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quinta-feira, 20 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25664: S(C)em Comentários (40): O Cherno Baldé que hoje faz anos, entrou para o nosso blogue em 18/6/2009 e já nos contou aqui como, "djubi", "rafeiro", tirou a "recruta" em Fajonquito e, no meio da tropa, da guerra, e do pós-guerra, se fez depois homem, em Bafatá, em Bissau, em Kiev...



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Fajonquito > c. 1975 > "A nossa equipa de futebol de salão no quartel de Fajonquito entre 1974-1975, podendo-se ver em pé: Mamudo, Algássimo e o professor António Tavares; sentados: eu (Cherno) e Aruna (filho do antigo padeiro) à minha esquerda" 

Foto (e legenda): © Cherno Baldé  (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Excerto de mensagem do Cherno Baldé (que hoje faz anos), com data de 18 de junho de 2009 (o dia em que passou a fazer parte do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, não como combatente mas como guineense, que em criança cresceu com a guerra e com a tropa... e depois se fez homem, em Bafatá, em Bissau, em Kiev...).(*)


(...) Eu passei boa parte da minha infância entre a tropa que passou por Fajonquito (...) e tive muitos amigos que, na verdade, logo esquecia para me concentrar nos recém-chegados.

Eu era desses raros pequenos rafeiros do quartel impossíveis de controlar e muito menos de afastar. Quando se fechavam os portões do quartel,  entrava, mesmo assim, por baixo do arame farpado. O dia e a noite faziam pouca diferença. Apanhava porrada de um ou outro quando deambulava pelo quartel, mas também, dava alguns trocos com emboscadas e pedradas a noite.

A língua ? Isso importava menos. Quando o meu amigo, o Dias, me perguntava "Oh Chiiico,  já limpaste as minhas botas?", eu respondia de imediato "Sim,  senhor, já limpaste" e depois ?"...

Nós nos compreendiamos muito bem e isso é que importava. Foi esta vida de cão de quartel no meio de jovens soldados endiabrados, acossados pela ansiedade do regresso a casa e o medo da morte, que me moldou a vida e me preparou para enfrentar o mundo.

O fim da guerra foi para mim uma libertação mas também um choque terrível de que só tomei consciência passados os primeiros seis meses após a saída do último soldado português. Durante algum tempo ainda tudo continuou na mesma, havia a batata, o bacalhau,  já com muito mais arroz.

O maldito arroz era, cada dia, mais abundante nos pratos, mas o início da minha miséria começou mesmo foi quando a carne de macaco substituiu tudo o resto. Então, como bom rafeiro que era, olhei para o céu duas ou três vezes seguidas, como fazia sempre que estava em apuros, e compreendi que tinha chegado a hora da largada para outros destinos. 

Caminhei para casa e, quando cheguei, enfrentei os meus pais olhos nos olhos e garanti-lhes que daquele dia em frente nunca mais faltaria às aulas da mesma forma que, também, não voltaria a pisar o quartel transformado em comedouro de macacos. (...) (**)
(**) Último poste da série > 7 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25615: S(C)em Comentários (39): E as "cunhas" (o factor C) eram como as bruxas: "yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay"