1. Mensagem de Jorge Cabral, que foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71, autor da série Estórias Cabralianas (*)
Querido Amigo,vou fazer os possíveis para lá estar dia 5 [, no Maxime]. Sobre o meu Regresso já escrevi – estória 9, "Má chegada, pior partida"…, 19 de Abril de 2006. Volto porém ao tema e mais uma vez falo de mim… O Branquinho que tenha paciência, mas umbigo por umbigo, falamos sempre a partir do nosso.
Há tempos, mandei um apontamento que tu transformaste em estória, sobre a minha ida a Belel, no qual me interrogava sobre a razão de me terem mandado sem o Pelotão. Curiosamente, o Jaime Pereira, Ex-Alf Mil da CCaç 12, que alinhou nessa operação, e que pelos vistos não leu o meu relato, respondendo a uma dúvida, acabou por esclarecer, que fui como guia dos Páras (1). Guia eu? Mas o que é que não fui na Guiné?
Junto fotografia do Jovem Aspirante Cabral, com uma farda emprestada. Belo rapaz! Esteve em exposição na montra da casa onde foi tirada, mesmo defronte da Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas. Claro que fez sucesso e provocou paixões… Outras estórias que hei-de contar… um dia.
Abraço Grande
Jorge
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(1) Com autorização do Jaime, anexo o e-mail recebido (**)
2. UM PENOSO REGRESSO (***)
por Jorge Cabral
No princípio de Julho de 1971 o meu Pelotão [ o Pel Caç Nat 63,] foi substituído em Missirá, pelo 52, do Wahnon Reis. Eu ainda lá permaneci, mas foi então que se iniciou o meu Regresso. Estava ansioso? Alegre? Triste? Não sei. Apreensivo, sim! Conseguiria ressuscitar o estudante teatreiro, cinéfilo e literato? Por onde andariam agora os amigos das Tertúlias. Que livros liam? De que falavam? E elas, elas, elas?
Ao ir para a Tropa rompera os vínculos. Praticamente não escrevera a ninguém. Que lhes iria contar? Como narrar o olhar do Malan, quando pisou aquela mina em Salá?
Fiquei mais três aborrecidas semanas em Missirá. E calculem que, com vinte e seis meses, alinhei ainda numa operação. Dois mortos, para jamais esquecer… Depois seis dias vazios em Bambadinca. O meu Pelotão estava na Ponte do Rio Undunduma e eu para ali, desalinhado sem saber o que fazer… Claro, logo de manhã…… tasca do Zé Maria [ a saída de Bambadinca, no cruzamento para Bafatá].
Finalmente foi marcada a data do meu embarque no Xime. A noite anterior passeia-a com o Pelotão e até de madrugada recordámos, prometemos, celebrámos… Essa foi a minha verdadeira despedida. A noite do Adeus!
No dia seguinte, o Branquinho acompanhou-me ao Xime. E lá parti rumo a Bissau.
Queria voltar de barco, ciente que precisava de pôr a cabeça em ordem. Mas não, vim de avião. Numa anterior colaboração, relatei a chegada – o ralhete do Pai, e a tristeza da Mãe.
Em Lisboa procurei os antigos Amigos. Uns haviam fugido, outros faziam perigosas “comissões” no Museu Militar, no Ministério do Exército, no Quartel General… Queriam eles lá saber da Guiné ou da Guerra…
Por mim sentia-me perdido, invadido por um sentimento de orfandade… Então desanuviei… estagiando entre copos e carinhosas damas, que até compreendiam a angústia do combatente.
Ritz-Clube, Fontória, Maxime, Nina, Cantinho dos Artistas… Cá, como lá, em Roma, fui sempre Romano.
Estágio concluído com distinção, acabei por assentar.
Da Guiné esqueci muito, mas não os inquebrantáveis laços de Fraternidade.
Iguais, nunca mais estabeleci com ninguém!
Jorge Cabral
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Notas de L.G.:
(*) Vd. o último poste > 20 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2862: Estórias cabralianas (36): Uma proposta indecente do nosso Alfero (Jorge Cabral)
(**) Email de 20 de Maio de 2008, enviado pelo Jaime Pereira ao Jorge Cabral:
Caro amigo Jorge Cabral:
Estive de férias e só hoje foi possível responder ao teu Email.
O Beja Santos não conhece nada das nossas vidas comuns…
Encontrei-o casualmente num restaurante da Rua de S. Paulo, próximo do local onde trabalho, a falar com uns Guineenses sobre a nossa zona de guerra. Meti conversa, disse-lhe que tinha estado na CCaç 12 entre 1971 e 1973, falámos sobre o Blogue do Luís Graça e não entrámos em pormenores.
Estive de facto pelo menos duas vezes em Missirá, onde fui sempre muito bem tratado por ti e pela tua malta…
Lembro-me que, da primeira vez, fiquei uma noite em Missirá a guardar as bajudas e as mulheres grandes do teu pessoal, enquanto o teu pelotão saiu num patrulhamento, creio que para a zona de Mato Cão.
Da segunda vez recordo-me que o BB [, major da CART 2917, Bambadinca, 1970/72,] me mandou reforçar a tua tropa com o meu pelotão porque havia indicações de que o bi-grupo de Madina/Belel ia retaliar sobre Missirá do ataque que a minha companhia e a dos páras tinham feito sobre o seu aldeamento, uma semana antes.
Deves por certo recordar-te desta Operação a Madina/Belel porque nos encontrámos no objectivo, tu a servir de guia aos páras e eu integrado na CCaç 12 e fizemos juntos o percurso de regresso via Enxalé.
Nesse dia se não tivéssemos tido o apoio dos T6 e a bolanha estivesse sem água, grande parte do pessoal da CCaç 12 tinha lá ficado…
Mas a primeira imagem que guardo de ti é do meu dia de chegada a Bambadinca… Tinhas tomado o teu banho fula no pavilhão dos oficiais, tinhas vestido um camuflado lavado que por certo foi retirado de uma das gavetas do armário do pessoal da CCaç 12, estavas deitado na cama que me estava destinada, com o pingalim a bater nas botas, olhaste para mim e para o Sobral e disseste:
- É o destino, periquitos, vieste para à Guiné, mas é o destino…
Recordar é viver… Vamos realizar o almoço da CCaç 12 em Lamego, no dia 31 deste mês de Maio. Se desejares ir, manda-me um Email…
Um grande abraço
JAIME PEREIRA
(**) Vd. último poste desta série > 4 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3021: Os nossos regressos (6): Regressei a olhar para trás...(Santos Oliveira)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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