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segunda-feira, 20 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25544: Viagem a Timor-Leste: maio/julho de 2016 (Rui Chamusco, ASTIL) - Parte I: As primeiras emoções e impressões


Lourinhã > Praia da Areia Branca > 2 de dezembro de 2017 > Almoço de um grupo de amigos de Timor-Leste, no restaurante Foz: em primeiro plano, Rui Chamusco e Gaspar Sobral, cofundadores e líderes da ASTIL 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Rui Chamusco passou a integrar desde 10 de maio último a nossa Tabanca Grande (*). É cofundador da ASTIL, com a sua conterrânea,  Glória Lourenço Sobral, professora do ensino secundário,  e  com o marido desta, Gaspar Costa Sobral,  luso-timorense que, em Angola, antes da independência, era topógrafo.  

ASTIL é a sigla da Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste, criada em 2015, com sede em Coimbra. Entre outros projetos desenvolvidos pela ASTIL,  destaque-se a Escola de São Francisco de Assis (ESFA), nas montanhas de Liquiçá (pré-escolar e 1º ciclo) e o apadrinhamento de crianças em idade escolar. (Havia, então, em Boebau,  150 crianças sem acesso à educação.)

O Rui, professor de música, do ensino secundário, reformado, natural do Sabugal, e a viver na Lourinhã, tem-se dedicado de alma e coração a este projeto no longínquo território de Timor-Leste. (A ESFA foi inaugurada em março de 2018: custou então 50 mil dólares, sem contar com muita da mão-de-obra "pro bono")

Regressou há dias, ao fim de 3 meses, de mais uma estadia (a quinta), desde 2016.  (Voltou lá em 2018, 2019, 2023 e 2024.) Falei com ele ao telefone, ainda estava "todo partido" da longa viagem (são mais de 14 mil quilómetros de distância, e uma diferença de 8 horas entre Lisboa e Dili).

Desde a sua primeira viagem a Timor-Leste, no início de maio de 2016, que ele vai escrevendo umas "crónicas" para os membros da ASTIL e demais amigos.  Na minha caixa de correio tenho  recuperar algumas dessas crónicas (de 2018 para cá). Em Dili ele costuma ficar na casa do Eustáquio, irmão (mais novo) do Gaspar Sobral. 

Pedi-lhe, entretanto, cópia das crónicas de 2016, a primeira vez que ele pisou a terra sagrada de Timor Lorosa'e. (Partiu a 5 de maio e regressou a 7 de julho.)

Vamos publicar alguns excertos, dado o interesse documental que têm para os nossos leitores que querem saber mais da história e da cultura dos nossos amigos e irmãos timorenses.

 Viagem a Timor: maio/julho  de 2016 - Parte I: as primeiras  emoções e impressões

por Rui Chamusco 


Descrição pormenorizada – acontecimentos e peripécias dos amigos Gaspar Sobral e Rui Chamusco

Depois de muitos trabalhos de preparação (vacinas, consultas, contactos, marcação de dias da viagem, obtenção de bilhetes e outras coisas mais) eis-nos a caminho: a primeira etapa da consagração do projeto de solidariedade “ uma escola em Timor “. 

As expectativas são muitas, as dificuldades muitas mais, mas a força e o querer que isto aconteça superam qualquer intento de desânimo ou de desistência.

Dia 5, 6 e 7 (quinta, sexta e sábado), maio de 2016 

Fundadores: Rui Chamusco,
Glória Sobral e Gaspar Sobral


Em casa dos amigos Tó Barroco e Mila em Odivelas, pelas 6 da manhã começam os primeiros rumores com os serviços da casa de banho que um a um utiliza, antes de um ligeiro pequeno almoço e da partida para o aeroporto da Portela (Lisboa). 

Às 8.30h começamos o chek-in e o controle de bagagens. Às 11.00h entrada para o avião da British Airways rumo a Londres. Aí permanecemos até às 20.00h, seguindo depois até.ao aeroporto de Singapura durante um percurso de mais de 13 horas de avião.

Chegada ansiada ao mundo indonésio e que ali nos albergou até às 9.00h do dia seguinte, com partida para Dili (Timor) onde chegamos pelas 14 horas, contando com as horas do fuso horário respetivo.

Em Dili descemos da aeronave sob um calor sufocante, tal o grau de humidade da temperatura ambiente. Mesmo assim nada que nos impedisse do grande regozijo de pisar o solo timorense. 

Grande expectativa, depois de cumprirmos as formalidades exigidas, de conhecermos a família do amigo Gaspar que, antecipadamente avisada, estava a nossa espera. Beijos e abraços, com momentos fortes de emoção. É que Gaspar há 16 anos que não visitava à sua terra natal.

Surpresa ou coincidência

Enquanto esperávamos pela realização do check-in Singapura / Dili, surge precisamente à minha frente uma figura conhecida e com a qual em tive contatos há quase meio ano na preparação desta visita a Timor. Nada mais nem nada menos que o frei Padre Fernando Cabecinhas, provincial dos Capuchinhos de Portugal, que vem em visita às comunidades missionárias de Tíbar e Laleia. 

Foi uma alegria imensa de parte a parte pois, para além de recordarmos tempos passados, eu como diretor do seminário menor e ele como aluno, pusemos em dia a conversa sobre a vida de capuchinhos que outrora foram meus companheiros. 

Ficou logo ali delineada uma visita a Tibar, a fim de encontrar e abraçar o Pe. António Pojeira. Por razões de circunstância a visita ficou adiada mas que, logo que possível será concretizada.

Surpresa nº2

Tinha que ser! Por mais voltas que desse a passadeira das bagagens as nossas malas não apareceram. Revisão dos espaços, contatos telefónicos não serviram de nada. À nossa preocupação juntaram-se muitos outros que abnegadamente tentaram resolver a situação, mas o único que nos garantiram é que no próximo sábado (oito dias depois) as malas seriam entregues. A ver vamos!...

Amanhã, domingo, dia 8,  iremos à Plaza de Timor ( supermercado ) a fim de comprarmos algumas roupas, pois o calor húmido que se faz sentir obriga-nos a mudar de trajes com frequência. Entretanto, como diz um ditado timorense, “ nada se perde; apenas se esquece” (Saçan lá lácon; só halu han deit). Que assim seja…

A visita ao cemitério de Santa Cruz

Com a família Soveral como guia, fomos de imediato visitar esta lugar de memórias, e particularmente a campa do pai desta família José Alves Sobral, vítima de doença em 1975. Muita emoção, lágrimas e choro sobretudo por parte do Gaspar. 

A mim impressionou-me imenso o facto de se verem ainda em várias campas (também do sr. Sobral) as marcas dos tiros que no ataque de 12 de Novembro de 1992 o exército indonésio disparou e matou mais de 200 timorenses. 

De seguida fomos de karreta até à zona habitacional da família, em Ailok laran – aldeia da Ribeira Maloa, também conhecido por suco de Bairro Pitê (nome do administrador que lhe deu o nome). 

Muita gente à espera do Gaspar e do malae (português), que sou eu. Irmã, irmãos, cunhadas, filhos, sobrinhos, vizinhos, amigos… um corrupio de gente e sobretudo de crianças que, em face dos visitantes, tudo querem ver e saber. 

Um ambiente stressante mas que sabe bem. Todos se desfazem em simpatia, mesmo que a linguagem falte. Vendo e ouvindo os seus clamores e as suas histórias até às tantas da noite, mesmo que caindo de sono. O tempo é pouco para tanta vida pujante. Só crianças à nossa volta são treze. Ou seja, crianças e adultos da família Sobral são mais de 20 pessoas a fazer serão.

A vida e o bem estar desta gente

Há 14 anos que Timor é independente, com órgãos próprios de governação. Muita coisa já foi feita mas muito mais há que fazer. Tenho o privilégio de estar a viver com as pessoas do povo e não em hotel. Isto permite-me embarrar-me, comer e beber, cantar, tocar, estar com eles à conversa, escutar as ânsias e anseios das pessoas quiçá mais desprotegidas. Nada que possa alterar as características deste povo que nasce, vive e morre com o sorriso sincero nos rostos.

 Hoje observei as três crianças do Anô que iam ser batizadas. A mais pequena, que nem dois anos tem, desfaz-se em sorriso impossível de descrever. Como não ficar ligado a esta gente? Não há nada que pague esta oferta.

Faltam muitas condições de conforto e de bem estar a que um europeu está habituado. Mas sobram valores e relações humanas que são riqueza e património deste povo. 

Destaco em particular o valor da família. Viver em família é um processo natural. Na família Sobral todos são de todos, não há portas nem barreiras, os maiores cuidam dos mais pequenos, o respeito dos mais velhos está garantido com o beijo e reverência (beija e encosta a cabeça na mão do adulto), gesto repetido todos os dias ao fazer o cumprimento. 

Tenho a sorte de já ter entrado no coração desta gente. Sou tratado como o Ti Rui ou, melhor ainda, como irmão Rui. Nada melhor que me possam oferecer do que esta fraternidade voluntária.

A empatia com a natureza

Aqui nada se perde. O aproveitamento da natureza é feito com respeito pela mesma, que tudo nos dá. É mãe… Ervas, plantas, aves, animais pessoas tudo aqui convive numa perfeita harmonia e promiscuidade. Sem agressões, com mútuo respeito. Gostaria que assim fosse em todo o mundo. Não se estraga, não se abusa. Não se vive em opulência, serve-se o necessário, chega para toda a gente. 

Que bom saborear os pratos típicos tradicionais! Sedok (arroz com feijão fore), mostarda em planta, papaia, folha de abóbora, betal, areca, calai, etc… etc… que para além de alimentação se utilizam também com fins terapêuticos. A envolver este cenário há um jardim natural bem conhecido dos residentes pelos seus nomes e utilidades. 

Um verdadeiro hino ao Criador.

A vontade enorme de aprender português

Quase todos os dias me deparo com crianças que, servindo-se de um manual escolar, tentam fazer os trabalhos de casa seja onde for, até em cima da campa da avó Felismina Sobral. Posso confirmar que estas crianças têm avidez de saber. A ler, a cantar, sozinhas ou em grupo mas quase sempre em português. É por isso que não posso ficar indiferente. 

Com a guitarra do irmão Eustáquio tento ensinar canções através do melhor processo de aprendizagem: lendo em voz alta, mandando repetir, tocando a melodia, fazendo os gestos, acompanhando… O resultado está à vista. Estão gostando tanto que já dizem: “ quando irmão Rui for embora a gente vai chorar”. Derretem-me literalmente o coração…

Hoje de manhã, dia 8, fui encontrar a Adobe, uma das filhas do Eustáquio, quase deitada no chão de mosaico sobre um livro e a soletrar palavras em português. Não aguentei mais. Chamei o pai e a mãe e propus-lhes: ” Eu gostava de ser padrinho desta menina. Apoiar os seus estudos e seguir o seu desenvolvimento. Aceitam?” 

De imediato foi dado o consentimento. Um beijo e um abraço selaram este acordo. De agora em diante procuraremos o que for melhor para a Adobe.

Dia 10 (terça-feira): encontro informal com ex-combatentes da resistência

Quase podemos dizer que, desta gente que habita o bairro, não há ninguém que direta ou indiretamente não tenha estado envolvida com a invasão indonésia. A casa que habitamos da família Sobral foi totalmente destruída e arrasada. Hoje está reconstruída.

Igual sorte tiveram as casas em redor. De modo que é muito fácil encontrar testemunhos e antigos combatentes normalmente afetos à Fretilin. Todos têm a sua história mas destaco em particular alguns ex-prisioneiros que com coragem e inteligência aguentaram e escaparam (sobreviveram) às torturas infligidas.

Abeca Sobral, homem de estatura franzina que o vento pode levar, relata que na prisão era torturado com socos no estômago que, segundo ele,  só por milagre não o mataram.

Diz que à frente das grades da prisão passou alguém de cujas botas se desprendeu um pequeno papel (recorte de revista ou jornal que ainda hoje guarda consigo e que me foi mostrado) que habilmente conseguiu obter e onde estava (está) escrita uma oração a Santo Exposito. Diz Aveca que esta oração lhe deu a força necessária para resistir a tudo: “davam-me socos no estômago e nada sentia; parecia que estavam batendo em borracha”. 

Aveca está vivo, com a sua família no bairro Ailok laran, como a maioria dos irmãos e com um cargo de funcionário público na administração do Estado: chefe de serviços no registo predial de Dili.

Eustáquio (alcunha de João Moniz Sobral), outro dos irmão que nos alberga, é taxista e conta que ele, a mãe, os irmãos tiveram que fugir e se refugiar na montanha durante três anos. Caminhavam de noite e de dia escondiam-se. 

Numa certa noite uma tempestade de chuva se anunciava. A mãe e os filhos procuravam refúgio para se albergarem do mau tempo. Foi então que a mãe lhes diz: “vamos para aquela casa que ficaremos a salvo”. Aí descansaram até de manhã e, surpresa das surpresas, quando acordaram não viram casa nenhuma. A mãe, já falecida, e os irmãos ainda presentes testemunham que isso foi verdade. Milagre talvez, mesmo que os psicólogos e psicanalistas digam que foi alucinação coletiva. Ouvir para crer, é o que nos resta… 

No entanto quero salientar a convicção de quem passou por isso e relata o acontecimento. O final desta fuga não foi feliz. Acabaram por ser apanhados pelas forças indonésias que os reportaram para Dili. Já na sua terra (arredores de Dili) constataram com tristeza que a casa de família tinha sido completamente arrasada e queimada. O Eustáquio prometeu que iria recuperá-la, o que hoje em dia é jáum facto.

Felisberto é um dos vizinhos do casal Sobral, foi preso pelos indonésios que o levaram para uma prisão na Indonésia. Já na cela bem apertada teve de socorrer-se da sua imaginação para se poder livrar dos calabouços. Quem não quiser ler feche os olhos porque o que vem a seguir nem todos os estômagos suportam. O Felisberto teve uma ideia de merda. Foi ao balde para onde fazia as necessidades, e com as mãos cobriu a cabeça de merda. Uma, duas, três vezes…até que os responsáveis da prisão o consideraram maluco e o libertaram. Dizem os vizinhos que ele ficou mesmo afetado, não regula bem. Ainda agora o avistei no seu território.

José Sobral, já falecido, também foi preso pelos indonésios e,  segundo contam os irmãos, foi sujeito a uma série de perguntas em linguagem Bahasa da qual ele nada entendia. Pelo sim pelo não decidiu responder sempre sim com aceno de cabeça. Cada resposta, cada sessão de pancadaria.

Enfim estes e outros testemunhos são para entender o que esta gente sofreu por  quererem continuar a ser portugueses. O amor e a paixão por tudo o que se relaciona com Portugal é impressionante.

Dia 10 (terça feira) – Viagem em microleta até Dili rumo à escola de Taibessi

Como já relatei anteriormente decidi apadrinhar uma menina do casal Eustáquio/Aurora e seguir o seu percurso. Adobe está no 4º ano de escolaridade na Escola Farol.

Devido ao seu interesse pela língua portuguesa procuramos uma escola de referência onde Adobe possa aprender corretamente o português. Indicaram-nos a escola de Taibessi para onde nos dirigimos em microleta

Bem atendidos pelo porteiro timorense e pelas duas professoras que nas suas salas lecionavam , expusemos a situação que não foi logo resolvida porque a professora coordenadora –Teresa Nora – já não estava. Por contato telefónico foi marcado encontro no dia seguinte às 8.00 horas. Esta viagem teve a particularidade de entrar na microleta com uma cabeçada estrondosa que me ativou as ideias, e uma grande chuvada ao chegarmos a casa em que os chinelos de dedo no pé são a melhor solução para não molhar os sapatos.

Não posso deixar de registar o grande jogo de futebol a que assisti no largo da casa Sobral: seis miúdos do bairro, sem camisa, descalços e com os calções a cair jogavam  desalmadamente sob chuva intensa com dribles impressionantes, fintas e defesas corajosas, em que o único interesse é o jogo pelo jogo, sem árbitros, sem limites de campo, sem faltas. Um verdadeiro jogo de amigos e de convívio.

Dia 11 (quarta feira) – De novo rumo a Taibessi

Eram 7 horas da manhã e já estávamos prontos para o arranque. Foi então que avistei o Eustáquio com a sua mota e dois capacetes. Só então compreendi que um era destinado para mim. 

Nunca pensei correr a cidade de Dili em mota. Eustáquio a conduzir, eu atrás do condutor e a Adobe à frente lá fomos de novo a caminho de Taibessi. Muito bem recebidos pela professora Teresa Nora. que compreensivamente resolveu o problema. A Adobe vai ficar na Turma B do 4º ano e hoje mesmo fomos tratar do boletim de transferência á escola de Farol. Amanhã iremos de novo entregar os documentos solicitados para conclusão do processo.

Dia 12 (quinta feira)

Dito e feito! A Zinigia (Adobe) já está na Turma do 4º ano B. Foi logo integrada na aula de ginástica. Mais uma vez realço pela positiva a forma amável e interessada da Professora Teresa Nora, bem como do professor da Turma. Orgulho-me da classe profissional a que pertenço, embora na reforma.

Noite atribulada deste dia 12!

 A partir das 3 horas da manhã tive de sair da cama e ir para o exterior porque o amigo Gaspar (raios o partam!... ) resolveu pôr-se à conversa vom o mano Eustáquio. Mais parecia um monólogo que um diálogo pois só ele é que pregava. Irritado com as sua baixas frequências, tomei a decisão de me livrar desse ruído perturbador e fui sentar-me no canto mais sossegado do recinto. 

Dormi um pouco mas os mosquitos (melgas) começaram a zunir, pelo que me levantei de mansinho na intenção de regressar à minha tarimba. Azar dos azares, todas as portas estavam fechadas. Daqui até o sol raiar foi um pandemónio de mudança de cadeiras, de posições, de pensamentos de revolta e eu sei lá que coisas mais. Sei que não foi por mal, pois pensavam que eu já estaria dentro, mas lá que custou a passar a noite custou.

 Hoje mesmo vou tentar recuperar a energia pois este santo corpinho ficou todo amassado das andanças da noite.

Viagem em Táxi

Mais uma experiência de viagem, em táxi, do mano Eustáquio à escola de Taibessi.

Pensando que seria melhor do que o transporte de ontem, tenho de concluir que, apesar das confusões de trânsito, a viagem de mota foi mais segura e agradável. Estranhei que o carro andasse, mesmo a cair aos bocados, mas lá fomos ao nosso destino e chegamos sãos e salvos a casa.. 

Tantas dificuldades materiais que esta gente suporta, mas nada que os impeça de chegar onde querem chegar. Cada um tenta desenrascar-se como pode, mesmo que para isso seja necessário dar um murro no carro para que uma porta se abra.

Aqui é assim: oficinas e mecânicos pouco se vêem. Cada um tenta ser mecânico à sua conta. Por isso não é de admirar que os carros e as motas estejam tão mal tratados. O que importa é que andem, porque de comodidades ninguém esteja à espera. Se o motor não arranca empurra-se, pois mão de obra é coisa que aqui não falta. E viva o desenrascanço!...

Mais uma vítima (política) inocente

Hoje o Gaspar estava atónito a pensar no que o irmão (Eustáquio) lhe contara. Um amigo foi interrogado (talvez por alguém das secretas indonésias, pelos vistos realidade existente em Timor), se conhecia o Gaspar Sobral. Como negou que o conhecia,  levou tanta pancada que o deixaram cego. 

O Gaspar,  profundamente chocado e desconhecedor do acontecimento,  manifestou de imediato a vontade de conhecer esse senhor e de lhe agradecer ter-lhe salvo a pele. Parece que este episódio e esta procura pelo Gaspar remonta aos tempos da Expo Sevilha, onde Gaspar e mulher (Glória Sobral, que é ntaural do Sabugal) participaram ativamente na manifestação Pró Timor contra a Indonésia.

Postal de Timor

Gostaria de uma pincelada poder descrever o que por aqui se passa mas não é nada fácil prescindir de pormenores que constantemente nos atraem pela positiva ou pela negativa.

Dalguns já dei conta mas muitos mais afloram sempre que ouvimos alguém. Por exemplo,  o fosso existente entre a classe política e o povo. Sabiam que um assessorde ministro ganha 5.000 dólares enquanto que um contínuo do ministério no escalão máximo ganha 200$? 

As estruturas do Estado e da Igreja são as mais vistosas da cidadea classe média vive em bairros na periferia onde o desenvolvimento e as condições sociais deixam muito a desejar. Existe lixo espalhado por todo o lado e a sensibilidade para a preservação e limpeza do ambiente é coisa de futuro. Muito caminho há a fazer…

O trânsito é intenso e bastante desordenado. Mesmo assim condutores de toda a classe de veículos manifestam grande destreza e habilidade pois o número de acidentes é pouco relevante. Os produtos locais chegam a todo o lado, ainda que não haja carros e câmaras de frio que acondicionem os materiais. Todos os dias, a toda a hora, são músicas e reclames a anunciarem o que se vende: carnes, peixes, hortaliças, sementes, água, roupas, bugigangas, cada vendedor com o seu estilo e meio próprio. Mas o que mais me chamou a atenção, pelos sons que produziam, eram dois leitões pendurados em vara levada ao ombro, que se desfaziam em gemidos apelando a socorro. Dói de ver, mas é assim a cultura deste povo.

Hoje, dia 12, véspera da Senhora de Fátima, anunciam-se procissões noturnas por todo o lado. O sentimento religioso deste povo é grande e creio que sincero. Crianças e adultos todos trauteiam melodias portuguesas a Nossa senhora bem conhecidas. Nas casas, nos carros, nas mikroletas avistam-se imagens de santos e santas que nos fazem crer estar numa grande igreja. Não têm medo nem vergonha de mostrarem a sua fé e aquilo em que acreditam. Fé ou religião… Mas quem somos nós para criticar ou julgar a convicção dos outros? Respeito meus senhores!...

Dia 13, sexta feira – O reencontro com as malas e a visita a Tíbar

Como diz o ditado timorense “as coisas não se perdem; apenas se esquecem”. Finalmente chegaram as nossas malas. Por onde andaram ninguém sabe mas, logo que se avistaram, os donos até sorriram. Foi uma alegria enorme poder tocar-lhes, abri-las e confirmar que nada faltava, mesmo tendo sido abertas. A simpatia dos funcionários do aeroporto foi imensa, (claro que houve gorgeta!), tudo facilitando para que a nossa alegria fosse completa.

Do aeroporto dirigimo-nos para Tíbar, visitar a comunidade de Capuchinhos que aí está radicada. Outra enorme alegria ao poder abraçar o meu amigo Pe. António Pojeira,colegas de seminário e de fraternidades durante bastantes anos. Foi uma conversa para recordar vivências e episódios das nossas vidas em comum, reforçada pelas intervenções do caro amigo Pe. Fernando, provincial do capuchinhos em Portugal e pelas intervenções adequadas do amigo Gaspar, seu irmão chaufer do táxi e sobrinhos Anô e Rosana que tanto nos ajudaram na recuperação das maletas e outras démarches.

A chegada ao pátio foi como já se esperava: uma curiosidade enorme em ver e ouvir o acordeão e depressa se transformou no “pátio das cantigas”. Toda a criançada acudiu deimediato e as canções já aprendidas desfilaram pelas gargantas de todos os presentes:saia velhinha, as pombinhas da Cat’rina, o mar é lindo e mais modas de que esta gentemuito gosta. Deu bem para suar… Logo a seguir tanta chuva, tanta chuva de que não hámemória no meu cérebro.

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

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Conta solidária da Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste (ASTIL)

IBAN: PT50 0035 0702 000297617308 4

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Nota do editor:

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20531: Efemérides (317): "Cantar & pintar os reis" na aldeia serrana de Pereiro, Cadaval, 5-6 de janeiro de 2016, com o Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019)


Serra de Montejunto > Cadaval > Vilar > Pereiro > Noite de Reis, 5-6 janeiro de 2016 > Da esquerda para a direita, Eduardo Jorge, João Batista, Esmeralda, Alice, Luís Graça e Dina...


Numa da casas da aldeia de Pereiro, que abre as suas portas a todos os "reiseiros", sejam os de dentro ou os de  fora... E são muitos, alguns "reiseiros" foram-no pela primeira vez, como eu e a Alice (na foto, à direita, em segundo plano), os "condes da Lourinhã".

Do lado esquerdo, de boné, por causa do frio da noite, o nosso saudoso camarada Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019), o "visconde do Vimeiro",  um dos quatro camaradas, membros da Tabanca Grande, que perdemos em 2019, e cuja memória prometemos honrar e manter aqui viva:

Carlos Marques dos Santos (1943-2019)
Jorge Rosales (1939-2019)
Mário Gualter Pinto (1945-2019)

Na foto, ao lado do Eduardo, está o nosso amigo comum João Tomás Gomes Batista, o "barão de Óbidos" (, engenheiro técnico agrícola, safou-se da guerra colonial, mas estagiou em Angola, enquanto aluno da Escola de Regentes Agrícolas de Santarém; é natural do Bombarral, é empresário em Óbidos).


Faltava, na foto, o "marquês do Seixal",  Jaime Bonifácio Marques da Silva, nosso grã-tabanqueiro, que também alinhou nesta noitada, e que não ficou na foto por mero acaso; mas tínhamos a Dina, sua esposa, em primeiro plano, à direita, e a Esmeralda, sua irmã mais nova, ao centro.



O "duque do Cadaval", o Joaquim Pinto Carvalho, que é natural do Cadaval, fora também convidado (ou, melhor, "desafiado"), mas não pôde comparecer por razões de agenda. Os duques têm sempre agendas mais complicados do que os marquese, condes, viscondes e barões...

Foto: © Eduardo Jorge Ferreira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Recorde-se a origem desta história que é bonita: na véspera de partir para a Guiné, em 1973, o Eduardo (, voluntário na FAP, foi ex-alf mil, da polícia área, BA 12, Bissalanca, 1972/74,) descobriu aqui essa tradição da serra de Montejunto: os BRM (os "bons reis magos") cantam-se, há muito, em duas aldeias, Avenal e Pereiro, do concelho de Cadaval (e, ao que parece, também, do outro lado da serra de Montejunto, na Ota, em Alenquer). 

Foi à aldeia de Pereiro, pela primeira vez, na noite de Reis, na véspera de partir para a Guiné.  Ficou encantado pelo calor humano e a a hospitalidade daquela gente serrana. E prometeu lá voltar, no regresso a casa, são e salvo.

Nestas duas aldeias serranas  do lado ocidental das faldas de Montejunto, Pereiro e Avenal, em todas as casas onde há vivos, e que abram as suas portas aos "reiseiros",  são feitas pichagens (hoje com spray e com moldes), com  as seguintes inscrições BRM ["Bons Reis Magos"] + estrela de David + ano. E, claro, cantam-se os reis, e abrem-se as adegas.


Há uns anos atrás, o Eduardo (que vivia em A-dos-Cunhados, Torres Vedras) voltara a Pereiro, conforme o prometido,  para o "cantar & pintar os reis"... E no início de 2016 desafiou alguns amigos e camaradas da Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã, de que ele era o régulo. 

Confesso que foi das noites mais lindas que passámos juntos, em vida dele.



Encontrámo-nos no Vimeiro, ao fim da tarde, do dia 5 de janeiro de 2016 (*). Jantámos no Restaurante Residencial Braga, e dali partimos para a serra (menos de 25 km, cerca de meia hora de carro)... Ao chegar a Pereiro, concluímos logo que  fora uma grandessíssima asneira jantar no Vimeiro: em dia de Reis, no Pereiro, come-se e bebe-se toda noite, anda-se em bando, de casa em casa, que as portas estão escancaradas!... Tudo à borla!... Só tem que se comprar o copo de barro, que anda ao peito, com uma fita (, vd. foto acima,) para não se perder!... É uma noite de fraternidade e de festa!...

Infelizmente, este ano o Eduardo já não foi à aldeia do Pereira "cantar e pintar os reis", como o fazia religiosamente todos os anos, desde do regresso da Guiné, "são e salvo"...  Este ano ele já não foi "reiseiro"... A morte surpreendeu-o, estupidamente, na Clínica da CUF em Torres Vedras, na sequência de uma vulgar cirurgia ambulatória!... Em 23 de novembro de 2019... Que raiva!... 


Este ano pensei em ti, meu "reiseiro", e tive pena de não ter forças (e oportunidade) para te substituir na aldeia do Pereiro, pegar no teu "testemunho" e honrar a tua memória (**)... 


Fica esta dívida por saldar, mas vamos ver se para o ano, a "nobreza" toda do Oeste, ou pelo menos os teus amigos e camaradas mais chegados, os "duques do Cadaval" (o Joaquim Pinto de Carvalho e a Céu), o "marquês do Seixal" (o Jaime Sikva) os "condes da Lourinhã" (, eu e a Alice), o "barão de Óbidos" (o João Batista), e outros mais, "nobres" e "plebeus", que se queiram juntar, conseguem "arranjar agenda" para te poder homenagear, em Pereiro, na noite de 5 para 6 de janeiro de 2021...  


Para Ribamar, em 12 de outubro de 2020, segunda-feira da festa de N. Sra. de Monserrate, já temos lugar marcado!... E até os "reis de Nova Iorque", o dom João Crisóstomo e a dona Vilma Kracun, virão de propósito, das luzes da ribalta, para se juntar a nó
s!... E tu não vais faltar, meu querido amigo e camarada Eduardo!... E a tua São também vai lá estar, e pelo menos um dos teus filhos gémeos (, o que estiver mais perto, o João, que o Rui está em Inglaterra, não é isso ?!).


2. Homenagem ao "reiseiro" Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019)(*)



Em louvor dos "reiseiros" de Pereiro, Cadaval, Montejunto!


por Luís Graça


Que importa a noite fria de janeiro,
Se o desafio é ir a Montejunto,
Os Reis cantar na aldeia de Pereiro
E a amizade celebrar em conjunto?!

E a amizade celebrar em conjunto,
Homens e mulheres, velhos e moços,
E, se não houver salpicão nem presunto,
Come-se o chouriço, as pevides e os tremoços.

Come-se o chouriço, as pevides e os tremoços,
Que o Eduardo Jorge é o nosso guia,
Em voltando da Guiné com todos os ossos,
Prometeu que a Pereiro voltaria.

Prometeu que a Pereiro voltaria.
Lá nas faldas daquela bela serra,
As janeiras cantar com alegria,
Com mais alguns camaradas de guerra.

Com mais alguns camaradas de guerra,
Qual frio, qual carapuça, qual nevoeiro,
Viemos de longe cantar os reis nesta terra,
Que Portugal hoje chama-se Pereiro.

Que Portugal hoje chama-se Pereiro,
E tem da brisa atlântica um cheirinho,
Pode não haver, como no Norte, o fumeiro,
Mas há o branco, o tinto e o abafadinho.


Mas há o branco, o tinto e o abafadinho,
E quem canta e pinta os reis é reiseiro,
Nesta noite é rei, e não está sozinho,
O nosso Eduardo, grã-tabanqueiro.

Pereiro, Vilar, Cadaval
5-6 de janeiro de 2016. 
Revisto hoje, dia de Reis.


2. Excerto so sítio Câmara Municipal de Cadaval > Eventos >  Cultura > Cantar e Pintar de Reis



(...) O Cantar e Pintar de Reis é uma tradição originária das aldeias serranas do concelho do Cadaval (e também de Alenquer), que pretendia ser um voto para o novo ano, o qual, no calendário romano se inicia a 6 de janeiro.

Como manda a tradição, na madrugada de 5 de Janeiro (a partir das 22 h aprox.), um grupo munido de lanternas, pincéis e tintas voltará a percorrer as ruas das aldeias de Avenal e Pereiro, assinalando as casas com símbolos tradicionais, enquanto, atrás, segue uma multidão espontânea, reunindo comunidade e visitantes, cantando versos essencialmente alusivos aos reis Magos, bem como aos proprietários das casas que vão pintando. Em cada casa, far-se-á a habitual paragem para comer e beber. A festa durará, como sempre, até de madrugada e enquanto o público resistir.

É habitual no dia seguinte, realizar-se um “almoço de reis”, pelas respetivas coletividades locais.


Vale a pena participar, partilhando do espírito e do calor humano da população destas aldeias e contribuindo para manter viva esta tradição tão profundamente implantada no concelho do Cadaval. (...)


______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 6 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16925: Manuscrito(s) (Luís Graça) (108): Com o Eduardo Jorge Ferreira, o Jaime Bonifácio Marques da Silva e outros amigos da Tabanca do Oeste, cantando as janeiras em Pereiro, nas faldas da serra de Montejunto


(**) Último poste da série > 6 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20419: Efemérides (316): Foi há 50 anos que desembarquei em Bissau: fomos para a guerra, privilegiámos a paz! (António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15606: Inquérito 'on line' (27): "Em 2016 prometo enviar mais fotos e/ou textos para o blogue"... Sim, respondem cerca de 20 a 25 num total (magro) de 57 respondentes...


Guiné > Região de Cacheu > Susana > CCAV 3366 / BCAV 3846 (Susana, 1971/73) > Praia de Varela > Junho de 1971: toureando gado felupe.

[Foto do álbum de um dos nossos mais recentes grã-tabanqueiros, o Armando Costa, de seu nome completo Armando Silva Alvoeiro da Costa (ex-fur mil mec auto, CCAV 3366, Susana, 1971/73)].

Foto (e legenda): © Armando Costa (2016). Todos os direitos reservados.


A. INQUÉRITO DE OPINIÃO: "EM 2016 PROMETO ENVIAR MAIS FOTOS E/OU TEXTOS PARA O BLOGUE"


1. Sim, vou enviar mais fotos >  25 
(43,9%)

2. Sim, vou enviar mais textos >   20 
(35,1%)

3. Talvez mande alguma coisa > 16 
(28,1%)

4. Não, não tenciono mandar mais fotos >   3 
(5,3%)

5. Não, não tenciono mandar mais textos  > 1 
(1,7%)

6. Não sei > 7 
(12,3%)

Votos apurados: 57

Sondagem fechada,  domingo, 10, 18h44. O inquérito admitia mais do que uma resposta

B. Comentário dos editores:

A "colheita" não foi exceciocnal, mas em tempo de "vacas magras" [, vd foto acima,] não nos podemos sentir infelizes... Houve camaradas que responderam à nossa chamada e estão prontos para continuar a alimentar o blogue. Aqui ficam algumas mensagens que temos vindo a receber,

Obrigados a todos/as que nos responderam a mais este inquérito de opinião cujo objetivo principal é, afinal, manter o interesse e incentivar a participação dos nossos leitores.



José da Palma Vagues  > 
Vou mandar mais algumas fotos (14). 

José Inácio Leão Varela  > 
Boa noite Amigos e Camaradas: Tudo bem contigo? 
Eu, mais mazela menos mazela, vou andando bem.  
Claro que vou enviar mais coisas para o Blogue... 
talvez não muita coisa mas alguma por certo irá, 
até porque ainda tenho atravessado na mente um assunto 
que merece um pouco mais de aprofundamento; 
trata-se das circunstâncias em que faleceram os meus dois "Homens" 
na estrada de Tite.. 
pois faleceram ambos em combate traiçoeiro 
e não apenas "faleceram por lá" 
como a informação que relata o triste acontecimento parece deixar transparecer. 
Depois disso, não prometo mais assuntos de guerra pura 
mas por certo um ou outro acontecimento (mesmo humano) me ocorrerá.  
Bom Ano Novo de 2016, 
PS - Ah!.. já respondi ao Inquérito 


Armando Costa > 
Aqui segue um lote de fotos (49) das que possuo da Guiné 
(Bissau, Cumeré, Susana e Varela), do período de 1971 a 1973. 
Em próxima ocasião enviarei mais. A qualidade é a que se pode arranjar, 
resulta da digitalização de postais de fotos que tirei, os negativos perdi-lhes o rasto. 

Paulo Salgado  > 
Irei mandar mais fotos...com interesse. 
 que não sejam meramente pessoais...

António José Pereira da Costa 
Olá, Camaradas
É minha intenção enviar todas as minhas fotos da Guiné.
Vou enviá~las por assuntos:
Segue o primeiro - a Btr AA 3434 que defendia heroicamente (digo eu) a Base 12 
contra ataques aéreos e terrestres como aconteceu por duas vezes que me recorde.
Depois do guião e do emblema de peito um portefólio feito numa noite de exercício de defesa AA. 
O Malogrado TCor Brito voava num T-6 
e largou um ou dois flares - dispositivos para iluminação do campo de batalha) 
que ficavam a pairar à vertical da base e os artilheiros, PUMBA! fogo neles.
E até acertaram...
Era incipiente, mas era o que se podia arranjar. 
A defesa AA da Base tinha muitas limitações, como já se disse, 
mas se houvesse tempo era possível pôr tiros no ar 
que é o que faziam todas as AA da II GM que utilizavam os materiais de que dispúnhamos. 
O resto era rezar e esperar que Deus fosse português (e do Benfica de preferência...).
Caso contrário poderia ser uma tragédia. 
Seguem duas fotos do Cumeré, em MAI71. 
Ainda não estava completamente acabado, mas já fazia serviço 
e "embrulhou" na noite de 9 para 10UN71, 
quando foram atacados todos os quartéis à volta de Bissau 
e ao mesmo tempo 6 foguetões de 122 mm caíam à beira do "Pelicano",
 um restaurante bem agradável de que todos nos lembramos.
Voltarei à antena com mais fotos.

_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 8 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15594: Inquérito 'on line' (26): "Em 2016 prometo enviar mais fotos e/ou textos para o blogue"... Amigo/a, camarada, até domingo, às 18h44, promete que sim... Precisamos DESESPERADAMENTE de mais fotos e textos em 2016...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15563: Manuscrito(s) (Luís Graça) (73): Vamos cantar as janeiras: "O Novo Ano é sempre assim, /Traz sonhos e inquietações, / Em português ou em mandarim, / Aguardaremos as instruções."



"Por detrás do Marão, mandam os que lá estão"... Tabanca de Candoz, 27 de dezembro de 2015.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados. 


1. Desde pelo menos 1999 que componho as quadras populares que animam as festas de família (nascimentos, batizados, primeiras comunhões, casamentos, bodas de prata e ouro, reuniões anuais e até enterros...), bem como outros eventos, incluindo as festas de Natal, Ano Novo e Páscoa... São já muitas largas centenas, se não milhares, de quadras, ao gosto popular, com rigorosos versos de sete sílabas métricas, a que se juntam as "janeiras" que desde 2006, se não erro, escrevo para se dizer ou cantar na ENSP/NOVA, a minha escola, na festa de Natal... (Tudo começou por umaq brincadeira que, hoje, é quase uma "obrigação").

Lembrei-me de fazer aqui, para os meus amigos e camaradas da Guiné, que apreciam este singelo género literário, uma pequena seleção de algumas das quadras, ditas à mesa da consoada,  no Norte, onde costumo passar o Natal. Tenho sempre a preocupação de escrever um ou mais quadras personalizadas, dirigidas a cada um dos convivas, das crianças aos adultos...

Mas também, há quadras mais gerais, brejeiras, jocosas e satíricas, na velha tradição bem portuguesa das cantigas de escárnio e maldizer, alusivas ao estado do país e da governação... Nesta amostra só inclui, por razões óbvias, as quadras não personalizadas... São uma forma de homenagear e dar continuidade à tradição popular, tão portuguesa e sobretudo nortenha e beirã, de "cantar as janeiras" (em geral, no período que vai do 1º dia do ano até ao dia de Reis).

É também um momento de partilha dos nossos melhores sentimentos e valores como pessoas, famílias, comunidades e povo... Momento de gratidão, de alegria e de esperança. Momento também de saudade: nos nossos tempos de Guiné, recordo-me de cantarolarmos, com acompanhamento à viola, no bar de sargentos de Bambadinca, o Natal dos Simples, do Zeca Afonso (do disco "Cantares de Andarilho", 1968).

Aproveito, para em nome pessoal, e dos demais editores e colaboradores do blogue, desejar a todos/as os/as /nossos/as leitores/as e autores/as,  que tenham passado um bom momento de fim de ano, com bons augúrios para o ano (novo, dizem ) que aí vem (e que já chegou hoje)...

É uma ilusão circadiana, essa do ano novo, mas os seres humanos precisam disso: somos, como todos os seres vivos, "heliotrópicos" e "heliocêntricos", e na realidade a nossa vida (biológica e social) acaba por funcionar em regime binário, em função do solstício do inverno e do solstício do verão...  Por agora é tempo de "carregar baterias"... Que o 2016 não defraude as nossas melhores expectativas... E que Deus, Alá e os bons irãs nos protejam. LG


Vamos cantar as janeiras...

por Luís Graça


Manda a nossa tradição
Que se cantem as janeiras,
À patroa e ao patrão,
Gente boa, com maneiras.

Mais os seus convidados,
Companheiras e companheiros,
À mesa bem instalados,
Com fama de lambareiros.

Mesa farta, caldo quente,
Na ceia de fim de ano,
É sinal de boa gente,
Bato à porta, não m’ engano.

É entre a gente do norte
Que se bebe o verde vinho,
Gente de altivo porte
P’ra quem amigo é vizinho.

Saibam todos que isto não é convento,
Nem a patroa abadessa,
No Natal estica o orçamento,
E põe alegria na travessa.

patrão,  esse, dá de frosques,
Para não ser mais roubado,
Foge do Robim dos Bosques,
E evita o Zé do Telhado.

Nesta noite de encantar,
Cantemos, e com a voz quente.
Mesmo c’o  a crise a durar,
Ninguém chora, minha gente.

No Natal dos sem abrigo,
Não há de faltar cá nada,
Bem dispenso o formigo,
Mas como um rabanada.
 
Pode a saúde estar em cacos,
Acabar-se o alcatrão,
A rua ser só  buracos,
Mas faltar esta noite, não!

O Natal não se compadece
Das tristezas e mazelas,
Quem é vivo sempre aparece,
Todos juntos, eles e elas.

Saúde agora é saudinha,
Diz o rei mago Gaspar,
Medicamento é mezinha,
Sopa do pobre, jantar.

Tristezas não pagam dívidas,
As tuas e as da Nação,
Muito menos faces lívidas
Ficam bem aos que aqui estão.

Mandam-me ser responsável
Em matéria de consumo,
Mas é pouco aceitável
Esta mesa só ter sumo.

Manda a troika comer pouco
E, ainda menos, beber,
O Pai Natal está taralhouco
Vão-se todos mas é f…

Diz o povo, que é otimista,
“A cada dia Deus m’lhora”,
Eu, que sou racionalista,
Não me fui ainda embora.

Comam e bebam sem IVA,
Diz o dono, com todo o gosto,
Que ele tem escrita criativa,
Seu Natal não paga imposto.

Lá sem guita não há… broas,
Mas ó da casa, ó patrão,
Tantas coisas e tão boas,
Vão p’ró rol da gratidão.

E a ter que pedir, neste ano,
Algo à troika e ao Pai Natal,
É que volte a ser soberano
O nosso querido Portugal.

Olha a bela rabanada,
As pencas e o bacalhau,
Ceia farta, bem regada,
Nesta noite sem igual.

Nem faltou o bacalhau,
Que já foi mais fiel amigo,
Anda com cara de pau,
Estando agora em perigo.

Estando agora em perigo,
Nas mãos dos noruegueses,
Quiçá até inimigo,
À mesa dos portugueses.

Boas festas, patrão justo,
Nesta noite de cegarrega,
Não quero saber o custo
Do bacalhau da Noruega!

Os nossos anfitriões
Têm direito a gabadela,
Dos pequenos aos matulões
Todos vêm comer... na gamela.

 Viva a fada deste lar,
Que dá o melhor que tem,
É por muito nos amar
Que a gente de longe vem.

O patrão com o acordeão,
O outro com o violino,
Dispenso o rabecão,
Mas não o meu vinho fino.
 
Só nos resta o triste fado,
Feito o balanço da Nação
Que penhorou o seu Estado,
Do hospital à prisão.

Chamam-lhe a dama de ferro,
À ministra das finanças,
Não deixemos que vá ao enterro
Das nossas melhores esp’ranças.

Boas festas, senhores doutores!
Se aí vem o fim do mundo,
Pra quê quererem ser prof'ssores
Se isto vai tudo ao fundo ?

Pandemias e pandemónios
Vão e vêm com o  inverno
Entre anjos e demónios,
Lá escaparemos ao inferno.

Boas festas, senhor engenheiro,
Um bom ano p’ra sua empresa,
Que ganhe muito dinheiro,
Tenha farta e rica mesa.

Nada mais belo no mundo,
Que as nossas criancinhas,
Seus sorrisos calam fundo,
São elas as melhores prendinhas.

Vamos pôr o melhor sorriso,
E ajudar este mundo,
Que precisa de mais siso,
P’ra gente não ir... ao fundo.

Há no céu uma estrelinha,
Que a todos alumia,
Uma é tua, outra é minha,
É a da vida e da al'gria.

Pois que brilhe em esplendor
E em charme, este hotel,
Onde a comida é amor
E Natal se diz… Nöel.

Vamos cantar as janeiras
A todos os que aqui estão,
Gente fina e sem peneiras,
Fizeram um belo serão.

Parabéns às cozinheiras
Deste tão lauto jantar,
Já não digo mais asneiras,
Vou à rua apanhar ar.

Estão as janeiras cumpridas,
Obrigado, ó patrão,
Estavam boas as comidas
P’ro ano virei ou não.

Boas festas, boas festas,
Boas festas viemos dar,
C’o a promessa, mais que certa,
De p’ro ano cá voltar.

O Novo Ano é sempre assim,
Traz sonhos e inquietações,
Em português ou em mandarim,
Aguardaremos as instruções.

Sintam-se todos contemplados,
Nestas letras sem maldade,
Nelas vão embrulhados
Os melhores votos de fraternidade.


Natal e Ano Novo, 1999-2015 
(Seleção de quadras de LG)
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Nota do editor: