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terça-feira, 1 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22247: 17º aniversário do nosso blogue (11): O nosso querido mês de férias: como ganhei o "Prémio Governador da Guiné" e tive direito a uma viagem, atribulada, no "Se-Cais-Morres" (Sky Master), da FAP, em 1964, até Lisboa, via aeroporto do Sal, Cabo Verde (Alcídio Marinho, 1940-2021)


Douglas C54 Skymaster, da Força Aérea dos EUA. Desenvolvido pela Douglas Aircraft Company, teve o seu primeiro voo em 1938, Produziram-se cerca de 1200 unidades entre 1942 e 1947. Deixou de estar operacional em 1975. [A nossa FAP recebeu 17 aviões, C-5r4 e EDC Skymaster entre 1947 e 1974, segundo informação de António Luís, um dos editores da página Pássaro de Ferro . Crónica da Aviação, onde também colaboração o nosso grã-tabanqueiro José Matos]

Foto: Cortesia de Wikipedia.


1. Há uns anos atrás éramos todos mais novos e tínhamos histórias para contar... Do tempo em que fizemos a guerra pensando em, com ela, ganhar a paz... na Guiné, entre 1961 e 1974... 

 Hoje estamos todos (ou quase todos) a lamber as feridas da guerra e da vida... O tempo é inexorável e não perdoa. O nosso blogue fez,  em 23/4/2021,  dezassete anos de vida... O que é muito, na Net, nas redes sociais... E é muito na vida de um homem, neste pobre planeta que queremos deixar saudável e seguro para os nossos netos e bisnetos...

partir daqui, o nosso blogue está a prazo (, aliás, sempre esteve, como cada um de nós): um dia destes morre de ataque cardíaco, ou de AVC, ou de Civid-19,  ou de Alzheimer ou de cancro no pâncreas...  Ou passado a ferro na passagem de peões. Os blogues também morrem, tal como os que o fazem e os leem... É triste mas é verdade... 

E tudo isto vem a propósito do nosso saudoso camarada Alcídio Marinho que foi para a cova sem contar (por escrito) tudo o que viu,  viveu e sofreu  na Guiné, como fur mil da CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65). 

Em sua homenagem (e em louvor do nosso blogue, que está a  comemorar em 2021 dezassete anos de vida), voltamos a reproduzir uma deliciosa história do Alcídio Marinho, publicada na série "O nosso querido mês de férias" (*)


2.  O  nosso querido mês de férias  > Como ganhei o "Prémio Governador da Guiné" e tive direito a uma viagem, atribulada, no "Se-Cais-Morres" (Sky Master), da FAP, em 1964, até Lisboa, via aeroporto do Sal, Cabo Verde 

por Abílio Marinho (1940-2021)

A minha vinda de férias à metrópole teve uma estória curiosa.

Até meio do ano 1964, creio que ninguém era autorizado a vir de férias à Metropole, quem queria gozar férias e tinha direito, ia para Bissau.

Ora, como o 3.º pelotão da CCAÇ 412 fora destacado para o Enxalé, de 28 de outubro de 1963 a 25 de janeiro de 1964, então comecei a montar armadilhas todos os dias, por carolice e necessidade, e,  como não tinha curso, fui agraciado com um louvor pelo Comandante da Companhia, o  Capitão Braga (de alcunha o "Lambreta",  pois com os lábios fazia um barulho que se assemelhava a uma lambreta) [de seu nome completo, Manuel Joaquim Gonçalves Braga, cap inf].

Quando já estava em Cantacunda (de junho de 1964 a fevereiro de 1965), perto de Fajonquito, durante o mês de outubro, tivemos conhecimento que o sr. Brigadeiro Schulz [, um ano depois promovido a general,] , havia instituído um prémio, o "Prémio Governador da Guiné", para agraciar os combatentes que se notabilizasse na efectivação de baixas ao inimigo ou outros feitos em combate.

Qual foi o meu espanto, quando recebi a informação do sr. Capitão Braga que me havia sido atribuído o referido prémio e que podia ir gozar um mês de férias onde desejasse. Assim marquei a minha vinda a casa.

Como já não se passava na estrada, Bafatá - Banjara - Mansabá - Mansoa - Bissau, tive que ir para Bissau de barco. À época os barcos iam até ao Capé e Contuboel. Tomei o barco em Bafatá e rumei a Bissau, no dia 30 de outubro de 1964.

Embarquei em 31 de outubro de 1964, em Bissalanca, num avião da Força Aérea (Dakota-Skymaster ou "Se-Cais-Morres"), rumo ao Sal, Cabo Verde, com passagem pelo aeroporto militar dos Gambos, nas Canárias,  mas quando chegámos a Lisboa, estava uma tempestade enormíssima, pois que todos os aeroportos da Península Ibérica estavam encerrados. Quando estava a amanhecer,  olhamos pelas janelas e só víamos mar e depois depois uma ilha, era a ilha do Sal, outra vez.

No avião vinha, no meio, um motor de um F-86 (!)  e um paraquedista,  de maca, acompanhado de uma enfermeira,  e outros militares.

Desembarcámos e fomos comer às instalações da CCaç 413 que havia ido connosco para
a Guiné, com destino a Mansoa, tendo a meio da comissão sido deslocada para a ilha do Sal, Cabo Verde.

Aí comemos lagosta a todas as refeições, eles já enjoavam a lagosta. Éramos todos conhecidos pois como nós também pertenciam ao BC 10, Chaves,  e os sargentos éramos todos do mesmo curso, o de 1961.

O Aeroporto do Sal  só tinha uma pista e no final da mesma havia a torre de controle.

Na tarde desse dia, tornamos a embarcar e,  quando arrancámos para levantar, ouvimos um estrondo, provocado pela da rebentação de um pneu e só parámos a cerca de 5 ou 6 metros da torre.

Como não havia pneu suplente,  ficámos três dias no Sal até chegar um pneu, no avião da TAP. No dia 3 de novembro de 1964, reembarcámos para Lisboa onde chegamos no dia 4.

Passei essas Férias em Amarante, Chaves, Verin (Espanha), (onde tinha uma namorada espanhola) e Porto. 

Passados os trinta dias apresentei-me nos Adidos, em Lisboa, mas não havia alojamento, fui instalar-me numa Pensão na Rua Rodrigo da Fonseca, a aguardar passagem aérea para Bissau, o que veio a suceder só no dia 6 de dezembro de 1963. 

Chegado a Bissau apanhei um barco civil, para Bafatá, seguindo de novo até Cantacunda.

Nas Canárias comprei um relógio por 500 escudos e uma máquina fotográfica Konica também por 500 escudos.

Do outro pessoal da CCAÇ 412,  apenas um alferes veio de férias, no entanto, três alferes tiveram as esposas em Bafatá

Alcidio Marinho
Porto, 22 de setembro de 2015 às 13:18

_______________

Notas do editor:


Restantes postes da série:

7 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15211: O nosso querido mês de férias (17): Vim a casa uma vez, em agosto de 1965, na TAP, num Super Constellation, como simples passageiro... e estava longe de imaginar que cinco anos depois estaria aos comandos de um Caravelle, como piloto da mesma, saudosa, companhia... (João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66)

6 de outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15209: O nosso querido mês de férias (16): Férias em Bissau para tirar a carta de condução de pesados (Abel Santos)


6 de Outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15205: O nosso querido mês de férias (15): em agosto de 1971, entre a praia da Nazaré e as tertúlias de Vila Franca de Xira... enquanto em Lisboa, tudo na mesma, isto é, a vida corria... (Hélder Sousa)

5 de outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15204: O nosso querido mês de férias (14): À procura de aconchego, e de amor temperado com algumas paródias, que um mês, naquele tempo, passava muito depressa (José Manuel Matos Dinis)

1 de outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15185: O nosso querido mês de férias (13): Os soldados não se podiam dar o luxo de ter férias (José Manuel Cancela, ex-sold ap metr, CCAÇ 2382, 1968/70) / Proporcionei a alguns soldados do meu grupo de combate umas modestas férias em Bolama (António Murta, ex-alf mil inf., 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513, 1973/74)

30 de setembro de 2015 > Guiné 63/73 - P15183: O nosso querido mês de férias (12): Era para entrar de Licença em Agosto, mas fui vítima de uma injustiça, acabando por a gozar de 22 de Setembro a 26 de Outubro (Mário Vitorino Gaspar)


27 de setembro de 2015 >Guiné 63/74 - P15165: O nosso querido mês de férias (7): Entre 15 de Fevereiro e 21 de Março de 1971, a ilusão de estar longe da guerra (Carlos Vinhal)

27 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15164: O nosso querido mês de férias (6): Vim duas vezes a casa... Da primeira vez, regressei a 18/12/1968, para passar obrigatoriamente o Natal em Bambadinca... Apanhei uma boleia no DO 27 do meu amigo Honório (Ismael Augusto, ex-alf mil, CCS/BCAÇ 2852, 1968/70)

27 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15163: O nosso querido mês de férias (5): vim uma vez a casa, a Vila Nogueira de Azeitão, em 18/9/1965, mas o Super Constellation da TAP, por avaria, só partiu a 22... A viagem custou-me 6160$70 (António Bastos, ex-1º cabo, Pel Caç 953, Cacheu, Bissau, Farim, Canjambari e Jumbembem,

26 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15160: O nosso querido mês de férias (4): Vim duas vezes à metrópole: na 2ª vez, beneficiei de mais 5 dias de licença, por ter tido um louvor em combate... (E, mais tarde, beneficiei da isenção do pagamento de propinas dos meus filhos quando entraram na universidade) [José Augusto Miranda Ribeiro, ex-fur mil da CART 566 (Cabo Verde, Ilha do Sal, 1963/64, e Guiné, Olossato, 1964/65)]

26 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15159: O nosso querido mês de férias (3): 10 de março de 1970: eu a partir e o ministro do ultramar, Silva Cunha, a chegar, no mesmo Boeing 707, da TAP

22 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15143: O nosso querido mês de férias (2): os testemunhos de Henrique Cerqueira ("Em Bissau, dormia com o bilhete dentro da fronha do travesseiro"), José Carlos Gabriel ("A minha filha, de 5 meses, teve um choque muito grande ao ver-me no aeroporto, de bigode") e João Silva ("Foi ótimo vir no inverno, a saudade era do frio")

22 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15138: O nosso querido mês de férias (1): Maio de 1969: nessa altura o bilhete de ida e volta, na TAP, custava 4 mil escudos (Paulo Raposo, ex-alf mil Inf, MA, CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852, Galomaro e Dulombi, 1968/70)

(**) 11 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22192: 17º aniversário do nosso blogue (10): por que é que das "lavadeiras" ao "sexo em tempo de guerra" vai um passo ? (Carlos Arnaut / Cherno Baldé / Luís Graça)

terça-feira, 11 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22192: 17º aniversário do nosso blogue (10): por que é que das "lavadeiras" ao "sexo em tempo de guerra" vai um passo ? (Carlos Arnaut / Cherno Baldé / Luís Graça)


Baião > Ancede > Mosteiro de Santo André de Ancede > Mosteiro, masculino, cuja origem remonta aos primórdios da nacionalidade,,, Vale a pena uma visita,,, Está em restauro, com projeto de Siza Vieira... São quase mil anos de história que nos contemplam e nos confrontam ... Faz parte também da "rota do românico" (Vale do Tâmega)...

Mas tem também uma capela, octognal, do séc. XVIII, chamada do "bom despacho", que merece uma visita especialmemte guiada... Foi lá que descobrimos  a 'anjinha de Ancede', que parece passar despercebida aos visitantes e aos guias locais (*)... Uma delícia, essa e todas as demais peças da arte barroca popular, sob a forma de cenas de teatro, relativas aos mistériso da vida de Cristo... com destaque para a cena da circuncisão do menino Jesus...  Questão do foro teológica com muitos século, entre os cristãos, é a a discussão (por vezes acolarada, apaixonada e dramática) do "sexo dos anjos": são meninos ou meninas, ou não têm sexo ? Se são meninas, faz-se a "infibulação" (ou cobre-se com um véu para "tapar as vergonhas", os "pipis", ou o "pito", como se diz no Norte em bom calão); se são meninos... "cortam-se... as pilinhas", como aconteceu há décadas na igreja da frequesia de Paredes de Viadores, Marco de Canaveses (!)... (A arte islâmica tem  uma vantagem: não permite a figuração, seja humana, seja animal...)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao poste P22173 (**)

(i) Carlos Arnaut  
 
Caro Luís: curiosa a questão das lavadeiras e o imaginário da contratação de "só roupa" ou "corpo todo".

Por tudo o que fui ouvindo ao longo da comissão, embora a amostra ao inquérito seja pequena, acredito que as percentagens encontradas estejam muito próximas da verdade . Acredito ainda que um contrato que englobasse a cláusula "corpo todo",  fosse mais fácil de conseguir com umas etnias do que com outras. 

Refiro-me concretamente às bajudas fulas, a quem, pelas razões conhecidas,  o sexo pouco ou nada dizia, enquanto que as balantas, por exemplo, tinham nessa questão toda uma outra postura. Mais uma variável, a étnica, para aprofundamento do estudo. 

A minha lavadeira, ao longo de 21 meses, desde que passei a comandar o 16º Pel Art, foi sempre a mesma, mulher do meu municiador Bona Baldé já referido anteriormente, e que sempre tratou da minha roupa com um desvelo sem par. (...)

6 de maio de 2021 às 12:23


(ii) Cherno Baldé

 Caro Arnaut,  interessante o teu ponto de vista sobre a variável étnica, mas não no sentido em que tu referes: "Refiro-me concretamente às bajudas fulas, a quem pelas razões conhecidas o sexo pouco ou nada dizia, enquanto que as balantas, por exemplo, tinham nessa questão toda uma outra postura". 

Na Guiné do periodo da guerra colonial ou na Guiné-Bissau actual, não existiu antes e não existe hoje nenhuma etnia em relação a qual "o sexo pouco ou nada dizia", isto não existia em África. É um fenomeno que surgiu com o período colonial e se acentuou com as independências e o alargamento da globalizaçao. 

Sociologicamente falando, o sexo sempre foi e ainda é um importante factor sócio-cultural que as sociedades, de uma forma ou outra, tentaram e tentam regular ou controlar de forma a influenciar o comportamento da reprodução e sustentabilidade das mesmas, assim como manter um nível aceitável de saúde materno-infantil. 

Em África, muitas vezes, o sexo estava ligado não só à procriação dos filhos, mas também à dinâmica da produção económica,  ou seja, na orientação dos mais jovens e mais fortes em relação ao factor trabalho,  etc. De modo que, e aí concordo, pode-se estudar o comportamento das mulheres usando as variáveis étnica e, talvez religiosa, no sentido de saber que factores podiam entrar nesse jogo, assim podemos questionar: 

(i) Quais eram os grupos populacionais ou étnicos maioritários no território em geral ou em determinadas regiões? 

(ii) Quais eram os grupos mais próximos em termos de aliança estratégica com os Portugueses e que mais facilmente podiam interagir com os soldados metropolitanos? 

(iii) Em que grupos populacionais os casos dos "filhos de vento" foram mais numerosos ?

(iv)  Quais eram as confissõs religiosas desses grupos populacionais e em que medida o factor religião facilitava ou dificultava a interaç~zo com os militares portugueses? 

A análise dos outros aspectos sociais como a maior ou menor dependência das mulheres e/ou a liberdade sexual entre outros, ja são mais difíceis de avaliar. Por exemplo, é geralmente consensual a opinião segundo a qual a mulher Bijagó é a mais livre e autónoma e, logo a seguir, vem a mulher Balanta e Manjaca. 

De todas, as mulheres muçulmanas são consideradas as menos livres e com menor grau de autonomia de decisão, aparecendo em primeiro lugar as mulheres Fulas, seguidas das Mandingas e outras da mesma religião. Todavia, dos casos de filhos vivos de portugueses com nativas que conheci, as mulheres muçulmanas (sobretudo fulas) aparecem em primeiro lugar, logo seguidas das Balantas (animistas) e em terceiro lugar vem as Manjacas (animistas). 

Mas, eu não me coloco no lugar de um estudioso desta matéria, pois eu, sendo nacional e pertencente a uma região e a um certo grupo étnico,  não posso ter o distanciamento necessário para o efeito. Sá queria demonstrar, se necessário fosse, que a variável étnica pode ajudar, mas não sera suficiente, de per si, para explicar toda a dimensão do fenómeno em discussão.  (...)

6 de maio de 2021 às 14:22


(iii) Luís Graça

Infelizmente, o tema ("lavadeiras", que já tem mais de 4 dezenas de referências no blogue...) tende a cruzar-se (e a sobrepor-se) com outros como bajudas, sexo, etnias, mutilação genital feminina, filhos do vento... mas também religião, etc. É um terreno um pouco "minado". E, como tal, tem que ser tratado com serenidade, informação, conhecimento, e sobretudo sem pré-conceitos.

Talvez o Carlos Arnaut possa explicitar melhor o que escreveu: "Refiro-me concretamente às bajudas fulas, a quem, pelas razões conhecidas, o sexo pouco ou nada dizia, enquanto que as balantas, por exemplo, tinham nessa questão toda uma outra postura."

O simples convívio, na Guiné, há 50/60 anos, com populações desta ou daquela etnia, e nomeadamente com a população feminina, não nos autoriza (, a menos que tenhamos feito estudos aprofundados sobre o assunto, ou tenhamos um grande conhecimento da literatura especializada...) a fazer comparações entre grupos e sobretudo a tirar conclusões numa matéria tão complexa e sensível como a sexualidade humana...

Julgq que o Carlos Arnaut quando diz que, naquela época, "o sexo pouco ou nada dizia" às raparigas e às mulheres fulas, "pelas razões conhecidas", estava a subentender o facto, estatisticamente fundamentado, da generalização da MGF (Mutilação Genital Feminina, para usar uma expressão adotada pela OMS - Organização Mundial de Saúde, e outras instâncias internacionais), entre as mulheres de religião muçulmana (e nomeadamente fulas).

Na época, poucos de nós tinha informação sobre este problema (que é antes de mais de saúde pública tanto quanto o é de direitos humanos). Nem as autoridades portuguesas nem o PAIGC se preocupavam com a tragédia imensa que representava então a MGF (,ou, de maneira mais grosseira, o "fanado" feminino, que também era e é um rito de passagem, um ritual de iniciação, com profundo significado sociocultural).

Em resumo, as fulas são (ou eram) "excisadas", as balantas não... Sabe-se que não é um problema de religião, opondo muçulmanas contra cristãs e animistas... É um problema mais vasto, de natureza socioantropológica, com raízes históricas complexas.

Que a MGF tem imnplicações, não só na saúde sexual e reprodutiva das mulheres, mas também na vivência da plena sexualidade (de mulheres e homens), isso tem... Mas eu seria incapaz de fazer comparações neste domínio (da sexualidade humana) baseado no factor étnico... E, por formação sociológica, não o faria...

É, de resto, um domínio onde há uma imensão de mitos e de preconceitos...ainda hoje, em pleno séc. XXI.

10 de maio de 2021 às 22:50
__________

Notas do editor:

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22190: 17º aniversário do nosso blogue (8): O relim não é um poema... A (des)propósito da Op Tigre Vadio, 30-mar / 1 abr 1970 (Luís Graça)


Extractos de : História da Unidade: BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Bambadinca: Batalhão de Caçadores 2852. 1970. Cap. II. 145-146.

Op Tigre Vadio

Iniciada em 30 [de Março de 1970], às 7h00, com a duração de 2 dias, para fazer um patrulhamento conjugado com emboscadas e batida na região do Cuor/Madina.

Tomaram parte na operação os seguintes destacamentos:

Dest A: CCAÇ 2636 a 2 Gr Com, reforçada pelo Pel Caç Nat 52
Dest B: CCAÇ 12 a 3 Gr Comb
Dest C: Pel Caç Nat 54 + 1 Esq Mort 81 / Pel Mort 2106

Relim:

Op Tigre Vadio terminou 1 [de Abril], 13h00. Regresso quartéis terminado 1, 16h30. Aproximação dificultada partir 31, 8h00 queimada linear feita IN. 31, 14h00, detectado acampamento região Belel (Mambonco 7I4-97) oito moranças com colmo sete adobo.

IN reagiu PPSH e RGPG-2 cerca de 2 minutos, sofrendo 15 (quinze) mortos confirmados, vestígios sangue 10 (dez) feridos graves. Verificado após incêndio acampamento 6 PPSH queimadas.

Destruídos meios vida. NT sofreram 2 feridos ligeiros. Batida Mort 81 mata (Mambonco 8H5- 17) ouvidos muitos gritos de dor. Fuga IN direcção (Mambonco 8G6 -32).

31 [de Março], 17h00 encontrada cadeira vigia e 2 granadas RPG-2 (Bambadinca 1A8-95). Gr[upo] IN estimado 6/8 elementos emboscou NT 2 LGFog, RPG-2 e PPSH cerca de 5 minutos.

IN fugiu reacção NT impossibilitadas perseguição virtude forte ataque abelhas causou diminuição física bastantes elementos. NT tiveram 1 ferido ligeiro e 1 ferido grave, 1 doente grave esgotamento.

Transcrição MSG 1404/C Com-Chefe (Oper): COMCHEFE MANIFESTA SEU AGRADO REALIZAÇÃO RESULTADOS OBTIDOS OP TIGRE VADIO.



O relim não é um poema (*)

por Luís Graça



Participaste nesta operação, a Tigre Vadio,
que era pressuposto durar dois dias.
Um passeio a Madina/Belel,
a sudeste de Sara / Sarauol, já no mítico Oio,
um patrulhamento ofensivo,
a travessia de um rio,
a sombra aprazível dos bissilões,
uma excursão a um santuário da guerrilha,
uma visita de cortesia aos homens do mato,
ali tão longe e ali tão perto,
que a Guiné era do tamanho do Alentejo,
pouco menos que os Países Baixos
de Sua Majestade a Rainha Juliana,
para retribuição de outras visitas de cortesia
que eles, os homens do mato, faziam à nossa malta,
aos destacamentos de Missirá e de Finete, Porto Gole e Enxalé,
e à navegação no Geba Estreito, no Mato Cão.
Afinal, o que eram 30/35 quilómetros
entre Bambadinca e Madina, em linha reta ?!

Em boa verdade,
só te faltou o autocarro autopulman,
com ar condicionado e bar aberto!...
E a orquestra de Berlim a tocar a Sinfonia do Novo Mundo,
a Sinfonia nº. 9 em mi menor, do Antonín Dvořák.

Mas era só tropa-macaca, tudo a penantes, como convinha,
sempre era mais seguro e barato,
que o heli custa quinze contos à hora:
"pretos de primeira" da tua CCAÇ 12
e dos Pel Caç Nat 52 e 54,
mais alguns "brancos de segunda",
os açorianos da CCAÇ Vinte e Seis Trinta e Seis
e um esquadrão da morte,
de morteiros 81 do Pel Mort 2106.

Levavam dois cantis de água por cabeça.
E um arsenal de granadas, à cabeça de carregadores,
arrebanhados pelo chefe de posto de Bambadinca
e pelo régulo de Badora,
pagos por uns míseros patacões ao dia.

O que é um gajo pensa, diz-me lá ?!
O que é que um gajo pensa, aos vinte três anos,
de Missirá a Salá e dali até Sancorlá,
em bicha-de-pirilau, escuro como breu,
a alma tensa, o corpo lasso, o capim mais alto
que as searas de trigo da tua terra, lá na cabeça do império,
a fustigar-te as trombas ?!

Bendita chuva, ou chuvinha, a primeira do ano,
que é um santo refrigério;
maldita, essa, sim, a trovada, ligada ao automático,
a disparar de rajada,
que te desperta os terrores mais antigos
de qualquer primata, hominídeo, social, territorial, predador.

Caminhas toda a noite, a partir de Missirá.
Um gajo não pensa nada, camarada,
enquanto caminha toda a noite,
colado ao gajo da frente, para não se perder
um gajo não tem tusa para pensar,
apenas para serrar os dentes 
e tentar sobreviver a mais uma operação,
no final do tempo seco, 
com dez meses de (co)missão,
que a Pátria é quem mais ordena...
Era final de março, marçagão, mas na tua terra não,
que em abril, sim, é que as águas mil são.

Era pressuposto haver um reabastecimento no dia seguinte,
como mandava o mais elementar bom senso
e a experiência operacional do passado.
(Falavam-te, os velhinhos, da Operação Lança Afiada
em que um em cada seis dos bravos combatentes fora evacuado,
por desidratação, insolação, exaustão, fome, sede, ataque de abelhas...)

Caminhaste, caminhou a tropa-macaca,
penosamente, toda noite.
Era pressuposto a guerra parar às dez horas da manhã,
às dez em ponto, para fazer o piquenique;
sardinhas com pão e molho de piripiri,
e conservas de ananás da África do Sul!..
Porque o clima é quem mais ordena, ou ordenava,
e não o relógio do senhor comandante.

Cortaram-te as voltas, os gajos do PAIGC
(não te apetece dizer IN, já não sabes quem é aqui o teu inimigo),
cercaram-te pelo fogo.
E, quanto a Deus, Alá e os irãs,
mais as formigas e as abelhas selvagens da Cuor,
e até o macaco-cão,
a gente nunca sabia exatamente de que lado é que estavam.

Temerariamente,
alguém decidiu brincar ao gato e ao rato.
às catorze horas da tarde, no píncaro do dia,
com uma temperatura brutal e os cantis vazios...
Havia ali uma dúzia de casas de colmo e de adobe, 
desalinhadas, não reordenadas, 
que não pagavam imposto de palhota,
mesmo a jeito, ou por azar,
para a malta despejar as granadas de bazuca e de morteiro oitenta e um.
Pois que saia, e forte, a bazucada, a morteirada, com o código da morte!

A malta, nós, quem ?
O patrão da Dornier, do PCV, da tropa-macaca,
a quem as moranças estragavam a vista
nos seus passeios matinais pelo corredor do Oio,
com ciclovia e tudo,
uma autêntica autoestrada
para as "bikes" dos homens do mato,
oferta da loura Suécia com amor livre
e muitas coroas de flores no cabelo,
Make War, Not Love!

Não, ainda não havia os Strelas,
a temível arma dos arsenais soviéticos,
que haveriam de pôr o "tuga" em sentido, em terra,
ou a pau, quando voava contra os ventos da História,
mau grado a valentia e a perícia
dos nossos Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras.

Alguém puxou dos galões dourados
e decidiu fazer um golpe de mão,
ou melhor: mandar fazer,
que tu nunca viste nenhum "cão grande", de capitão para cima,
andar cá em baixo, com a tropa-macaca,
com a p... da canhota nas mãos.

A escassas semanas de acabar a (co)missão ao serviço da Pátria,
p'ra ficar bem no álbum de fotografia do batalhão,
e impressionar o Caco Baldé,
o homem grande de Bissau...
Um pequeno senhor da guerra qualquer,
do batalhão de Bambadinca,
que gostava de andar de Dornier, de cu tremido,
e que queria chegar a tenente-coronel,
e a coronel e quiçá a general,
o que era perfeitamente normal
para quem escolhera a carreira das armas,
e portanto a honra e a glória de servir a Pátria.

Quem ?
Quem é que manda nesta merda, ó oinca,
tu que lavras a tua bolanha,
e que talhas com a tua catana a piroga onde te afogas,
metralhada pelo helicanhão ?
Quem é que comanda esta tropa-macaca,
ó mandinga, ó biafada, ó fula, ó minha gente ?
É uma imensa cobra
que se desloca nas terras do Infali Soncó,
espantando os bichos e os irãs,
qual rolo compressor, calcando o capim à sua passagem.
Não se lhe vê nem o rabo nem a cabeça.

Entretanto, já alguém, o "tigre de Missirá" em pessoa,
tinha ido buscar, de heli,
o reabastecimento de água a Bambadinca.
Alguém da malta (, não interessa a cor,) terá,
intencional ou inadvertidamente,
disparado uma rajada que atingiu o heli
e estilhaçou um dos vidros laterais.
O heli foi para Bissau, para a oficina,
e o "tigre", que é vadio mas não voa, ficou retido no Xime.
 
A verdade é esta, camaradas:
o PCV falhou,
o plano de operações saiu furado,
o heli desandou, estilhaçado, 
a cadeia de comando quebrou-se,
e alguém quis matar o "tigre de Missirá",
afinal o elo mais fraco da cadeia de comando.
O fogo no capim e o ataque de abelhas fizeram o resto,
enquanto o senhor comandante do PCV
foi dormir, nessa noite, na sua cama em Bambadinca.

No regresso ao Enxalé,
depois de uma segunda noite no mato,
a tropa-macaca sofreu brutalmente,
tu sofreste, que a dor não dá para colectivizar nem partilhar,
sofreste brutalmente a desidratação,
o veneno das abelhas,
o esgotamento físico,
a fome,
a sede,
a insolação,
a exaustão,
as miragens,
o absurdo,
o desespero,
a desumanidade.
Tiveste miragens, o deserto do Saara ali tão perto,
em passando o Senegal, logo ao virar da esquina!
Nunca tinhas tido miragens,
foi mais uma experiência enriquecedora,
tudo por mor da Pátria e dos seus desígnios insondáveis!

Tiveste miragens, como no deserto do Saara,
lambeste a última gota do teu frasco de uísque,
bebeste o teu próprio mijo, esgotado o soro,
mastigaste as ervas do orvalho, esgotada a água,
desesperaste, perdida a esperança,
bebeste sofregamente a água choca dos charcos,
amparaste os mais desgraçados do que tu,
transportaste os feridos.
consolaste os mais sofridos,
fizeste as tuas obras de misericórdia,
segundo o Evangelho de São Mateus
que aprendeste quando eras cristão e crente e menino e moço
e temente a Deus
e tinhas um grande amor à Pátria, à Fátria e à Mátria,
mesmo que a sagrada tríade nunca te tivesse dado sinais
de que correspondia ao teu grande amor de filho e irmão!

Não deste nenhum tiro de misericórdia, mesmo cristãmente,
aos moribundos que não chegaram a haver, felizmente,
mas odiaste o PCV,
odiaste o Cuor,
odiaste Bambadinca,
as fardas,
os galões,
a tropa,
a guerra,
odiaste tudo naquele dia de mentira,
1 de abril de 1970,
Herr Spínola, a Guiné,
o Amílcar Cabral e os seus libertadores,
os senhores da guerra e os seus títeres...
Odiaste tudo,
até... o dia em que nasceste!

Um homem, mesmo o cristão que tu és,
tem que odiar,
tem que aprender a odiar,
tem que saber odiar,
para sobreviver, em qualquer guerra,
tem que odiar o inimigo para o poder matar,
tem que arranjar um inimigo, qualquer que ele seja,
e tem que saber odiar o seu general
para poder saber matar quem te quer matar.

Camarada, tu que fizeste a Op Tigre Vadio,
depois de tantos anos,
releste o relim
e há qualquer coisa que mexe em ti:
o relim não é um poema,
um poema épico ou dramático,
é sim, tão apenas,
um esquema telegráfico da guerra
para os senhores que estão em terra,
e que não têm tempo para ler relambórios.

O relim (, vocábulo que não vem sequer no dicionário)
faz economia dos pontos e vírgulas,
dos pontos de interrogação e das reticências,
enfim, de quase tudo,
que não fica para a História com H grande,
dos quilos de merda que destilaste,
das miríades de abelhas kamikazes
que arrancaste do cachaço,
que arrancaste do couro cabeludo,
dos gritos de dor que ecoaram pelas matas de Madina/Belel,
dos teus gritos e dos gritos dos desgraçados dos elementos pop
que morreram à hora da sua sesta, carbonizados, nas suas moranças,
o relim faz economia de tudo que é acessório,
o relim despreza os detalhes,
o relim ignora as paredes do estômago,
coladas uma à outra pela fome e a sede,
o relim não conhece as hormonas do stress,
o cortisol, a adrenalina e a noradrenalina,
o relim escamotoeia a lassidão do corpo, a tensão da alma,

e nem sequer te dá  um colchão para te estirares, à noite,
ou um ombro amigo para chorares, de raiva e de impotência.

Não, nunca mais irás esquecer Madina/Belel
onde nem chegaste a ir, diz-te  o guia que perdeu a bússola,
tu, e mais 250 homens, combatentes
(oito grupos de combate),
fora um número indeterminado de civis, nativos,
contratados ou arrebanhados como carregadores
(para transporte à cabeça,
como no tempo do Teixeira Pinto, o "capitão diabo",
de granadas de morteiro, de bazuca, de jericãs de água.
E que largaram tudo, ao primeiro ataque
do exército das abelhas do Cuor,
quiçá treinadas na China ou em Cuba.)

Ah, esqueceste-te de mencionar o médico do batalhão,
o Vidal Saraiva (tinhas esquecido o teu nome),
o valente alferes miliciano médico,
que o "tigre de Missirá" deve ter conseguido aliciar à última hora,
face aos casos graves de desidratação,
insolação,
intoxicação
e ferimentos em combate...

Pobre doutor
(ninguém tratava ninguém por doutor
lá no cu do mundo, longe do Vietname),
ficaste em terra
(nunca te tratámos por tu, a não ser hoje),
perdeste a boleia do heli e conheceste o inferno do Cuor,
com os teus trinta e três anos feitos.

Agora, que morreste,
lá no Olimpo, ao lado do velho Hipócrates, teu mestre,
deves estar a sorrir,
com um sorriso bonacheirão, benevolente,
ou com uma gargalhada desbragada, insolente,
o humor ácido típico do cirurgião, 
destas tuas peripécias cá na terra...
Será que as constaste, ainda em vida, aos teus netos ?
Oxalá, Enxalé, Insh'Allah!

Meus senhores, o Relim não é um poema,
é um exercício de pura economia,
um tratado de finíssima estética,
um compêndio de sumária gramática,
um fait-divers com que se brinca,
um escarro na cara do Zé Soldado,
entre duas partidas de bridge ou de king
na messe dos oficiais de Bambadinca.

Que nos valha, ao menos, o velho RDM,
o Regulamento de Disciplina Militar,
é mais grosso, tem mais papel, vê lá tu,
é coisa que se apalpa, outrossim,
e que em último caso serve,
bem melhor do que o capim,
para enxugar o suor da pele,
e mais prosaicamente para limpar... o cu!

Luís Graça

Bambadinca, 2 abril de 1970. 
Revisto, aumentado e melhorado, meio século depois, 
por ocasião do 17º aniversário do nosso blogue,
e no decurso da pandemia de Covid-19 
que segue os seus trâmites (**)
_____________


Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

2 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16259: Manuscritos(s) (Luís Graça) (86): O Relim Não é um Poema (à memoria do médico Joaquim Vidal Saraiva 1936-2015)


sábado, 8 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22183: 17º aniversário do nosso blogue (7): a lavadeira de sobretudo (Jorge Cabral)


Capa do livro de Jorge Cabral, "Estórias Cabralianas", vol I.
Lisboa: Ed José Almendra, 2020, 144 pp. 
O livro está à venda na Livraria Leituria (Rua José Estêvão, 45 A, 
Pascoal de Melo / Jardim Constantino, Lisboa). Preço de capa: 10 €. 
Mas também podem encomendar ao autor pelo email: 
almacabral@gmail.com


O impagável e inimitável "alfero Cabral"...


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1  (Bambadinca( > Fá Mandinga > Pel CCaç Nat 63 > 1970 > O "alfero Cabral", bendito entre as bajudas mandingas...

Fotos (e legenda): © Jorge Cabral (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Camaradas: Vocês estão a imaginar alguém vestido de sobretudo, na Guiné, há meio século atrás ? Eu nunca vi ninguém. Estupidamente, comprei um blusão de couro, no Casão Militar, a pensar nas noites frias de dezembro, nos mosquitos, nas sezões,  nos dilúvios tropicais e nos mil e uma intempéries, contratempos e  partidas que aquela terra podia pregar a um "tuga"... 

Qual quê ?!... Nunca usei o pesado blusão que me custou os olhos da cara... nem as botifarras que mandei fazer de cano alto, até ao joelho, para atravessar as bolanhas e proteger-me das sanguessugas, das cobras e dos crocodilos!...

Mas admito que tenha havido gente que levou smoking, sobretudo, gabardine, fato completo, camisas de seda, coleções de gravatas... Na realidade, tratava-se de uma (co)missão, em terras da Guiné, ao serviço da Pátria!... E terá havido, por certo, quem tenha levado enxoval completo...

Vem isto a propósito do já estafado tema das nossas queridas lavadeiras... e sobretudo desta outra deliciosa e terna estória do impagável e inimitável  "alfero Cabral". 

Confesso que nunca o vi à civil (, eu fui seu contemporâneo e vizinho), pelo que não deveria gastar muita roupa, para além da farda... (Alinhámos em várias operações, ele, com o seu valoroso Pel Caç Nat 63 e eu com os meus briosos e leais fulas da CCAÇ 12). E, nos destacamentos onde esteve  (e de que era o comandante, a saber, Fá Mandinga e Missirá, a norte de Bambadinca, ma margem direita do Rio Geba Estreito), era habitual andar de "tanga" (ou melhor, só com uma toalha à volta da cintura), e o corpo coberto de amuletos, ... 

E, no entanto, ele tinha lavadeira a quem pagava para lavar, de vez em quando..., o "sobretudo"!... Imaginem, o "sobretudo"?!...

E por estas e por outras que o "Caco Baldé" um dia lhe terá passado um atestado de... "apanhado do clima"... Com um atestado destes, o "alfero Cabral" ficou acima ou à margem do RDM - Regulamento de Disciplina Militar... E  o mais incrível é que, no fim da (co)missão, foi louvado. 

E agora, só ao fim destes anos todos, é que eu percebo porquê (, confesso que sou de compreensão lenta, nestas matérias): o "alfero Cabral" pôs a paixão da Pátria acima da paixão da sua querida mas pérfida lavadeira, a Modji Daaba, que fugiu  para o Xime, depois de falhado o plano que arquitetara para se desembaraçar do seu velho marido, sob a acusação de ser "turra", e poder lançar-se nos braços do seu "grande amor", o "alfero Cabral", de "olho grosso"... 

Digam lá, caros leitores,  se, em Hollywood, isto não daria um grande filme, um grande "thriller" ?!... E, mais, é uma história que acaba por resgatar a honra daqueles pobres "tugas" que,  não se tendo na altura comportado como honrados portugueses e impolutos militares, hoje seriam acusados, julgados e condenados por assédio sexual, se os usos e costumes e as leis tivessem efeito retroativo... Sim, porque "na guerra, não pode haver amor, só abuso"!...

Mais: esta  é uma história (*) que merece ser revisitada, no 17º aniversário do nosso blogue (**), e dada a conhecer aos mais novos, que nunca ouviram falar de guerra colonial / guerra do ultramar, nem do abuso do amor em tempo de guerra... nem fazem a mínima ideia onde fica a Guiné-Bissau.  (E será que têm de saber de ética, de história e de geografia e de outras tretas ?!...)(LG)

PS - Para quem só agora chegou à Tabanca Grande, convirá dizer que o Jorge Cabral foi alferes miliciano de artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71; está reformado, tendo sido advogado e professor universitário, especialista em criminologia... É membro da Tabanca Grande da primeira hora, e tem cerca de 225 referências no nosso blogue. 

Amti-herói da guerra da Guiné, é uma espécie em vias de extinção. Como, de resto, todos os outros antigos combatentes de uma guerra que já foi há muito riscada da História. Alfacinha de gema, nado e criado em Lisboa, vive agora desterrado (e amargurado)... na "cidadela" de  Cascais!... Imaginem o pobre "alfero Cabral",  menino da Linha, e sem o seu "sobretudo"!...


A Lavadeira. O Sobretudo. E uma Carta de Amor…

por Jorge Cabral


No dia seguinte a ter ocupado Fá Mandinga, apresentaram-se no quartel as lavadeiras, cinco ou seis bajudas, todas alegres e simpáticas.

Uma, Modji Daaba, chamou-me logo a atenção pelo seu porte e beleza. Bonita de cara e perfeita de corpo, possuía um ar nobre e altivo que me cativou. Imediatamente a contratei como minha lavadeira exclusiva, tendo acordado uma remuneração superior na esperança de algumas tarefas suplementares… (Periquito, ainda não sabia, que com as bajudas mandingas era praticamente impossível ir além de algumas carícias peitorais…).

Porque o meu fardamento habitual consistia numa toalha atada à cintura, o trabalho de Modji escasseava, mas ainda assim, não a dispensei de comparecer duas vezes por semana a fim de receber o salário, trazer e levar a roupa.

Iniciámos então um jogo de “faz de conta”, pagando-lhe eu um serviço imaginário. Até elaborava um rol, onde inscrevia peças de vestuário que ela desconhecia:
- Um sobretudo, três camisolas de gola alta, dois pares de ceroulas….

Quando ela chegava muito se divertia ao simular entregar-me as peças inventadas, e comentando:
- É cusa bonito sobretudo.

Entretanto tentava ultrapassar as brincadeiras e consumar o desejo, que era aliás mútuo. Nada feito! Ia casar. Depois sim, prometia. Havíamos de fazer sobretudo, senha por nós adoptada para designar o acto.

Finalmente casou. Com um velho mal encarado, já com duas mulheres e não sei quantos filhos. Então cumprimos o destino! Sobretudo, sobretudo, sobretudo… quase todos os dias.

Infelizmente pouco tempo depois fui transferido para Missirá, e foi aí que recebi uma carta de Modji Daaba. De memória reproduzo o documento.:

"Kerido Namorado Alfero Odjú Groso. Nmiste bai pa Missirá pa ba ter cu bó nha grande amor. Pá bu bim prendi nha marido, pa bu fala nha marido i turra. Tisim sition, calcinha e mandidja de prata. Nha marido ta sutam. Se bu ca bim na fusi pa Xime e nunca mas a mi bu lavadeira de sobretudo."

Não fui buscar Modji Daaba. Não prendi o marido. Sei que fugiu para o Xime, e nunca mais foi a minha lavadeira de sobretudo

© Jorge Cabral (2006)

_____________

Notas do editor:

(*) 20 de julho de  2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor

(**) Último poste da série > 7 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22178: 17º aniversário do nosso blogue (6): homenagem às "nossas lavadeiras" (Valdemar Queiroz / Cândido Cunha)

sexta-feira, 7 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22178: 17º aniversário do nosso blogue (6): homenagem às "nossas lavadeiras" (Valdemar Queiroz / Cândido Cunha)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Contuboel >  Rio Geba  > 1969 > Uma belíssima foto de uma lavadeira, em contraluz. O Valdemar Queroz atribuiu os créditos fotográficos ao seu "irmão siamês"  Cândido Cunha.

Foto (e legenda): © Cândido Cunha / Valdemar Queiroz (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Espinho > Silvalde > Fevereiro de 1969 > CART 2479 / CART 11 > IAO, Instrução de Aperfeiçoamento Operacional > Uma "foto histórica" um "ninho" de lacraus, designação do pessoal da futura CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche) > O Cândido Cunha é o nº 3... Os restantes (cujas cabeças são visíveis); o Ferreira (vaguemestre) (10), o Abílio Pinto (11), o Manuel Macias (6), Pechincha (que era de operações especiais) (7) e o Abílio Duarte (5).
 
Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]
 
Date: quinta, 6/05/2021 à(s) 15:41
Subject: Homenagem às "nossas lavadeiras"
 
Luís, como tens passado? Agora é aguentar até tratar do problema,  bem diferente do que seria numa comissão (#) em Bambadinca/Xime que serviu de tarimba para enfrentar dificuldades. 

Como homenagem às "nossas lavadeiras" anexo uma fotografia, uma das extraordinárias fotografias do nosso blogue, duma lavadeira em plena laboração na "lavandaria do Geba", em Contuboel.

Esta bela fotografia que faz parte do meu álbum, julgo ser de autoria do Cândido Cunha, fur mil da minha CART 11, tirada à silhueta da bajuda em movimento, que com melhor máquina apanharia os pingos da roupa e poderia muito bem ser uma obra de arte fotográfica.

Tratava-se duma das primeiras visitas à "lavandaria" para ver as bajudas a lavar roupa, não seria propriamente só ver a lavar roupa, aproveitando para uns mirones  às  belas bajudas fulas em topless.

Ó  por cá (1969/70) ainda o topless na praia era proibido ou nem sequer pensado, só começando a aparecer nas praias do sudoeste alentejano com as belas loirinhas alemãs ou holandesas. Essas não se importavam de fotos dos embasbacados mirones católicos que até para não serem mal educadas vestiam uma t-shirt e pediam uma cópia como recordação. 

Tal como por cá acabaram negócios em pequenas localidades (p.ex. Vendas Novas, Mafra) devido aos Quarteis de preparação de tropa p'ra guerra, também  nas tabancas da Guiné acabou o negócio das lavadeiras.

Com ironia... como o vinho matar a fome a milhões de portugueses, é uma chatice acabar com o negócio da guerra. 

Abraço e força com isso
Valdemar Queiroz

(#) Também utilizado como 'comissão de serviço', mas fique bem claro não se tratar de percentagem cobrada sobre um serviço prestado.
____________

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22175: 17º aniversário do nosso blogue (5): homenageando todas as "nossas lavadeiras", na pessoa da Amélia de Bissorã (Maria Dulcinea, "Ni", esposa do ex-fur mil Henrique Cerqueira, 3ª C/BCAÇ 4610/72, e CCAÇ 13, Biambe e Bissorã, 1972/74)

 

Guiné > Região do Oio > Bissorã > c. Out 1973 / jun 1974 > A Amélia de Bissorã, "uma senhora muito bem esclarecida, muito divertida e muito bonita".

Foto (e legenda): © Maria Dulcine (NI)  (2011). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Em homenagem às "nossas lavadeiras" e celebrando também o nosso 17º aniversário, voltamos a reproduzir aqui um belíssimo testemunho, já com 10 anos,  da Maria Dulcinea (NI), membro da nossa Tabanca Grande, com cerca de 3 dezenas de referências no noss blogue, e esposa do nosso camarada Henrique Cerqueira (. Esteve com o marido e o filho em Bissorã, de outubro de 1973 a junho de 1974; recorde-se que o Henrique Cerqueira foi fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, e CCAÇ 13, Biambe e Bissorã, 1972/74] (*)

As nossas lavadeiras: A Amélia de Bissorã

por Maria Dulcinea ("Ni") (**)



Hoje resolvi escrever um pequeno texto em homenagem às “Lavadeiras” da Guiné e muito especialmente à “nossa” Lavadeira,  de seu nome Amélia.

Creio que na generalidade todos os militares na Guiné “tiveram“ ao seu serviço essas valorosas Mulheres que conseguiam um meio de subsistência lavando as roupas dos militares em serviço na Guiné e,  como não fugia à regra, o meu marido tinha a “sua” Lavadeira. 

Quando cheguei a Bissorã e após a nossa instalação de acomodamento aos usos e costumes da nossa “Tabanca”, o Henrique disse-me que iríamos continuar com a Amélia. De pronto foi-me apresentada a “Famosa“ e desde logo se criou uma grande empatia entre nós, pois que a Amélia era uma senhora muito bem esclarecida, muito divertida e, como a foto documenta, era muito bonita.

Na realidade o que eu pretendo é fazer uma singela homenagem a todas as “Amélias” que de uma forma ou de outra acabaram por fazer parte da vivência dos militares que permaneciam longe dos seus familiares, sendo muitas vezes as suas "Lavadeiras"  as suas confidentes e quiçá terem que aturar os devaneios de jovens “desgarrados” e ausentes do convívio de suas mulheres ou namoradas.

Quero ainda salientar o quanto eram importantes aquelas horinhas certas, no final da tarde, quando as “Lavadeiras” com as suas trouxas de roupa lavada percorriam os locais dos militares a entregar as suas roupas e recolhendo outras. Que giro era vê-las em “bandos”, entrando pelo quartel, falando muito alto e rindo,  como se aquele momento também fosse de alegria para elas porque sentiam que o seu trabalho era útil e ajudava à sua subsistência .

Jamais esquecerei a Amélia e alguns momentos de cumplicidade que existiram entre nós, assim como jamais esquecerei tudo o que passei e aprendi com as Mulheres da Guiné. Daí o meu sincero reconhecimento a todas elas.

Fui de certo modo despertada para esta lembrança quando esta semana visitei um menino internado no Hospital de S. João, que é da Guiné, de seu nome Tigná e que, segundo ele, a sua avó é de Bissorã e assim todas as lembranças despertaram.

Não incomodo mais, até porque não tenho muito jeito para a escrita e só escrevi este texto porque fui incentivada pelo Henrique. No entanto se virem que não tem pés nem cabeça podem enviar para o “arquivo”.

Um beijinho para todos os Tertulianos e um especial para as mulheres da Guiné.
NI (Maria Dulcinea Rocha)  (***)

[Revisão / fixação de texto / bold e realce a amarelo, para efeitos de edição deste poste: LG ]
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8329: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (11): Como fui parar à Guiné (Maria Dulcinea)

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22173: 17º aniversário do nosso blogue (4): recordando os resultados de um inquérito "on line", de há cinco anos, sobre as nossas lavadeiras, que de facto não eram "lava-tudo"



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné >Região do Cacheu >  Teixeira Pinto > Março de 1973 > As lavadeiras no lavadouro público. Foto do álbum de Francisco Gamelas, que vive em Aveiro, ex-alf mil cav., cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73), adido ao BCAÇ 3863 (1971/73).

Fotos (e legendas): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. No 17º aniversário do nosso blogue (*), e a propósito do tema das "lavadeiras", vale a pena relembrar aqui os resultados de um  inquérito "on line" que lançámos há 5 anos atrás (**),  numa época em que éramos cinco anos mais novos e ainda tínhamos pachorra para responder a questões como estas...

Recorde-se que os nossos leitores tinham 7 dias para responder e havia 4 hipóteses de resposta... O número total de respondentes foi de 122. 

"SIM, NO TO DA GUINÉ, TIVE LAVADEIRA"...


1, Sim, tive lavadeira, mas só me lavava a roupa > 
105 (86,1%)

2. Sim, tive lavadeira, lavava a roupa e fazia outras tarefas domésticas > 1 (0,8%)

3. Sim, tive lavadeira e também me fazia "favores sexuais" > 12 (9,8%)

4. Nunca tive lavadeira  > 
4 (3,3%)

Votos apurados > 122 (100,0%)

Sondagem fechada em 28/6/2016, às 14h36

II. Na altura, a divulgação dos resultados não suscitou muitos comentários. Mas, apesar das conhecidas limitações metodológicas deste tipo de instrumentos de pesquisa, os resultados parecem ir ao encontro do "conhecimento empírico, espontâneo", que tínhamos da situação há mais de meio século atrás:  

(i) praticamente toda a gente tinha uma lavadeira (, pelo menos nos aquartelamentos e destavamentos onde havia população civil); 

(ii) a lavadeira lavava e passava a roupa a ferro; 

(iii) só uma pequeníssima minoria dos rspondentes (menos de 10%) procurava obter adicionalmente, e eventualmente obtinha, da sua lavadeira, algum tipo de "favor sexual", não se especificando qual (, mas podendo ir das simples carícias e beijos à masturbação e ao coito),

É pena que a jornalista do "Observador", Tânia Pereirinha, não tenha feito referência a estes dados, na elaboração da sua reportagem, publicada no "Oservador", em 10 de junho de 2020 (***). Talvez a sinopse da reportagem fosse mais contída na generalização (que nos parece abusiva) da imagem da "lavadeira lava-tudo": 

(...) "Em Portugal não se falava, mas em África todos sabiam que muitas lavadeiras não tratavam só da roupa" (Negritos nossos). (...). 

Tãnia, o que é são "todos" ?  E o que é que são "muitas" ?  Quantifique-me lá isso, numa escala de 1 a 100 ?!...   

[Declação de interesses: não tenho acesso ao "Observador", não sou assinante, li uma cópia do artigo que me chegou as mãos, através de um assinante, troquei ao telemóvel algumas ideias com a jornalista, que me pediu "ajuda", sobre o tema, sobre o nosso blogue e sobre outros contactos, em 14 de janeiro de 2020; não se tratou de nenhuma entrevista formal, nem eu tive oportunidade de rever o texto, muito menos de o ler, depois de publicado.]

Enfim, não se trata de "salvar a honra do convento" (, cada um fala por si...), mas tão apenas de dar um retrato, tanto quanto possível aproximado, da realidade que conhecemos e vivemos no TO da Guiné (Vd. também poste P22169) (****).

___________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 24 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22135: 17.º aniversário do nosso blogue (3): Para muitos, e já lá vão décadas, [este Blogue] tornou-se um indispensável ponto de encontro (José Belo, ex-Alf Mil da CCAÇ 2391, Ingoré, Buba. Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70))


(***)  Tânia Pereirinha, texto; Raqule Martins, grafismo - Abuso ou amor ? As histórias das lavadeiras que cuidavam dos militares portugueses na Guerra de África /premium "Observador", 10 de junho de 2020  

(...) Em Portugal não se falava, mas em África todos sabiam que muitas lavadeiras não tratavam só da roupa. Exército diz que não tem informação sobre estas relações. Que nem sempre terão sido consensuais." (...) 

(****) Vd. poste de 4 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22169: (Ex)citações (384): Em louvor das "nossas lavadeiras" que, na sua esmagadora maioria, não foram "lavadeiras lava-tudo"... (Joaquim Costa / Valdemar Queiroz / Cherno Baldé / José Teixeira / Jorge Pinto / Luís Graça)

sábado, 24 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22135: 17.º aniversário do nosso blogue (3): Para muitos, e já lá vão décadas, [este Blogue] tornou-se um indispensável ponto de encontro (José Belo, ex-Alf Mil da CCAÇ 2391, Ingoré, Buba. Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70))


1. Mensagem do nosso camarada José Belo, luso-sueco, cidadão-do-mundo, membro da Tabanca Grande, nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, e que na Guiné foi Alf Mil Inf na CCAÇ 2391, "Os Maiorais" (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos, hoje mesmo, esta mensagem alusiva ao 17º aniversário do nosso Blogue:

Sendo uma obra de humanismos vários feita, haverá limitações que possa ter tido, tem ou terá.
É humano.

Para muitos, e já lá vão décadas, tornou-se um indispensável ponto de encontro.
De ante-mão, quem o lê identifica, e se identifica, com o seu tema base... a Guiné.
Uma Guiné que, infelizmente, a maioria veio a encontrar em dramáticas situações de guerra.
Tão longe de uma Guiné em paz e prosperidade que certamente em nada se assemelharia.

Aquelas gentes, mesmo nas situações mais extremas, deixaram em muitos de nós (e quase me atrevo a escrever... na maioria de nós) um estranho e melancólico sentimento de saudade.
Certamente acentuado por (então!) ainda olharmos o mundo através dos jovens olhos de pouco mais de vinte anos.

Talvez.

O Blogue veio preencher perfeitamente os sentimentos acima referidos, somados à amargura por tudo o que de muito duro por lá se enfrentou. De um modo ou de outro todos fomos afectados.
Mantivemos estes gritos da alma reprimidos muitos anos. Demasiados.

Afectou-nos talvez mais do que muitos se atrevem a reconhecer perante eles mesmos.

Surge o Blogue. As suas histórias que em conjunto formam a História, não só a nossa mas de Portugal.

Parabéns ao Blogue, aos seus Editores.

Parabéns às amizades sinceras que através dele se vieram a formar. 
Amizades entre Camaradas que de outro modo nunca se teriam reencontrado... ou mesmo,... “encontrado” pela primeira vez!

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22129: 17.º aniversário do nosso blogue (2): O “nosso” Blogue faz anos! - Faz 17 anos, está quase a entrar na maioridade (Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF (Piche e Bissau, 1970/72)


1. Mensagem do nosso camarada Hélder Valério de Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 23 de Abril de 2021, a propósito do aniversário do nosso Blogue que hoje se comemora:



O “nosso” Blogue faz anos!

Num comentário de hoje o “timoneiro” Luís relembra que o Blogue faz anos.
Faz 17 anos, está quase a entrar na maioridade.

Desde então já muito, muitíssimo, foi escrito, comentado, muitas fotos ilustraram as palavras, os locais e acontecimentos, muitos livros lá deram à estampa, muita poesia foi apresentada, muitas outras iniciativas foram potenciadas, publicitadas, acarinhadas, muitos estudos com maior ou menor profundidade foram apresentados, muita polémica (bastantes vezes desnecessária) foi desenvolvida.
Tudo isto foi e é a vida do Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”.

Tem sido dito e redito que o Blogue foi “apropriado” pelos seus membros. Quase todos têm esse sentimento de que “o Blogue é nosso”. E têm razão! Se o Luís e os membros iniciais têm o mérito de o terem começado, a verdade é que fomos todos nós, os que de alguma maneira o engrossaram com as suas contribuições, o ampliámos e lhe fomos dando a alimentação e a visibilidade, que contribuíram para a sua longevidade. E isso não é de modo algum despiciendo pois como as pessoas em geral se movem por modas o que agora é mais apetecível são as frases e as ideias curtas, os “twits”, os “faces”, etc., pois os tempos são de grande frenesim e não há tempo nem paciência (nem capacidade…) para ler mais que 4 ou 5 linhas de texto. Bastam umas quantas “bocas”, umas provocações e já está.

Sobre o tema da guerra em África existem, ou existiam, muitos Blogues. Quase todos relacionados com as Unidades funcionais (do Batalhão, da Companhia, etc.) de quem promoveu esse repositório de memórias que, no geral, começaram por ser individuais ou do coletivo restrito. Ao nível do “Facebook” são os inúmeros os sites, muitos deles em “concorrência” de seguidores.
O que mais distintivo tem o nosso Blogue é o seu “livro de estilo”, as suas regras. É verdade que as regras se fizeram para serem respeitadas e se assim fosse tudo seria muito bom. Mas também há quem pense que são para serem “quebradas”, torneadas, usadas nas partes convenientes. Afinal há de tudo e o Blogue também é realmente uma boa amostra da sociedade.

Não há muito tempo esta questão, de ser ou não representativo, foi aqui colocada. É verdade que a representatividade é sempre questionável mas creio muito sinceramente que, pese embora o âmbito das questões que normalmente ocupam os conteúdos, no essencial tendo por pano de fundo a Guiné e as nossas vivências por lá, o universo dos que por aqui vão contribuindo e dos que apenas “espreitam” é bem ilustrativo da diversidade e pluralidade de opiniões, conceitos, participações. Há de tudo!

Se quisermos ser mais sentimentalistas para procurar os benefícios do Blogue, podemos lembrar quantas confissões de “blogueterapia” já foram produzidas, quantas romagens de saudade traduzidas nas visitas que já foram feitas e aqui indiretamente incentivadas, quantas iniciativas de solidariedade, quantas colaborações e contribuições para estudos mais ou menos académicos, quantas “tabancas gastronómicas” foram criadas, revelando por si mesmas a satisfação de encontrar pessoas que passaram por situações iguais ou semelhantes.

Por tudo isto só me posso sentir grato por, em boa hora, ter descoberto o Blogue e através dele ter aumentado o meu conhecimento geral e até particular em muitos aspetos da “guerra da Guiné”, por ter podido conhecer pessoas que estimo verdadeiramente, seja pela sua grandeza humana, intelectual, de solidariedade, de amizade genuína.

O Blogue deve continuar. O Blogue tem que continuar.

Hélder Sousa
Fur. Mil. Transmissões TSF

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22128: 17.º aniversário do nosso blogue (1): Meu caro Luís Graça, tu és um "querido mano" para todos os que têm o privilégio de te conhecer (João Crisóstomo, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole e Missira, 1965/67)

Guiné 61/74 - P22128: 17.º aniversário do nosso blogue (1): Meu caro Luís Graça, tu és um "querido mano" para todos os que têm o privilégio de te conhecer (João Crisóstomo, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)


1. Mensagem do nosso camarada João Crisóstomo, ex-Alf Mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67), com data de 20 de Abril de 2021:

Meu caro Luís Graça,

Tenho seguido como tantos outros camaradas o teu diário tratamento no Instituto de Oncologia. Se não te conhecesse ficaria admirado das tuas qualidades de homem completo, levado neste caso a um grau quase sublime.
Mas contigo e em ti todas as coisas extraordinárias são normais. Mais uma vez a tua vida e o teu exemplo são tremenda inspiração que para todos aqueles que tiveram/têm a data de te conhecer.

Pessoalmente, mesmo entre estes, eu me sinto um afortunado, pois quis o bom destino que além dos muitos elos que nos unem como camaradas da Guiné, se juntassem o facto de sermos vizinhos e termos como comuns amigos indivíduos também extraordinários que tanto têm enriquecido a nossa vida. Já hå muito nos tratamos como mano e irmão. Agora vejo com alegria grande que ao fim e ao cabo tu não és um mano e irmão apenas para mim e mais alguns: tu és um "querido mano" para todos os que têm o privilégio de te conhecer.

Sem intuitos de enaltecimentos ou de querer parecer bem fazendo-te elogios: Obrigado, meu querido mano, pelo que és. A tua vida a nível familiar e social é um exemplo fabuloso, uma verdadeira inspiração para todos nós. Pela tua vida, pelo teu trabalho, incluindo este blogue e tudo o que deste blogue resultou para benefício de cada um de nós, da história da Guiné, de Portugal e não só… de ti se pode com toda a verdade dizer “ porque deles é que reza a história”. Bem hajas!

Para ti e todos os teus, mas neste momento especialmente para ti, um apertado abraço, tão grande como a amizade que nos une

João, Nova Iorque


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PS: Para o caso de não teres visto, aproveito este para te mandar um artigo que acabei há momentos de ler no “Expresso curto”, escrito pela Cristina Figueiredo, editora de política da SIC, na rubrica "o que ando a ler".

Aqui está:

"Agora que se cumprem 60 anos sobre o início da longa e mortífera guerra colonial é boa altura para lembrar, sobretudo aos mais novos, o significado da palavra “Ultramar” para a geração dos seus avós.

A revista do Expresso trazia na semana passada um texto de Jorge Calado sobre as (poucas) fotografias públicas que há do conflito. Mas se faltam as fotos não faltam os livros. Um dos mais recentes é "Palco Sombrio", de Alice Caetano (Emporium Editora, setembro de 2020).
A ideia que preside à obra é original: dar um conteúdo improvável à expressão “teatro de guerra”, narrando um período do conflito nas colónias através do testemunho de um capitão miliciano que, coincidência aproveitada pela autora, também é encenador e ator.


Conheço bem o protagonista: Carlos Nery Gomes de Araújo é meu sogro (fica feita a declaração de interesses).

Foi, como tantos outros, mobilizado contra vontade para combater numa guerra em que não acreditava e de que não sabia se voltaria. Partiu para a Guiné, a bordo do Niassa, em maio de 1968, tinha 35 anos, um filho (o meu marido) com apenas um ano. Sem qualquer formação militar, a não ser o serviço militar obrigatório que cumprira 10 anos antes, foi treinado em Mafra “à pressão”, por quem pouco mais sabia do que ele. Foi no mato que aprendeu, a expensas próprias, como comandar homens, como reagir a ataques, como manter o sangue frio em situações que um técnico do Banco de Portugal, como ele, estava longe de imaginar ter de viver: “A primeira coisa que eu decidi naquela guerra é que não ia morrer ali. Decidi isto ainda antes de lá chegar e acho que foi essa decisão que me salvou. A mim e aos meus homens”.

Voltou intacto, com efeito, e sem ter perdido uma única das vidas humanas que tinha à sua responsabilidade.

Mais de meio século decorrido, uma escritora interessou-se por esta e outras histórias que compõem a sua biografia, indissociável do gosto pelo teatro, que não abandonou nem mesmo naqueles dois anos em África (terminou a sua comissão de serviço com uma encenação de “A Cantora Careca”, de Ionesco, em Bissau) e que continua a ser o seu “elixir da juventude”: aos (quase) 88 anos, é ator residente da Companhia Maior, em Lisboa, e prepara-se para subir mais uma vez ao palco (assim a pandemia o permita) no final do ano.

A sua vida, de facto, dava um livro. Alice Caetano teve essa presciência e em boa hora passou das musas… ao teatro".


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Comentário do co-editor CV:

Neste dia em que se vira mais uma página para um novo ano de existência, o 18º deste Blogue, não podemos deixar de cumprimentar, com uma vénia muito grande, o criador e mentor desta página, o nosso mano Luís Graça.
Embora ele e os seus colaboradores precisem já de uns suplementos vitamínicos, porque são já uns septuagenários cheiinhos de ferrugem, continuam animados e coesos para levar a sua missão o mais longe possível.

Ao Luís, quero desejar a melhor saúde. Presentemente está a precisar de uns retoques, mas no 18º aniversário estará já a cem por cento.

Aos nossos camaradas de armas, e aos nossos leitores em geral, desejo que continuem a acompanhar-nos nesta jornada que também inclui participação activa com o envio de textos e fotos.

Carlos Vinhal
Coeditor

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Notas do editor:

1 - Edição e inserção das imagens da responsabilidade do editor.

2 - Sobre a peça de teatro "A Cantora Careca", levada à cena em Bissau em 5 de Abril de 1970, vd. poste de:

4 DE SETEMBRO DE 2010 > Guiné 63/74 - P6935: A Cantora Careca, estreado em Bissau no dia 5 de Abril de 1970 (Carlos Nery)

3 - Neste dia de aniversário do nosso Blogue, vejam o Poste n.º 1 de:
23 de Abril de 2004 > Guiné 63/74 – P1: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)