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sábado, 27 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24346: Recortes de imprensa (127): "Memorial Day e os portugueses nas guerras dos EUA", artigo do jornalista Eurico Mendes no jornal Portuguese Times (José da Câmara, ex-Fur Mil Inf)

1. Mensagem do nosso camarada e amigo José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviada ao nosso blogue em 25 de Maio de 2023, trazendo até nós um artigo do jornalista Eurico Mendes [1], publicado no jornal Portuguese Times, sobre o Memorial Day que se comemora do próximo dia 29 de Maio nos Estados Unidos da América:

Carlos,
Junto um artigo impresso no Portuguese Times desta semana que, do ponto histórico, é muito interessante. Tem a ver com a participação de portugueses e luso-descendentes nas várias guerras que os EUA se viram envolvidos.

Abraço fraterno
José



Memorial Day e os portugueses nas guerras dos EUA










Na próxima segunda-feira, 29 de maio, é Memorial Day nos EUA, feriado em que o país honra os seus militares mortos em combate. Hoje em dia quase todas as cidades organizam desfiles de Memorial Day, muitos com a presença de militares e organizações de veteranos e as maiores dessas paradas são em Chicago, New York e Washington DC. Muitos americanos observam o feriado do Memorial Day visitando cemitérios, pois a data converteu-se numa espécie do Dia dos Fiéis Defuntos, e em nota menos sombria, muita gente organiza piqueniques ou vai à praia, uma vez que o dia é também extra-oficialmente o início do verão.

Não está claro onde a tradição do Memorial Day teve início, mas uma das primeiras comemorações teve lugar em Charleston, Carolina do Sul, promovida por ex-escravos negros dias depois de 9 de abril de 1865, data da rendição dos confederados que pôs termo à Guerra Civil (1861-1865), que teve início quando onze estados do Sul tentaram separar-se dos Estados Unidos da América e formar a sua própria união com o nome de Estados Confederados da América.

Em 5 de maio de 1868, o general John A. Logan, líder de uma associação de veteranos unionistas da Guerra Civil, convidou os membros a colocarem flores nos túmulos dos camaradas falecidos, chamou-lhe Decoration Day (Dia da Decoração) e escolheu a data de 30 de maio alegando não ser aniversário de nenhuma batalha em particular.

No primeiro Decoration Day, a 30 de maio de 1868, o futuro presidente general James Garfield foi o orador principal e 5.000 veteranos colocaram flores nos túmulos dos 20.000 soldados da União enterrados no Cemitério Nacional de Arlington (Virgínia).

Os estados do Norte passaram a celebrar o Decoration Day e em 1890 a última segunda-feira de maio já era feriado em todos os estados da União homenageando os seus mortos na Guerra Civil, mas os estados do Sul não se conformavam em honrar os mortos da guerra civil no mesmo dia que o pessoal do Norte e homenageavam os seus mortos em datas diferentes.

As coisas mudaram depois da Primeira Guerra Mundial, quando a data passou a homenagear todos os soldados americanos mortos nas guerras em que o país participou e só então o Sul resolveu aderir ao Decoration Day, que se foi tornando gradualmente conhecido como Memorial Day.

Em 1966, por decisão do presidente Lyndon B. Johnson, a localidade de Waterloo, estado de New York, tornou-se o berço oficial do Memorial Day porque desde 5 de maio de 1866 que os seus residentes decoravam os túmulos dos soldados com flores e bandeiras. E em 1971 o Congresso decidiu que o Memorial Day seria feriado nacional homenageando os militares americanos falecidos em combate, entre os quais um bom número de origem portuguesa, o que não admira uma vez que a imigração portuguesa é das mais antigas – começou em setembro de 1654 com a chegada a New York, que então se chamava New Amsterdam, de 23 famílias judaicas fugidas da Inquisição portuguesa no Brasil.

Desde a Guerra da Independência às atuais guerras contra o Estado Islâmico, Guerra Civil da Líbia e Guerra Civil da Síria, muitos portugueses ou seus descendentes pegaram em armas pelos EUA e alguns figuram na lista dos mais de 1,5 milhão de mortos que os EUA sofreram até hoje na guerra.

No cemitério da Murtosa, distrito de Aveiro, por exemplo, estão sepultados três filhos da terra mortos em guerras dos EUA: Manuel Evaristo, Segunda Guerra Mundial; Manuel Branco, Guerra da Coreia e Jack Rebelo, Vietname. Logo na primeira guerra dos EUA, a Guerra da Independência também conhecida como Revolução Americana (1775-1783), morreram portugueses e, já agora, lembre-se que um dos heróis dessa luta foi o lendário Peter Francisco, presumivelmente nascido na ilha Terceira, mas que não morreu na guerra. Faleceu em 1831, de apendecite, quando era beleguim da Câmara dos Delegados da Virgínia. A comunidade portuguesa adoptou Peter Francisco e dedicou-lhe monumentos em pelo menos três estados, e há também um Dia de Pedro Francisco em sua homenagem, um Prémio Peter Francisco e uma Sociedade dos Descendentes de Peter Francisco.

Menos famoso que Peter Francisco, também tivemos o John Peters (João Pedro), nascido perto de Lisboa e que imigrou para Boston depois do terremoto de 1755. Fez parte do grupo de patriotas envolvido no Boston Tea Party e, em 16 de dezembro de 1773, ajudou a lançar ao mar um carregamento de chá em protesto contra as taxas alfandegárias. Durante a luta nacionalista combateu em diferentes frentes até 1783, tendo sido ferido em várias ocasiões. Fixou-se depois em Philadelphia criando numerosa família e faleceu a 23 de abril de 1832 com a bonita idade de 100 anos, cinco meses e 23 dias, de acordo com o obituário publicado a 1 de maio de 1832 no jornal Alexandria Gazette.

Da tripulação do primeiro navio da Continental Navy precursora da US Navy, o Bonhome Richard que o rei Louis XIV de França ofereceu aos nacionalistas, faziam parte 38 portugueses recrutados por John Paul Jones no porto francês de L’Orient e onze morreram no histórico combate com o navio inglês Serapis.

Uma das primeiras baixas da Guerra da Independência foi Francis Salvador ou Francisco Salvador, nascido em 1747 em Londres, numa rica família judaica portuguesa oriunda de Tomar e que escapara à Inquisição fugindo para a Holanda e depois para Inglaterra. Veio em 1773 para a Carolina do Sul, onde herdara 405 km2 de terras do avô e foi eleito deputado pelo 96º distrito ao Congresso Provincial (independentista).

Em Charlestown foi descerrada há anos uma placa a lembrar que Francis Salvador foi o primeiro judeu a exercer um cargo político no território que viria a tornar-se EUA e o primeiro luso-descendente, acrescente-se.

Durante a guerra da Independência, os ingleses armaram os índios para fazerem frente aos colonos e Salvador cavalgou a Carolina do Sul a alertar os colonos dos ataques dos índios, ficando por isso conhecido como o Paul Revere do Sul. Morreu aos 29 anos, no dia 31 de julho de 1776, 27 dias depois da proclamação da independência e em combate com os índios Cherokees. A história guarda também o nome de Joseph Diaz (José Dias), baleeiro que se fixou em 1770 na localidade de Tisbury, ilha de Martha’s Vineyard, vindo provavelmente dos Açores. Casou em 1780 com uma rapariga da terra e aderiu à causa revolucionária. Capturado pelos ingleses em 1780, foi mandado para Inglaterra, mas foi libertado e regressou à ilha em dezembro desse ano; voltou a cair prisioneiro em 1781 e desta vez morreu a bordo do navio inglês Jersey.

Na Guerra Civil (1861-1865), quando onze estados esclavagistas do sul tentaram separar-se dos Estados Unidos da América e formar a sua própria união com o nome de Estados Confederados da América, a União sofreu 140.414 mortes e os Confederados 72.524 e houve também baixas portuguesas.

Ao tempo, viviam nos EUA mais de 4.000 portugueses e um número maior de descendentes e muitos combateram dos dois lados. Na Louisiana viviam algumas centenas de açorianos contratados para trabalhar nas plantações de açúcar e muitos foram obrigados a servir na Marinha Confederada.

Em New York, vários grupos étnicos formaram o seu próprio regimento, o 39º Regimento de Infantaria constituído por companhias de imigrantes italianos, húngaros, suiços, polacos, alemães, franceses e havia até uma companhia composta por soldados espanhóis e portugueses.

Os irlandeses formaram a Excelsior Brigade e, seguindo o exemplo dos irlandeses, os polacos criaram a Legião Polaca, os italianos a Legião Garibaldi (inspirada no legendário lutador pela liberdade Giuseppe Garibaldi) e a Skinner Brigade, criada pelo general Cortland Skinner com voluntários de New Jersey e da qual um dos estrategas era o capitão tenente John de Meneses, nascido em Portugal. Tivemos até uma legião criada pelo lusodescendente Francis Barreto Spínola, nascido em 1821 em Long Island, filho do madeirense João Spínola. Era advogado em New York, banqueiro e político. Quando a Guerra Civil começou Spínola alistou-se, foi promovido a general e, em 1862, criou a Empire Brigade. Mais tarde veio a comandar a Excelsior Brigade, mas foi ferido em combate e acabou a carreira militar, vindo a falecer em 1891, quando era congressista em Washington.

A Medalha de Honra foi criada durante a Guerra Civil Americana e é a mais alta condecoração militar oferecida pelos EUA a um membro das suas forças armadas. O agraciado deve ter-se distinguido em combate com risco da própria vida e por isso é uma condecoração frequentemente entregue postumamente.

Um dos primeiros condecorados com a Medalha de Honra foi o cabo Joseph H. de Castro do 19º Regimento de Massachusetts, que alguns historiadores apresentam como sendo o primeiro hispânico agraciado com esta condecoração, mas que possivelmente era lusodescendente uma vez que era de Boston e já viviam ao tempo mais de 500 portugueses naquela cidade.

Joseph H. de Castro, nascido em 1844 em Boston, era porta-estandarte do seu regimento e distinguiu-se na Batalha de Gettysburg, na Pennsylvania, na segunda tentativa do exército confederado para invadir o norte e que se tornou o mais sangrento confronto da Guerra Civil com mais de sete mil mortos de ambos os lados.

Na Guerra Civil tivemos outro judeu de ascendência lusa como destacado confederado, Judah Philip Benjamin, nascido a 11 de agosto de 1811 nas Antilhas Britânicas (agora as Ilhas Virgens dos EUA) quando os pais vinham a caminho da América. Era filho de Philip Benjamin e Rebecca Mendes Benjamin, judeus sefarditas britânicos e ela pelo menos de ascendência portuguesa. Judah era um brilhante advogado e era considerado “o cérebro da Confederação” tendo exercido três cargos governativos sucessivos: procurador-geral (1861), secretário de Guerra (1861-1862) e secretário de Estado (1862-1865) famoso pelos discursos defendendo o esclavagissmo.

Não é hoje um herói porque os confederados perderam a guerra, mas se tivessem ganho Judah Benjamin poderia ter sido o segundo presidente dos Estados Confederados da América.

O segundo lusodescendente a receber a Medalha de Honra terá sido o soldado Frances Silva, nascido a 8 de maio de 1876 em Hayward, Califórnia. Era tripulante do USS Newark e teve comportamento heróico entre 28 de junho e 18 de agosto de 1900, durante a Guerra dos Boxers, em Pequim, quando um grupo de chineses criou uma sociedade secreta para lutar contra a intervenção imperialista no país.

Na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), os EUA mobilizaram quatro milhões de soldados, dos quais morreram mais de 116.000. Mais de 16.000 portugueses e lusodescendentes alistaram-se e foram mandados para os campos de batalha em França. Um desses militares foi Walter Goulart, nascido em 1895 em New Bedford, filho de faialenses.

Goulart alistou-se no Exército em 1917, embarcou para França no ano seguinte. Morreu em combate na ofensiva de Meuse-Argonne no dia 7 de outubro de 1918, com 23 anos. No sul de New Bedford, na Walter Goulart Square, existe desde 1923 um pequeno monumento em memória do malogrado soldado. Durante a Primeira Guerra Mundial, várias associações mutualistas da comunidade portuguesa deram o seu apoio aos Estados Unidos, a Liga das Sociedades Fraternais Portuguesas contribuiu com $10.000 para a compra de canhões e a Associação Portuguesa de Protetorado e Beneficiário doou $10.000, metade dos seus activos, para a compra de Liberty Bonds e orgulhava-se do facto de 15 dos seus membros terem combatido na guerra. Na Segunda Guerra Mundial (1939-1946), morreram 292.000 americanos e entre eles muitos luso-americanos. Um deles foi Charles Braga, a 7 de dezembro de 1941, no bombardeamento do navio Pennsylvania durante o ataque japonês a Pearl Harbor. Foi o primeiro residente de Fall River morto na guerra e, em 1966, a ponte sobre o rio Taunton, com 256 metros de extensão e ligando Somerset e Fall River, foi chamada de Ponte Memorial Charles M. Braga Jr. em sua homenagem.

Depois de Pearl Harbor, a Marinha dos EUA precisou de ajuda para enfrentar os japoneses e recrutou 47 navios da frota pesqueira de San Diego, muitos dos quais propriedade e operados por portugueses. Quando a Marinha pediu voluntários para tripular os barcos, 600 homens, a maioria portugueses, ofereceram-se para essa arriscada missão.

Os navios foram pintados de cinzento, identificados com as letras YP. Os barcos “Yippie”, ou “costeleta de porco”, como lhes chamavam os portugueses, foram usados para transportar suprimentos e combustível para a zona de operações no Pacífico. De 1942 a 1945, 16 barcos foram afundados em ataques inimigos ou tempestades e em alguns casos desapareceram todos os tripulantes.

Dois lusodescendentes que mereceram a Medalha de Honra durante a Segunda Guerra Mundial, foram o soldado Harold Gonsalves, da Califórnia, morto em combate a 15 de abril de 1945, em Okinawa e o paraquedista George Peters, de Cranston, Rhode Island.

Em 24 de março de 1945, em Wesel, na Alemanha, Peters atacou um ninho de metralhadora alemão armado apenas com a sua carabina e uma granada de mão. Foi morto, mas salvou os seus camaradas. A Guerra da Coreia começou em 25 de junho de 1950, quando a Coreia do Norte comunista atacou a Coreia do Sul pró-ocidental e causou aproximadamente cinco milhões de vítimas civis e militares. Um total de 5.720.000 soldados americanos serviram na Guerra da Coreia, dos quais 50.000 foram mortos. Um desses heróis foi o soldado Leroy A. Mendonça, natural de Honolulu e de ascendência portuguesa e filipina. Morreu aos 19 anos, a 4 de julho de 1951, protegendo a retirada de um pelotão e, até chegar a sua hora, abateu 37 inimigos. O feito valeu-lhe a Medalha de Honra.

Na Guerra do Vietname morreram mais de 58.000 americanos e um deles foi o soldado Ralph Ellis Dias, nascido em 1950, em Shelocta, Pennsylvania e condecorado postumamente com a Medalha de Honra e várias Purple Heart. Alistou-se nos Marines em 1967, seguiu para o Vietname em 1969 e morreu em combate a 12 de novembro desse ano, na província de Quang Nam.

A cidade de Fall River rendeu homenagem aos militares americanos mortos no Vietname, com um memorial quase tão grande como o memorial existente em Washington. Dos 58.489 militares americanos mortos no Vietname, 1.331 eram de Massachusetts, sendo 48 portugueses e só de Fall River eram 11.

Nas modernas guerras dos EUA no Médio Oriente tivemos a Operation Freedom 2001, com uma baixa portuguesa, Miguel Rosa; e Operation Freedom 2003, com quatro: Arlindo Almeida, David Botelho, Andrew Cunha e Diane N. Lopes. Os EUA estão presentemente empenhados em conflitos no Iraque (onde sofreram 4.474 mortes) e no Afeganistão (2.853 mortes).

No Afeganistão morreram os seguintes luso-descendentes: Christopher Luis Mendonça, Jorge Oliveira, Carlos A. Aparício, Rafael P. Arruda, Anthony J. Rosa, Ethan Gonçalo, Francisco Jackson, Joaquim Vaz Rebelo, Scott Andrews, Robert Barrett e Chad Gonsalves.

No Iraque, morreram Michael Arruda, Michael Andrade, Joseph M. Câmara, Charles Caldwell, Peter Gerald Enos, Todd Nunes, Brian Oliveira, Scott C. Rose, Humberto Timóteo e David Marques Vicente.

O cabo marine David Marques Vicente, 25 anos, integrava o 2º Batalhão da 1º Divisão de Marines. Foi morto em 2003 e está sepultado em Methuen, MA, onde nasceu e residem os pais, naturais de Lisboa. Dias antes do funeral, um familiar do malogrado jovem deslocou-se a New Bedford e pediu ao então cônsul de Portugal, Fernando Teles Fazendeiro, uma bandeira portuguesa para Vicente levar no caixão. Embora tenha dado a vida pelos EUA, David Vicente foi sepultado com a bandeira portuguesa no caixão.

Não sei se em Portugal as pessoas se preocupam em enterrar entes queridos com a bandeira portuguesa. Aliás, não parece que Portugal tenha feriado semelhante ao Memorial Day. Vendo bem, Portugal pouco se preocupa com os seus veteranos vivos, quanto mais mortos.


(Com a devida vénia ao jornal Portuguese Times)

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Nota de José da Câmara:
[1] - Eurico Mendes foi Furriel Miliciano e fez a sua comissão de serviço em Angola. Ficou por lá numa Rádio Emissora. Algum tempo depois emigrou para os EUA e vive na zona de New Bedford. Aqui continuou no jornalismo escrito e falado (rádio e televisão de expressão portuguesa).

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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24317: Recortes de imprensa (126): O caso do capelão militar Arsénio Puim, expulso do CTIG em 1971 (tal como o Mário de Oliveira em 1968) não foi excecional: o jornalista António Marujo descobriu mais 11 padres "contestatários" (10 da diocese do Porto e 1 de Viseu)... Destaque para o trabalho de investigação publicado na Revista do Expresso, de 12/5/2023

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24108: (In)citações (232): "Olha o Guinéu português!!!" (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)


1. Mensagem do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66), com data de 24 de Fevereiro de 2023, onde nos fala da palavra Guiné:


O nome Guiné

Por aqui neste continente, quando vivíamos no norte e estávamos no mercado de trabalho, no nosso convívio com companheiros locais, e que na guerra do Vietname viveram experências dramáticas parecidas com as nossas, às vezes falávamos e alguns deles diziam: ”olha o Guinéu Português”!

Claro, gostávamos e não gostávamos do apelido, no entanto era o início da conversa onde logo vinha a história onde alguns fizeram um “tour”, que era uma missão no Vietname, que para a maioria das forças terrestres durava um ano, que não fizeram nada de mal como as películas que Hollywood mostram, no entanto, os militares dos EUA usaram quase 12.000 helicópteros no Vietname, dos quais mais de 5.000 foram destruídos, o que demonstrou que ser piloto de helicóptero ou membro da tripulação estava entre as tarefas mais perigosas daquela maldita guerra.

E diziam “olha o Guinéu Português” com alguma razão, pois existem únicamente quatro países no mundo, cujo nome incluem a palavra Guiné. Fomos analizar, “coscuvilhar”, procurar informação e chegámos à conclusão de que embora não sendo incomum que as cidades compartilhem nomes, mas acontece ainda com menos frequência com nomes dos países.
No entanto, quatro nações, três das quais estão situadas na África, usam a palavra “Guiné” nos seus títulos, que são: Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial e Papua Nova Guiné. E daí, como é possível ter tantos países a usarem a mesma palavra? Era como se houvesse quatro países com o nome de Portugal. Simples, mesmo muito simples, tem a ver com a colonização da África Ocidental.

E, embora a origem exacta da palavra “Guiné” não seja conhecida, todos acreditem que o termo vem da palavra portuguesa “Guiné”, que apareceu por volta do final do século quinze para descrever uma região ao sul do rio Senegal ao longo da costa oeste da África.

Depois, depois muitos anos passaram e já no final do século dezoito, muitos países europeus reivindicaram terras africanas numa corrida que os historiadores chamam de “Scramble for Africa”, que quer mais ou menos dizer, “Passeio por África”, onde entre outras potências, foram a Espanha, a França e Portugal, que compartilharam o controle da região da Guiné na África Ocidental.

Quase toda aquela área foi dividida e a terra geralmente identificada pelo seu país controlador. No entanto, os nomes que conhecemos hoje não surgiriam até ao século 20, quando cada nação se separou do controle europeu, onde a Guiné Francesa manteve o nome Guiné depois de obter a independência em 1958, a Guiné Espanhola tornou-se Guiné Equatorial em 1963 e a Guiné Portuguesa assumiu o nome Guiné-Bissau, referindo-se à sua capital Bissau, depois da “revolução dos cravos”, em 1974.

Quanto à outra Guiné, a Papua-Nova Guiné, localizada a milhares de quilómetros a leste através do Oceano Índico, dois exploradores lhe deram o nome. Em 1526, o navegador português Jorge de Meneses apelidou parte da ilha de “ilhas dos Papuas”, da palavra malaia “papuwah”, referindo-se aos cabelos crespos dos ilhéus, enquanto o explorador espanhol Yñigo Ortiz de Retez declarou outra porção da Nova Guiné, acreditando que seus cidadãos se assemelhavam ao povo da costa africana da Guiné.

Voltando à origem da palavra Guiné, cremos que é absolutamente certo que a moeda inglesa conhecida como "Guinea" é derivada da palavra portuguesa "Guiné" que levou este nome desde que o ouro usado na fabricação das moedas foi originalmente extraído na região da Guiné, palavra que era usada para se referir às terras pertencentes aos Guineus, que eram um termo para os africanos que vinham das regiões ao sul do rio Senegal.

Muitos colonos europeus quando chegaram à região da Guiné na África Ocidental aplicaram nomes como "Guiné Alemã", "Guiné Espanhola", "Guiné Francesa" ou "Guiné Portuguesa” no entanto, e como acima já explicámos, alguns países mantiveram o nome Guiné em parte do seu nome após a independência, mas a Guiné Alemã abandonou totalmente a parte da Guiné do nome, para se tornar Cameron e Togo.

Companheiros, de uma maneira ou de outra, não vamos esquecer mais o nome “Guiné”, lá naquela região de África, onde existiam as aldeias dos “Papeis”, dos “Balantas”, dos “Fulas”, dos “Bijagós”, dos “Mandingas”, dos “Felupes”, dos “Manjacos”, dos “Biafadas” ou dos “Nalus”, numa zona de savana e selva, rodeada de pântanos e vegetação, onde estivémos estacionados num aquartelamento cercado de arame farpado que ajudámos a construir, por um período de dois longos anos.

Tony Borie

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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24106: (In)citações (231): Caraças, andamos nós p'ráqui, a pensar no "fim da picada"!... Corações ao alto!... Pensemos antes que até aos cem... é sempre em frente! (João Crisóstomo, Nova Iorque)

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23707: Blogoterapia (304): Éramos um combatente da “farda amarela” e… desarmado (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)


1. Mensagem do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66), com data de 5 de Outubro de 2022:


Éramos um combatente da “farda amarela” e… desarmado!

É tão difícil unir todos os pedacinhos das memórias, os destroços e juntá-los na construção de um todo para os companheiros combatentes que felizmente ainda andam por aqui, mesmo sabendo que traduzindo à letra os nossos pensamentos, corremos o risco de às vezes não sermos lá muito bem entendidos, ou seja, dando a entender que “a liberdade de sermos quem quisermos, agindo ou falando sem filtros é quase uma anarquia”, o que na verdade para nós, não é, pois entendemos que expondo ideias ou expressão nas palavras de diferente maneira é muito saudável e, temos muito respeito por todos vós e pelo que viveram, sobretudo em África.

Continuando, lembramos que na Guerra Colonial, as nossas tarefas eram cifrar e decifrar mensagens. Assim, passáva-nos pelas mãos mensagens contendo substância horrivel e secreta de possíveis operações ou de ataques sofridos pelo contacto com as forças inimigas compostas pelos guerrilheiros que lutavam pela independência do seu território.

E, tal como alguns de vocês companheiros combatentes, chegámos em Maio do ano de 1964, passando dois longos anos no interior da então província colonial da Guiné Portuguesa, rodeados de savanas e pântanos, participando numa guerra de guerrilha, contra um inimigo armado, treinado e equipado, que sempre recebeu apoio substancial de portos seguros em países vizinhos como o Senegal e a Guiné-Conacri, cuja proximidade eram excelentes para fornecer superioridade táctica nos seus ataques transfronteiriços e sobretudo se reabastecer.

Mas voltando à tal “farda amarela”, que dá o título a este escrito, não sabemos quem foi o “designer” de moda popular ou militar, que a projectou, mas sabemos, porque a usávamos, que era demasiado quente para o clima húmido da então Guiné Portuguesa e, que na altura era usada por outros militares de alguns países, principalmente os envolvidos em conflitos em África!.
Todavia, estar estacionado em África, uma região quente e húmida entre outras anomalias climáticas, dentro daquela “ganga amarela”, onde a princípio, antes de ser lavada, uma, duas, três, talvez só à quarta vez, largava aquela “goma” que parecia “cola” e, quando isso acontecia, pouco mais durava, começando por o tecido se dissolver, principalmente na zona onde a transpiração mais se fazia notar!.

Agora voltando de novo ao conflito armado e como acima já explicámos, dada a nossa especialidade, éramos um soldado desarmado. No entanto, fizémos coisas, passando por momentos horríveis de desespero, angústia e medo quando de ataques e emboscadas ao local onde estávamos estacionados ou passávamos, tomando conhecimento oficial de relatos angustiantes, onde explicavam como iam deixando por lá companheiros enterrados em cenários de combate, porque não os podiam resgatar e, que hoje ainda nos assombram.
Porquê? Porque muitas vezes, as tropas Portuguesas encontravam-se na pior posição para avançar e identificar com precisão a sua localização no terreno, onde ou existia selva cerrada, pântanos ou canais com água, lama e tarrafo e frequentemente, pelo menos quando atravessavam os rios ou canais, havia os “macaréus”, algumas vezes até animais perigosos, como crocodilos, onde em algumas situações o inimigo, tirando vantagem, surgia de todos os lados, atacando, disparando, sem dar qualquer oportunidade para que se recuperasse os nossos mortos ou feridos.
E nós, além de mal alimentados, (cuja alimentação era confecionada à base de alimentos sem proteínas e repetida quase todos os dias, razão pela qual ainda hoje gostamos de amendoins), sem assistência médica, com equipamento militar absoleto, fomos dos primeiros a entrar e ficar estacionados em zona de permanente combate, usando o tal uniforme “amarelo”.

Assim, além de outras, o nosso moral era triste e a desmotivação e o cansaço eram realidades que minavam os alicerces de quem com elas convivia, numa situação “onde podíamos morrer de amarelo”, dentro de uma vestimenta padronizada e regulamentada, diziam “eles”, que contribuía para a elevação e auto-estima, potencializada pela manifestação de força, com que nos educaram num breve treino específico de recruta, convencidos de que éramos a força de combate mais letal do mundo.
Onde, além de irmos para África lutar contra pessoas que não conhecíamos e nada de mal nos tinham feito antes, íamos transmitir a tal manifestação de força mas, talvez sem os responsáveis pelo governo colonial de então em Portugal saberem, que a nossa educação de família era potencializada por um ideal de paz e igualdade, com que fomos quase todos nós, independentemente de origem ou condição, educados no nosso lar.
Enfim, hoje as imagens do possível passam-nos na mente como se tratasse de um filme arrumado no sótão da nossa existência e, aquele aquartelamento militar que ajudámos a construir e que poderíamos considerar um “Posto Avançado”, ou seja, um lugar onde os militares de combate, tomavam conhecimento das primeiras savanas, florestas, rios, riachos e pântanos, que eram as trilhas frescas usadas pelos guerrilheiros que lutavam pela independência do seu território, continuam bem vivas na nossa memória.
E, tudo isto se passou quando ainda éramos quase crianças, (pois no regime que então se vivia, só éramos adultos aos 21 anos de idade), onde estivémos longe da família, noutro continente e sacrificando a nossa liberdade. E fizémos tudo isto porquê? Porque mesmo sabendo que a desumanização da sociedade continuava uma realidade, onde às vezes parecíamos que éramos todos ilhas à deriva, nós, “éramos quase uns soldados sem um país”, no entanto, fizémos um juramento à bandeira desse país onde nascemos e, viveremos por este juramento até ao dia da nossa morte, porque hoje somos e, seremos sempre um veterano de guerra.

E também acreditamos que às vezes é necessário retornar aos pensamentos da infância, aos amigos ou ao seio da família, o único porto de abrigo, tal como quando regressámos a casa, uns anos depois já como veteranos de guerra, passando por algumas experiências de vida mais traumáticas que se possam imaginar e, os amigos e a família que nos receberam, sabiam, notavam imediatamente que alguma coisa estava mal connosco, pela nossa linguagem, maneira de se comportar, que estávamos diferentes, talvez um pouco loucos e algo agressivos.

Esta é a verdade, que não podemos nunca ocultar.

Tony Borie, Outubro de 2022

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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23680: Blogoterapia (303): A maldição de um veterano de guerra, é que nunca esquece (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23680: Blogoterapia (303): A maldição de um veterano de guerra, é que nunca esquece (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)

1. Mensagem do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66), com data de 5 de Outubro de 2022:

Olá companheiros de jornada.

Há já alguns anos que não vamos dando notícias, no entanto, sempre estiveram no nosso coração, porque foram vocês que nos ouviram e compreenderam em determinado momento da nossa vida quando tentámos tirar de cima de nós o peso de todas aquelas recordações da maldita guerra colonial que todos nós vivemos nas savanas e pântanos da então província da Guiné.

O dedicado companheiro Carlos Vinhal, sempre lembrou o dia do nosso nascimento e no último, agradecemos lembrando que naquela época andávamos por lá confusos, não sabendo se o o “oceano estava longe do mar”. Era verdade, porque infelizmente saímos da nossa aldeia do interior para ir participar nesta horrível guerra com a cultura dos livros aos quadradinhos que líamos, e que eram os únicos a que tínhamos acesso e eram as tais histórias do Mandrake, do Kit Carson, do Robin dos Bosques ou do Tarzan.

Esta era a nossa cultura até entrarmos no mercado da emigração. Depois, felizmente tivémos ascesso a outras escolas onde tivémos conhecimento da realidade do que foi a História de Portugal com a então África Portuguesa, não ficando lá muito espantados com que íamos aprendendo, como por exemplo o relacionamento e o porquê da presença de Portugal em África.

E as coisas começaram a clarificar-se. Assim compreendemos hoje o País Portugal estar a ser em parte colonizado por pessoas que antes foram colonizadas. É a vida, dizem alguns. Mas talvez seja a história a repetir-se agora em sentido inverso. É a tal frase onde dizíamos que o “oceano estava longe do mar”.

Sabiam que o comércio transatlântico de escravos guardava os segredos mais sombrios que, o para nós herói Infante D. Henrique, o Navegador de Portugal, ajudou a tornar o país Portugal em líder do comércio e na exploração, inclusive em África?

Que a escravidão entre as nações e tribos africanas existia muito antes de Colombo chegar ao Novo Mundo? E que África tinha uma robusta economia escravagista, sendo os escravos capturados e negociados por várias tribos e governantes africanos? E que foram vendidos a comerciantes oriundos de Portugal nos portos africanos, em troca de mercadorias que incluíam tecidos tingidos, armas de fogo, ferramentas e, às vezes, ouro?

Que Portugal se tornou no líder europeu no tráfico de escravos? Os seus navios e comerciantes aliaram-se ao Reino Africano do Kongo no século quinze, permitindo-lhes controlar a maior parte da costa de África e que o comércio entre europeus e africanos foi imposto aos últimos, com condições vantajosas para os primeiros?

Embora hoje as evidências sugiram o contrário, dizendo que várias tribos africanas ditavam os termos de comércio para os europeus, reforçados por combates armados ocasionais, tudo isto à medida que Portugal começou a explorar a sua então colónia do Brasil no tal Novo Mundo e onde precisava de uma força de trabalho.

Assim, o comércio tornou-se bastante lucrativo para os comerciantes e carregadores portugueses, financiados por um consórcio bancário que nem era português, tinha a sua origem em Génova. E mais, tinham as suas fortalezas e os seus portos estabelecidos na África, onde observavam os escravos capturados por seus parceiros africanos e, muitas vezes, os africanos estavam presos há meses, pois queriam garantir uma carga pronta quando os navios chegassem. Isso porque nenhum comerciante queria uma estadia prolongada na costa de África, numa época repleta de doenças.
Hoje tudo isto é história, no entanto naquela época, Portugal era dono de quase toda a costa de África e, o governo colonizador de Portugal de quando éramos jovens, queria continuar a sê-lo, obrigando-nos a ir combater, vendendo a “alma ao diabo”.

E nós, jovens oriundos da Europa, com uma educação de aldeia, onde os princípios honestos de família vinham de há séculos, fomos combater num horrível cenário, onde muitas vezes a angústia, o desespero e o medo, nos colocava numa situação horrível, onde entre outras coisas o álcool nos aliviava a mente, pelo menos por momentos, pois este cenário estava lá, estava sempre presente, era a cara da guerra, com feridos e mortos em combate para ambos os lados, incluindo a população civil desarmada.

E tudo isto para quê? Naquela época os famintos, os doentes, os analfabetos e a miséria eram constantes e, infelizmente continuaram, mesmo depois, quando parecia que já havia paz, fazendo-nos lembrar que de facto saímos de África físicamente, mas possívelmente não trouxémos as armas, as bombas e as balas, deixando lá apenas, como seria nossa inteira obrigação, todas as maravilhosas armas da paz do século XX.

E como o destino não perdoa, os antes colonizados estão agora aí a colonizarem um país que foi colonizador, e nós, antigos combatentes, que lutámos em outro continente, num cenário horrível e miserável, estamos a ser constantemente vítimas dessa nova colonização.

Para todos, queridos companheiros combatentes, desejo que continuemos muitos e muitos anos por cá, e com saúde, porque infelizmente, devido à idade avançada, vamos desaparecendo, todavia o corpo e a mente de um veterano de guerra, reage automáticamente aos disparos da memória, sentindo de novo em certos momentos, as feridas, o medo e o horror que por si passaram, enquanto presente num cenário de combate.

Porque a maldição de um veterano de guerra, é que nunca esquece. Contudo, já o dissemos em algumas vezes, o medo ou talvez coragem, que nos ajudou a sobreviver num campo de batalha, não funciona muito bem agora, nesta avançada idade, mas ainda vai sendo possível assumir o control dessa horrível vivência e, vamos continuando a expulsar alguma energia positiva que nos resta, daquela que nos foi roubada, pelo desastre da Guerra Colonial Portuguesa em África.

Tony Borie
Outubro de 2022

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23393: Blogoterapia (302): Uma história verídica com o seu quê de humano (José Colaço, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 557)

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18164: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulo 18: Os substitutos dos 'Capicuas' [CART 2772]


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > A estante do quarto (, de 3 x 2 m,) dos "Mórmones de Fulacunda":  o Dino, o Omar, o Meira e o Lee.
  

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva:





Nascido em Penafiel, em 1950, criado pela avó materna, reside hoje em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook. É membro nº 756 da nossa Tabanca Grande .

Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972,no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) Faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(ix) é "promovido" pelo 1º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda".


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 18: Os substitutos  


[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve,  das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


18º Capítulo > OS SUBSTITUTOS


Apesar das muitas festas em honra dos soldados que iam deixar Fulacunda [, da CART 2772,], a população nativa andava triste. Os velhos iam partir.

Durante dois longos anos, os “Capicuas” tinham angariado imenso prestígio entre a população, evitando muitas vezes que corresse perigo e socorrendo, tanto com alimentação como medicamentos deles próprios algumas enfermidades que a apoquentasse. Agora que os “Capicuas” partiam, notava-se algum receio. Seria que nós, os novos, estaríamos à altura dos que fomos substituir?

Posso garantir que nos comportámos dignamente. Sendo nós os últimos militares naquela região, antes da independência da Guiné, garanto, e posso provar, que os soldados da 3ª Companhia, do Batalhão 6520 que cumpriram a sua missão entre 72/74 do século XX foram, dentro do que lhes foi humanamente possível, excedíveis no cumprimento da sua missão. Em todos os aspectos. Salvaguardando, naturalmente, e de forma patriótica, o nome de Portugal. Esse que actualmente nos repudia e desconsidera.

Falo nisto porque, inclusive na altura, escrevi que até os cães e os gatos deixaram de brincar, depois que aqueles heróis partiram.

Partiram uns, ficaram outros não menos heróicos.

A carta que escrevi em 27 de Agosto tem oito páginas, mas resumidamente digo o que eu e mais três colegas recebemos, na véspera da partida dos velhinhos, no seu regresso a casa.

Tenho lá tudo mencionado, nas folhas já amarelecidas pelo tempo.

Primeiro esclareço que os quatro fomos parar a esse local porque foi antes ocupado pelos soldados que substituímos. Um dos quatro foi, e continua a ser, um dos meus maiores amigos. Tem nome: José Leal.

Recebemos um quarto com quatro camas, estante, ventoinha e candeeiro eléctrico. Quase porta com porta, um sólido abrigo antibomba, que também servia de cozinha. Nele existia uma máquina a petróleo, um tacho, uma panela, duas cafeteiras, uma frigideira, cinco pratos e quatro copos, diversas latas e garrafas. Enfim, tudo de que necessitássemos para cozinhar, desde que conseguíssemos os ingredientes.

Os aposentos palacianos tinham as seguintes áreas: O quarto - três metros por dois; o abrigo - quatro por dois. Nunca percebi porque não dormíamos nos abrigos, como todos os meus colegas. Estes, os abrigos eram subterrâneos para a população e em cimento armado para os militares. As paredes e teto teriam cerca de um metro de grossura. Estavam colocados em pontos estratégicos ao redor da “Vila”. Pista 1. Pista do Meio. Pista 2. Buba. Brutus. Lagartos. Torre.

Cada um tinha um espaço muito reduzido. No seu interior, doze camas amontoadas. A maioria dos que lá viviam eram os soldados atiradores. Os especialistas, tal como hoje, tinham um pouquinho mais de conforto. O certo é que estávamos protegidos. Eu acreditava mesmo nisso.

O nosso “palácio” não tinha nome; baptizámo-lo com o sonante nome “Refúgio dos Mórmones”.

Os quatro "Mórmones de Fulacunda"  rapidamente, e através do Programa das Forças Armadas [PFA] da Emissora Regional da Guiné, seriam conhecidos por toda a província. Éramos o Omar, o Dino, o Meira e o Lee.

Os velhotes partiram no dia seguinte.
– Boa viagem, “Capicuas”.
– Obrigada,  3ª Companhia. Encontramo-nos na Metrópole daqui a dois anos.

(Continua) (**)

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Notas do editor:


(**) Fora da série foram já publicados dois capítulos (25º e 34º)  relativos à quadra natalícia de 1972:


22 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18122: O meu Natal no mato (43): as mensagens natalícias de 1972, gravadas pela RTP a 23 de outubro... E se a gente morresse, entretanto ?...Como não tinha pai nem vivia com a minha mãe ou com os meus irmãos, tive de dizer “querida avó” e mais umas balelas obrigatórias... (José Claudino da Silva, ex-1º cabo cond auto, 3ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16449: Recortes de imprensa (81): " As pessoas não falavam da guerra na guerra. Foi das primeiras coisas que eu percebi. Nem hoje eles falam na guerra. Eles [, os ex-combatentes, ] fazem almoços todos os anos e não falam nisso uns com os outros": entrevista de Ivo M. Ferreira, realizador das "Cartas da Guerra", à Rádio Renascença, em 1 do corrente


Rádio Renascença > 1 de setembro de 2016 > Entrevista, à Renascença, do realizador de cinema Ivo M. Ferreira, cujo filme "Cartas da Guerra" está agora, finalmente, em exibilção nos cinemas portugueses (*)



1. Obrigado ao nosso camarada Carlos Pinheiro, por estar atento ao que se passa na comunicação social e pode interessar aos leitores do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné que há mais de 12 anos, e em contracorrente,  falam todos os dias, da e sobre a guerra colonial... Eis um excerto da entrevista do Ivo M. Ferreira, com a devida vénia à Rádio Renascença (**):



Capa do livro, editado em 2005
pela Dom Quixote
"As pessoas não falavam da guerra na guerra. Nem depois"


(...) Há muito que o realizador queria tratar o tema da Guerra Colonial, "mas nunca tinha encontrado uma forma". Até que tropeçou nas cartas que o jovem António Lobo Antunes escreveu à mulher durante uma comissão de serviço em Angola, entre 1971 e 1973 (tinham sido organizadas pelas filhas de ambos e publicadas no livro "Deste Viver Aqui Neste Papel Descripto: Cartas d[a] Guerra", em 2005).

Um dia ouviu a mulher (Margarida Vila-Nova, que interpreta a mulher de Lobo Antunes no filme) ler o livro para a barriga onde crescia o filho de ambos e a ideia plantou-se. "Em termos históricos, de documento de guerra, em termos biográficos e de uma história de amor fantástica, havia uma série de elementos que me permitiam pensar que daria um bom filme." Escreveu o argumento com Edgar Medina em pouco mais de quatro meses.

(...) A pesquisa para o filme passou não só por outros escritos e livros de Lobo Antunes, como "Os Cus de Judas" ou "Memória de Elefante", mas também por conversas com outros antigos combatentes. Ouviu muitas vezes reacções. Como esta: "Mas por que caraças é que tu queres falar nisto?".

"As pessoas não falavam da guerra na guerra. Foi das primeiras coisas que eu percebi. Nem hoje eles falam na guerra. Eles [ex-combatentes] fazem almoços todos os anos e não falam nisso uns com os outros", diz.

Ivo M. Ferreira percebeu que muita coisa que ficou enterrada, "atirada para o mesmo canto do fascismo" para nunca mais se revisitar. Todo um período de "anseios e medos que não eram revelados nem à família nem aos colegas", que criou "um aquartelamento de silêncio muito mais forte do que o que eles tinham enquanto lá estavam".

Por isto tudo, Ivo não podia ter ficado mais surpreendido com as reacções que tem tido. "Sinto que este filme tem funcionado para fazer um desfolhar da cebola que, se calhar, também só podia acontecer agora, quando as pessoas estão naturalmente a desaparecer."

Agora que o filme finalmente chega às salas, trouxe uma surpresa para Ivo M. Ferreira. "Pensei sempre que as mulheres, as filhas, os filhos é que iriam ver o filme. As pessoas que os viram voltar diferentes. Mas de repente sei que há excursões de ex-combatentes, que é uma coisa que eu nunca pensei." (...)


Fonte: A entrevista, conduzida por Catarina Santos,. pode ser lida na íntegra, aqui,  no sítio da Rádio Renascença

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

31 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16433: Agenda cultural (489): Amanhã, dia de 1 setembro, estreia nos cinemas o filme, de Ivo M. Ferreira, "Cartas da Guerra", baseado nas cartas de amor e guerra de António Lobo Antunes, ex-alf mil médico, da CART 3313 (Angola, 1971/73). Descontos especiais para grupos de ex-combatentes e séniores

7 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16281: Agenda cultural (488): O filme "Cartas da Guerra", de Ivo M. Ferreira, baseado na obra de António Lobo Antunes, tem estreia comercial em 1 de setembro próximo


(**) Último poste da série > 27 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16423: Recortes de imprensa (80): Os "últimos tugas" de Bafatá: João e Célia Dinis, entrevistados pelo "Público", em 13/4/2013... O nosso camarada João Dinis, hoje empresário, vive na Guiné desde 1963. Pertenceu à CART 496 (Cacine e Cameconde, 1963/65)

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16343: Convívios (764): Moledo, Lourinhã, 14 de agosto de 2016: encontro de combatentes, 5º aniversário da AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste... Estamos todos convidados!

 

Cartaz pormocional do convívio da AVECO - Associação dos Veteranos do Oeste, da autoria do nosso amigo e camarada António Basto. Moledo da Lourinhã é uma terra fascinante, a 70 km de Lisboa que merece uma visita. (*)

Foi aqui, em Moledo [, do baixo latim "Moletu(m)", rochedo], que Pedro e Inês fizerem o seu ninho de amor. Inês teve aqui um palácio, entretanto demolido no séc. XVI. Tem igreja renascentista e é a povoação do país com mais esculturas por metro quadrado (**), Os seus moinhos de vento, de oprigem árabe, também são um motivo de atração. Tem igualmente monumento aos combatentes do Ultramar. Fica situado  no planalto das Cesaredas.




Lourinhã > Moledo > Arte Pública > 25 de agosto dfe 2015 > Inês, peça de Joana Alves, em pedra da região... E o nosso editor com a mãosinha... "na mama firme da bajuda".

Foto (e legenda): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados


1. A  AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste, com o NIPC 510 083 617,  tem  sede na Rua dos Bombeiros Voluntários, Edificio do Centro Coordenador de Transportes, Piso 1, Sala 2, Lourinhã, e é  uma Instituição Particular de Caracter Cultural e Social.

Foi constituida por escritura pública de 16 de dezembro de 2011.

É uma Associação que agrega antigos combatentes (Veteranos) da Guerra Colonial e das Missões de Paz, de todos os Ramos das Forças Armadas.

2. Tem como objetivos principais:

(i) o apoio social, médico e jurídico, a defesa de direitos e das justas reivindicações de todos os associados, e a obtenção de assistência específica aos ex-combatentes e seus familiares,  portadores de deficiência por perturbação pós-stress traumática de guerra (PTSD);

(ii) promoção de actividades lúdicas e culturais para os seus associados e familiares.

(iii) não tem fins lucrativos e  é independente de ideologias políticas, étnicas, religiosas e económicas.

3. Contactos: 

AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste [brazão à direita]

Rua dos Bombeiros Voluntários - Centro Coordenador dos Transportes - Piso 1 – Sala 2
2530-147 LOURINHÃ

Telefone: + 351 261 46 9457

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16032: Camaradas da diáspora (12): Notícias da América: "Luso-Americanos que morreram ao serviço das Forças Armadas dos USA", último livro do jornalista e escritor Fernando Santos (João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Portogole, Missirá, 1965/67)


Luso-Americano, jornal fundado em 1928. Notícia, da edição de 29/3/2016, referente ao último livro do jornalista e escritor Fernando Santos, amigo do nosso grã-tabanqueiro João Crisóstomo.


(...) "O mais recente livro do jornalista e escritor Fernando Santos mostra a virtude, o coração e a alma de origem portuguesa. O último sacrifício de portugueses e luso-americanos na defesa da América que adoptámos como casa.

"Desde a Guerra da Independência que as forças armadas americanas contam com portugueses a luso-americanos nas suas fileiras. Guerra Civil, 1ª e 2ª Guerra Mundial, Guerra da Coreia, Guerra do Vietname, Guerra do Golfo, Guerra do Afeganistão, Guerra do Iraque, e operação “Inherent Resolve” no Iraque e na Síria.

"O trabalho de Fernando dos Santos que, durante décadas, foi editor-chefe do Luso-Americano é considerado de indelével valor por constituir um esforço de pesquisa inédito, tal como o seu primeiro livro Os Portugueses de New Jersey."


Fonte: Cortesia de Luso-Americano [mar 29, 2016]


1. Mensagem do João Crisóstomo (Nova Iorque) [, ex-alf mil, CCAÇ 1439 , Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/66, ativista de causas sociais, a viver em Nova Iorque desde 1975; natural de A-dos-Cunhados, Torres Vedras; nosso grã-tabanqueiro]:


Data: 19 de abril de 2016 às 18:00

Assunto: Lista ... e reunião....

No sábado passado, dia 17 deste mês, houve um jantar de angariação de fundos para um monumento aos luso-americanos veteranos nos Estados Unidos ( a ser construído num parque em Newark, estado de New Jersey, onde há uma numerosa comunidade portuguesa). (*)

Ao mesmo tempo este foi ocasião para o lançamento de mais um livro pelo conceituado jornalista/autor Fernando Santos ( ex-editor do Luso Americano nos USA, depois de ter sido redator da Agenêcia France Press em Portugal), justamente intitulado "Luso-Americanos que morreram ao serviço das Forças Armadas dos USA".

A sorte colocou-me exactamente na mesa do Fernando Santos (somos amigos de longa data!) e partilhavam da nossa mesa alguns dos seus amigos que ele me havia avisado eram veteranos das nossas "guerras no Ultramar português,  Entre estes havia um, Carlos Pais, que havia prestado serviço em Cabo Verde, e me falou, entre muitas outras coisas, da diferença entre o clima etc da Guiné, onde parece ter ido frequentemente, e Cabo Verde. Sugeri então que lesse o teu/nosso  blogue e talvez ele tivesse mesmo vontade de te contactar. Oxalá o faça.

Foi por ele que o Fernando Santos teve acesso a uma lista de militares condecorados nas guerras ultramarinas, onde evidentemente a Guiné ocupa lugar de destaque, pois era lá, mais do que em qualquer outro lugar, que a coisa era mesmo quente, como todos sabemos. 

É natural que dela já tenhas conhecimento e eu estou aqui a pretender "ensinar o Padre Nosso ao Vigário" como se costuma dizer . Se é o caso, desculpa. Se porém a não conheces,  talvez aches relevante, pois aí estão os nomes (por ordem alfabética) de todos os que receberam alguma distinção por parte do nosso governo (,embora na verdade todos os que por lá andaram merecem o nosso muito respeito e admiração , sempre houve alguns que foram mais notados do que outros, embora isso não queira dizer que muitos outros não fossem merecedores de igual e talvez maior distinção do que muitos dos que nesta lista estão incluídos). 

Aqui vai portanto o link [, portal UTW - Ultramar Terraweb, Dos Veteranos da Guerra do Ultramar, 1959-1975, fundado pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro António Pires [ex-Furriel Mil Mecânico Auto da CSM/QG/RMM (Moçambique 1971/1973], a quem mandamos um grande fraterno e fotos de boa continuação da navegação pela "picada" (muitas vezes armadilhada...) da Web]:

http://ultramar.terraweb.biz/condecoracoes.htm

E pronto,  meu caro.

AHHH!!! Mais uma coisa: Se já recebeste isto…. mais uma vez as minhas desculpas por ser redundante; mas se não, aqui vai uma cópia de um convite para a reunião anual da CCAÇ 1439, etc.,. como segue (**) .

Um grande abraço para ti, tua esposa e todos os nossos camaradas que venham a ler este, se for o caso.

A Vilma está -me a dizer para a não esquecer no abraço que vos estou a enviar!...

João Crisóstomo,
 CCAÇ 1439, 1965/67
Alferes Miliciano
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Notas  do editor:

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15775: Atlanticando-me (Tony Borié) (7): Talvez lá, como cá

Sétimo episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Talvez lá, como cá!

Quando, numa manhã fria de Janeiro do ano de 1965, foram dadas ordens a um Esquadrão de Caças F-105 da Base Americana de Okinawa, no Japão, para que se transferisse para a Base Aérea de Da Nang, no Vietname do Sul, para dar cobertura ao Corpo de Marines, que tinham por missão cruzar o Paralelo 17, que era uma linha de demarcação militar provisória e desmilitarizada entre o Vietname do Norte e o Vietname do Sul, estabelecida na Conferência de Genebra de 1954, que pôs fim à Guerra da Indochina, embora não coincidindo com o verdadeiro paralelo, pois no terreno era uma região um pouco a sul ao longo do rio Ben Hai, na província de Quang Tri, até à vila de Bo Ho Su e dali para oeste até à fronteira entre o Vietname e o Laos, foi quase o mesmo quando anos antes o responsável pelo então governo de Portugal disse em frente às câmaras de televisão, referindo-se ao então ultramar que, “vamos para a guerra e em força”.

Quando no dia seguinte, 49 destes caças levantaram voo da base de Da Nang, para atacar alvos do Vietname do Norte, fazendo com que a partir desse dia a guerra não ficasse mais restrita ao território do Vietname do Sul e, o primeiro desembarque de 3500 soldados americanos em Março, naquele território, já se havia transformado em 200 mil, em Dezembro do mesmo ano e, quando em 1973, as tropas americanas se retiraram do conflito, havia cerca de 58 mil soldados americanos mortos, contudo o conflito prosseguiu com a luta armada entre o Norte e Sul do Vietname, que ficou dividido, terminando em absoluto em 1975, com a invasão e ocupação de Saigon, então a capital do Vietname do Sul e a rendição total do exército sul-vietnamita, foi quase o mesmo quando os militares de Portugal, um ano antes, se revoltaram e destituíram o então governo de Portugal, ficando para trás um número de mortos, nas então províncias ultramarinas, que nós pelo menos não sabemos exactamente, mas devia andar pelas dezenas de milhar, talvez milhões, nas populações que foram ou viriam a ser afectadas pelo conflito, que infelizmente foi armado.

Quando terminou o conflito, no caso do Vietname, os números não eram precisos, mas oscilam entre milhão e meio a dois milhões de vietnamitas mortos, entre civis e militares, onde parte considerável desta população era economicamente activa, que morreu durante o conflito e, como se compreende, este facto provocou uma grave crise económica nos anos seguintes ao seu final, além dos talvez milhões de pessoas, oriundas do Camboja e do Laos, que foram arrastados para a guerra com a propagação deste mesmo conflito.


Comparações com a guerra que vivemos em África? Os números são gigantes, nós chamávamos aos guerrilheiros “Turras”, os americanos chamavam "Vietcongs". Este termo, abreviado para "VC", deu origem ao termo utilizando a fonética militar de "Victor-Charlie" de onde surgiu o nome "Charlie", também como apelido aos guerrilheiros, tirando isto talvez houvesse mais coincidências: na data, no combate e contacto com o inimigo nas selvas húmidas e pântanos da Guiné, mas em cenário de guerra não há lá muita comparação, nós lutávamos com um infinito de dificuldades, tanto em material logístico, como em alimentação, alojamento, assistência médica, evacuação de feridos e mortos em combate, tal como outros motivos de sobrevivência. Valia-nos, entre outras coisas, um pouco de audácia, coragem e improviso, em que éramos e continuamos a ser, pelo menos os que nasceram nos anos quarenta ou cinquenta do século passado, alguns com a instrução escolar mínima, um pouco melhor que a média, talvez por sermos descendentes de diversos povos que em tempos habitaram a Península Ibérica, que eram sobretudo guerreiros por natureza.

Nós aprendemos depressa que aquela era uma guerra que só poderia ter um fim político e não de luta armada, onde uma faca, por vezes era a melhor arma de combate e, a pior, no nosso modesto entender, era um avião. Enquanto os soldados americanos se armaram de grande poder de fogo, em artilharia e aviação de combate para destruir as bases inimigas e impedir as suas ofensivas, pois no terreno praticavam acções defensivas, deixavam a acção ofensiva para os F-105 e helicópteros armados, embora eles fossem treinados e instruídos para guerras ofensivas, os seus comandantes eram psicológica e institucionalmente pouco qualificados para essas acções defensivas, no entanto nós éramos treinados para lutar e ir ao encontro do inimigo, fazer aquelas incursões no terreno, diárias, ir ao encontro, não importava se a zona era perigosa e base de inimigos, nós tínhamos que caminhar por lá, calcar minas e fornilhos mortais, onde o inimigo usava os segredos daquela selva e daqueles pântanos em seu favor, onde havia a necessidade de beber a para nós, “célebre água da bolanha”, motivo por que hoje começam a aparecer sinais de doença, como por exemplo, entre outras, o cancro, de que não se sabe a origem.

Quando o Jack, que nasceu no estado do Wyoming, depois de fazer dois “tours” de seis meses cada à guerra do Vietname, regressou ao continente americano, continuou no Corpo de Marines, seguindo a carreira militar, pois as suas possibilidades de sobrevivência nas planícies do Wyoming eram montar um cavalo durante todo o dia, guardando manadas de vacas ou cavalos, comendo carne de algum animal que tivesse que ser abatido, carne essa que podia ser consumida assada ou seca e curada, para ser comida crua durante sete dias por semana, tal como o nosso sargento da messe, lá no aquartelamento de Mansoa, que era oriundo das planícies do Alentejo.

Quando o Smith, soldado do Alabama, que foi ferido em combate e transferido para o hospital militar de Saigon, hoje se faz transportar numa cadeira de rodas, se orgulha de ser combatente dizendo alto e bom som que não se queixa do destino, pois criou a sua família e sempre foi ajudado pelo governo, que lhe proporcionou algum conforto no meio da sua vida de pessoa com alguma desvantagem. Ou mesmo o John, soldado ferido em combate, a quem posteriormente foi amputado um membro superior, não quer qualquer ajuda, mudando ele mesmo a roda do seu carro, tal como qualquer João, José ou Manuel, companheiros feridos nas savanas da Guiné.

Tudo isto companheiros, vem a propósito de que os soldados americanos regressados dessa guerra, e nós somos testemunhas privilegiadas devido à nossa posição, quando em actividade de oficial da United Steelworkers, que é hoje o maior sindicato de trabalhadores de metalúrgica nos Estados Unidos, porque convivemos durante anos com alguns destes militares, por vezes mediando conflitos, que embora tivessem pouca instrução escolar e estivessem um pouco traumatizados, foram sempre encorajados na procura de trabalho, na compra de casa e outros bens. Existe mesmo um Banco dos Veteranos que lhes facilita empréstimos para compra de habitação ou qualquer outro investimento. Foram sempre preferidos e respeitados, por vezes bastava-lhes dizer que eram veteranos, que quase todas as portas se abriam, claro, havia excepções como em tudo na vida, mas os ainda sobreviventes da guerra do Vietname têm assistência. Existem os Hospitais dos Veteranos, localizados nas principais cidades de quase todos os estados, têm ajudas relativas em algum caso de necessidade extrema e, acima de tudo, orgulham-se do seu passado de combatentes. Quando começamos qualquer conversa, as primeiras palavras deles são para dizer que não querem nem ouvir a palavra, “Vietnam Syndrome”, levantam a cabeça e dizem bem alto que são veteranos de guerra. 

Tony Borie, Fevereiro de 2016.
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Notas do editor

1 - Realce do último parágrafo do texto da responsabilidade do editor

Último poste da série de 14 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15745: Atlanticando-me (Tony Borié) (6): Às armas, às armas, contra os canhões, lutar... lutar!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5397: Blogues da nossa blogosfera (28): Guerra do Ultramar, um site com informação útil (José Macedo, EUA)

1.  Do nosso camarada Zeca Macedo, que foi 2.º Ten do  Destacamento de Fuzileiros Especiais, DFE 21 (Cacheu, Bolama e Cacine, 1973/74) e vive hoje nos EUA, desde 1977. É advogado (**).

Luis:

Recebi o e-mail que te envio. Faz dele o que bem entenderes. Alguns dos sites pode ter interesse para os camaradas da tabanca.


Um abraço amigo
José Macedo
Segundo tenente DFE 21
Guine 73-74


2. De interesse para os Veteranos do Ultramar e Famílias

[ Fonte:  Portal Guerra do Ultramar: Angola, Guiné e Moçambique, que é uma verdadeira enciclopédia sobre a guerra colonial, criado em 30/3/2006, e  mantido com enorme entusiasmo pelo nosso camarada António Pires, naturald e Vendas Novas, ex-Fur Mil Mec Auto, CSM/QG, Moçambique, 1971/73. O portal já ultrapassou o meio milhão de páginas visitadas. Grato ao Zeca Macedo pela lembrança. Votos de boa saúde e bom Natal. L.G.] (**) (***)

Clicando em cada uma das frases sublinhadas, acede-se directamente aos respectivos temas:

> Listagens de Militares que Morreram ao Serviço de Portugal 1954-1975 http://ultramar.terraweb.biz/index_MortosGuerraUltramar.htm

> O 10 de Junho dos Combatentes http://ultramar.terraweb.biz/Celebracoesdo10JUN/Celebracoes_EncontrosNacionais_LX.htm

> Memoriais Concelhios
http://ultramar.terraweb.biz/Memoriais.htm

> Memorial Nacional, no Forte do Bom Sucesso (Santa Maria de Belém, Lisboa) http://ultramar.terraweb.biz/MonumentoNacionalCombatentesUltramar_Lapides.htm

> Monumento Nacional aos Combatentes do Ultramar http://ultramar.terraweb.biz/MonumentoNacionalCombatentesUltramar.htm
> Condecorações atribuídas por Feitos em Campanha (1961-75) http://ultramar.terraweb.biz/condecoracoes.htm

> Contagem do Tempo de Serviço Militar
http://ultramar.terraweb.biz/ContagemdoTempo_SM.htm 

> Stress ou Deficiência Física Adquirida em Campanha http://ultramar.terraweb.biz/Stress_ou_DeficienciaFisica_adq_Campanha.htm

> Veteranos ex-Prisioneiros de Guerra
http://ultramar.terraweb.biz/AntigosCombatentes_PGuerra.htm

> Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) http://ultramar.terraweb.biz/06livros_estadomaiordoexercito_publicacoes_livros.htm

> Bibliografia relacionada com a Guerra do Ultramar
http://ultramar.terraweb.biz/06livros.htm

> Mapas de todas as ex-Províncias Ultramarinas
 http://ultramar.terraweb.biz/index_mapas_ultramar.htm
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Nota de L.G.:
 
(*) Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2532: Tabanca Grande (56): José J. Macedo, ex-2º tenente fuzileiro especial, natural de Cabo Verde, imigrante nos EUA
 
(**)  Vd. poste de 28 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3535: Blogues da Nossa Blogosfera (8): Portal Guerra do Ultramar, do António Pires, de novo em velocidade de cruzeiro

(***) Último poste desta série > 14 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5268: Blogues da Nossa Blogosfera (27): Andorinha em Canchungo (António Nababo)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5328: Blogoterapia (131): Sobe a calçada, camarada, sobe (Luís Carvalhido, CCS/BART 3873, Bambadinca, 1972/74)

O Luís Carvalhido, membro e ex-dirigente da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra (APVG),  com sede em Braga, foi soldado de transmissões da CCS do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74). É natural de (e residente em) Barcelos. Pertence à nossa tertúlia desde Abril de 2005, tendo entrado pela mão do Sousa de Castro, do mesmo batalhão (CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74), e que é o nosso tertuliano nº 2.

1. Mensagem do Luís Carvalhido:


 Ao receber este texto (*), tenho que reflectir, acerca daquilo que em baixo fica escrito. É que às vezes eu também me canso de não entender certas coisas, certas atitudes. E se é certo que começo a perder algumas capacidades do meu modesto intelecto, também é certo que conheci muitos FIGURANTES, nas minhas andanças, alguns dos quais fazem parte desta tua cadeia. E se a memória não perdeu de vez a lucidez, anda por aí gabiru.



Às vezes, e porque penso que começo a não ter interesse, penso abandonar, mas outras vezes lembro-me daqueles que cairam e que lá no alto olham com afecto para nós pelo simples facto de ainda os recordarmos e isso motiva a continuação. Sabes: é um bocado o "sobe a calçada, Luísa, sobe".


Já agora e se possível, diz ao Vasco [da Gama] que há mais olhos abertos, perscrutando as sombras desenhadas pelos abutres que teimam em aparecer sempre que há despojos.


Por isso,  e sabendo que às vezes furo barreiras, não com o intuito de ganhar primazias, mas antes pelo meu espírito de inquietação permanente, naquilo que aos nossos camaradas toca, deixa dizer-te o seguinte:

  • faço sempre as coisas com sentido altruísta;
  • tive desde sempre intuitos firmes e sérios que paguei bem caro;
  • lutei durante muitos anos numa luta desigual, sem nada pedir em troca;
  • gosto de alertar aqueles de nós, (muitos), que apenas dormem;
  • por isso às vezes sou incómodo, sobretudo se sinto ou pressinto alguma coisa que me fira a alma;
  • por isso e se por acaso alguma minha atitude num passado recente te incomodou, não peço desculpa porque nunca faço nada com o intuito de ofender, ultrapassar ou obter qualquer benefício pessoal.


Apenas e simplesmente fiquei chocado com algumas notícias, que aqui chegaram e fiz o que a minha consciência me ditou, ou seja: disse o que penso de uma determinada notícia, dando a perceber ó outro lado da moeda [Vd. mensagem a seguir, ponto 2]

No meu conceito, os participantes do teu blogue, entre os quais me incluo, devem e têm que obedecer a regras, mas - e porque para mim isto é muito mais que um local de encontro -, os responsáveis do mesmo, antes de informarem, devem fazer uma viagem histórica por forma a não ofenderem aqueles que conhecem por dentro outras Histórias.


Estive para não comentar os teus poemas, que para mim merecem todo o respeito, independentemente da abrangência que lhe quiseste dar, mas depois, uma vez mais, este Luís resolveu subir a calçada.


Como nota final, deixa-me dizer-te, com o tal espírito de homem da Guiné, que por vezes é necessário que as águas sejam cristalinas, por forma a que cada um assuma o seu lugar.


Deixo-te um abraço e,  se um dia for possível, acredita que terei contigo uma conversa de Homens, para que percebas melhor e entendes o outro lado da barreira.


Até lá
Luis Carvalhido


2. Mensagem de 13 do corrente, dirigida aos camaradas da Guiné, em geral, e que não chegou a ser publicada, na altura:

Caro Companheiro:

Acabo de receber o teu e-mail, no qual referencias a notícia de que os corpos dos companheiros, ou o que resta deles, acabam de ser transladados de terras da Guiné para solo Português. (**)


Naturalmente que essa notícia me comoveu e me encheu de uma alegria triste. Acompanhas a notícia, com algumas considerações pessoais, entre as quais salientas o dia 14 de Novembro e as comemorações nele contidas.

Vou tentar ser breve, mas antes deixa-me retirar do contexto os restos mortais dos nossos companheiros de armas, a quem deixo um minuto do meu silêncio. Depois passo a perguntar-te o seguinte:

  • Porque estão os corpos, ou aquilo que resta deles em mais um dia dos Generais?
  • Será para darem uma medalha de ferro às famílias e ficarem bem na fotografia?
  • Porque é que tu, companheiro, que presumo seres de boa formação, não incentivas a que a própria Liga [dos Combatentes] pague as despesas dos que já vieram, bem como as do outro corpo que por lá ficou, uma vez que eles também se aproveitam da memória e da presença física dos nossos companheiros mortos?
Deixa-me dizer-te que me sinto incomodado com essa notícia, porque esse dia é um dia morto para nós. Ele não consubstancia qualquer ideia séria, qualquer projecto, qualquer sentimento de solidariedade quer para os vivos, quer para a família dos mortos.

Sinto-me triste por saber que esse dia é uma farsa para povo ver e por isso deixa-me dizer-te que a culpa é dos interesses maiores que movem muita gente que se arvora em defensor dos reais e legítimos valores de todos aqueles que suaram a bandeira.

É culpa das várias pessoas, associadas e dependentes de pequenos tachos e da valorização da imagem que alguns teimam em conseguir.

É culpa daqueles que,  devido a uma antiga ruralidade, ainda se aninham ao poder corporativo, seja ele fardado ou não.

É culpa da presença daqueles que “pseudamente” se dizem muitas coisas e são outros dos tais.

Sabes,  companheiro, a culpa não é das Associações, mas sim culpa das “presidenciações” que apenas vivem para os seus próprios interesses.


Por isso deixa-me dizer-te que pessoalmente o 14 [de Novembro] dos Generais,  nunca. Nem desses nem de outros que se digam defensores dos Veteranos de Guerra e que depois se associam para que a água corra pró seu moínho.


EU, NÃO ESTAREI PRESENTE!

A memória dos restos mortais desses e de tantos outros que tombaram, assim mo exigem.

Saudações

Luís Carvalhido (***)
Barcelos 2009/09/12

3. Comentário de L.G.:

Há muito que não sabia de ti, camarada de Bambadinca (desencontrámo-nos lá por uma diferença de um ano...).  Também, é verdade, não nos tens escrito, mas seguramente que vais acompanhando o nosso blogue, nem que seja à distância, e nem sempre concordando, necessariamente,  com a nossa linha editorial. Não quero, nem devo, comentar o teu poste, e muito menos responder às tuas críticas. Quero  apenas contextualizar as tuas duas mensagens.

A maior parte dos camaradas do nosso blogue não sabe que já foste dirigente (vice-presidente, em 2003) da APVG, e que deste o melhor do teu esforço à causa da dignificação de todos nós enquanto antigos combatentes. Está escrito, na coluna do lado esquerdo do nosso blogue, que "somos sensíveis aos problemas (de saúde, de reparação legal, de reconhecimento público, de dignidade, etc.) dos nossos camaradas e amigos, incluindo os guineenses que combateram, de um lado e de outro. Mas enquanto comunidade (virtual) não temos nenhum compromisso para com esta ou aquela causa por muita justa ou legítima que ela seja"... Isto não significa que cada um de nós, individualmente,  não possa tomar posição sobre estas e outras questões. Não queremos, no entanto, substituir-nos à Liga dos Combatentes, à APVG e às demais associações.

Quanto ao teu protesto em relação às comemorações do dia 14 do corrente, não o publicámos na altura por manifesta incapacidade material... A efeméride, entretanto,  passou e a própria notícia que originalmente publicámos sobre as trasladações não era verdadeira, era falsa (não há notícias parcialmente falsas ou parcial mente verdadeiras, há apenas notícias falsas e notícias verdadeiras).


Aprecio a tua frontalidade: de  facto, não temos quaisquer ajustes de contas a fazer um ao outro. Nem eu sou pessoa de susceptibilidades, nem tu és menino de desculpas e salamaleques... (Se me devesses alguma coisa, era uma foto e uma história de Bambadimca, que nunca chegaste a mandar, pela tua entrada na nossa tertúlia em Abril de 2005. Como já passaram duas comissões, estás perdoado!).

 Um Alfa Bravo. E não desistas, nunca desistas de continuar a subir a calçada da vida... Oxalá, ao menos, que seja menos íngreme e poeirenta que a rampa do quartel de Bambadinca (foto acima). Luís
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Notas de L.G.


(**) Vd. postes de:

12 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5261: Efemérides (29): Às custas dos seus familiares (Magalhães Ribeiro)

17 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5284: Dando a mão à palmatória (24): Os editores do blogue têm que ter rigor e espírito crítico em relação às suas fontes (Luís Graça)




21 de Julho de 2006 >  Guiné 63/74 - P977: Antologia (52): A guerra que Portugal quis esquecer (Luís Carvalhido, ao Jornal de Barcelos)

(...) Entrevista a Luís Carvalhido, por Zita Fonseca e José de Coelho. Jornal de Barcelos. 9 de Julho de 2003 (com a devida autorização)

Alguns excertos:

(...) JB - O país foi ingrato para convosco?


LC - O país foi ingrato! O país não teve a capacidade de reconhecer isso e fez uma coisa ao contrário que foi tentar ocultar. Quando um povo não é capaz de reconhecer o seu próprio mérito, mesmo na adversidade, fraco é este povo ou fraco é quem o lidera. Actualmente, as coisas estão a vir ao de cima, o movimento está a crescer. A prova disso é esta Associação que é a maior com 40 mil membros, mas há outras com alguns milhares. Isso quer dizer que este movimento não vai parar. Isto assumiu proporções de bola de neve.


JB - As consequências mais visíveis da guerra colonial eram, para além dos mortos, os soldados que voltavam estropiados. Nos outros, as consequências não se viam, a não ser às vezes, quando a família de algum comentava que veio de África...

LC - Que veio marado, cacimbado, ninguém o pode aturar.

JB - Isto eram coisas que as famílias viviam dentro das quatro paredes e passavam despercebidas. Agora, a ideia que se começa a implantar é que as consequências psicológicas da guerra têm uma dimensão muito grande.

LC - Enorme. Há dois tipos de feridos e de feridas. Há os chamados deficientes das forças armadas, que estão à vista, e há os deficientes encobertos. E a própria família, sendo vítima do sistema - e o sistema era de encobrimento - tinha de acobertar os seus doentes suportando tudo à luz do modelo duma pretensa família católica. Ou seja, se o marido era um stressado, um indivíduo cacimbado como se diz na gíria, batia na mulher ela, porque era uma boa católica, tinha de aguentar. Se o marido batia nos filhos pedia-lhes que tivessem paciência. Durante muito anos foi assim. Finalmente, há cerca de meia dúzia de anos, fruto das lutas de pessoas mais atentas, está reconhecido o stress pós-traumático de guerra. Isto veio ajudar a quebrar os tabus. Começou a encarar-se com naturalidade a possibilidade de cada um transmitir ao seu psiquiatra ou psicólogo um fenómeno que estava associado a efeitos recorrentes.  (...)