Abre a página e clica-se em “debates parlamentares”. Depois é só escolher o regime e a câmara parlamentar. O separador “pesquisa avançada” é o mais prático. Entrei por “Guiné” e depois por “Silva Gouveia”.

(**) Nos Diários, às vezes aparece como António da Silva Gouveia

(***) Excerto:

(...) O Sr. Egas Moniz [, médico, futuro Prémio Nobel da Medicina, em 1949]:

- Desejo chamar a atenção do Sr. Ministro da Marinha para o caso das eleições do Ultramar.

Desde que se entende que as colónias devem ter representantes proprios aqui, nesta Assembleia, julgo que essas eleições se devem concluir de maneira a que os eleitos aqui compareçam.

Succede que algumas colónias já teem eleitos os seus representantes ; outras ainda os não elegeram.

É para este facto que chamo a attenção do Sr. Ministro da Marinha.

Numa das colonias - na Guiné - a eleição ainda não se fez, estando só marcada, parece-me, para o fim do mês que vem!

Peço, pois, a S. Exa. que apresse as eleições nas colónias, porquanto convem a todos que as colonias tenham aqui os seus representantes, a bem da Constituinte e da seriedade d'esta Camara.

O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Gomes):

- Sr. Presidente: concordo absolutamente com o exposto pelo Sr. Egas Moniz, mas o facto de não estarem hoje nesta Assembleia todos os representantes das colonias é consequencia de se ter posto logo em execução na metropole o decreto de 14 de março ultimo, com um periodo de revisão do recenseamento muito reduzido, por haver todo o empenho em convocar rapidamente as Constituintes.

O Governo já sabia que só muito mais tarde os Deputados pelas colonias podiam vir á Assembleia.

Devo dizer mais a V. Exa. e á Assembleia que o decreto de 14 de março saiu, com respeito ás colónias, muito incorrecto. Teve de fazer-se uma remodelação em 5 de abril, quer dizer, só depois de publicada a lei eleitoral. Para a Guiné foi em 17 de maio, devido á epidemia da febre amarella que ali grassava. Nestas circunstancias, não admira que seja aGuiné que mais tarde venha a ter representação no Parlamento.

Felizmente recebi hoje um telegramraa do governador da Guiné no qual se diz que o ultimo caso averiguado de febre amarella tinha sido no dia 8 d'este mês. A opinião do medico, que mandei para ali para dirigir os trabalhos de prophylaxia, é de que se pode considerar extincta a epidemia, mas que é necessario continuar os trabalhos de prevenção ainda por muito tempo.

Eram estas as explicações que tinha a dar ao illustre Deputado. (...)
___________

Nota de L.G.:

(#) Recorder-se aqui que , pelo decreto de 22-5-1911, a República "reformou profundamente, sob o ponto de vista técnico, o sistema monetário que vigorava em Portugal, alterando a denominação de todas as moedas, o material, o peso, e as dimensões das moedas de bronze e substituiu, pelo escudo de ouro, o real. 

"Dividido em 100 partes iguais, denominadas centavos, o escudo correspondia, quer no valor, quer no peso de ouro fino, à moeda de 1 000 réis" (...) . Fonte: Wikipédia.

(##) Elisée Turpin, um dos históricos do PAIGC, seu co-fundador, em 1956, foi empregado de 1958 a 1964, da Casa António Silva Gouveia (mais conhecida por Casa Gouveia), de 1958 a 1964. De 1964 a 1973, exerceu a função de Gerente da ANCAR. Contrariamente a outros nacionalistas guineenses, nunca terá sido descoberto (e importunado) pela PIDE/DGS...

No meu tempo (1969/71), fiz muitas vezes segurança, no Mato Cão, ao barco da Casa Gouveia, que fazia o trajecto Bissau-Xime-Bambadinca (e vice-versa; julgo que também chegava, naquele tempo, a Bafatá; este troço do Geba Estreito está hoje completamente intransitável devido ao assoreamento do rio; destas patrulhas ao Mato Cão, estão bem recordados outros camaradas nossos, que passaram pelo Sector L1 - Bambadinca, como o Beja Santos, o Jorge Cabral, o Humberto Reis, o António Marques, o Joaquim Mexia Alves, e tantos outros). E também viajei, pelo menos uma vez, até Bissau nesse barco. No Leste, a Casa Gouveia tinha estabelecimentos pelo menos em Bambadinca e Bafatá. Mas sei que também tinha em Farim, Fajonquito e noutros sítios...

Por acordo entre o Governo Português e o Governo Guineense, em 1976, a empresa António Silva Gouveia SARL foi integrada na estrutura empresarial denominada Armazéns do Povo da Guiné-Bissau, "mediante a atribuição de uma justa compensação, a estabelecer por uma Comissão Mista Paritária" (sic)