Governador Manuel Sarmento Rodrigues (1945-1949)
[ foto: cortesia da Revista Militar].
Também era carinhosamente conhecido com o "Mamadu" Rodrigues
e havia uma tabanca conhecida como Sinchã Sarmento.
1. "Em bom português nos entendemos" ? ... Nem ontem nem hoje...
Foi em 1948, quando era governador da Guiné (então colónia portuguesa, parte do Império Colonial Português, e sem complexos, de natureza semântica e conceptual, e muito menos político-ideológica!), o capitão de fragata Sarmento Rodrigues, que se fez um primeiro esforço sério para grafar os topónimos (nomes geográficos) guineenses, através da Portaria nº 71, de 7 de julho de 1948...
Ainda hoje, há um pequena "Babel linguística" no nosso blogue (e demais redes sociais), quando escrevemos alguns nomes de terras por onde passámos e que nos são familiares (dolorosamente familiares, em muitos casos)
Por exemplo, deve escrever-se:
- Guileje e não Guilege ou Guiledje;
- Guidaje e não Guidage;
- Jabicunda e não Djabicunda:
- Bajocunda e não Badjucunda (e muit0 menos Bajicunda);
- Iracunda e náo Ira Cunda;
- Áfia e não Afiá;
- Piche e não Pitche;
- Xime e não Chime;
- Xitole e não Chitoli;
- Contuboel e não Contubo El;
- Pecixe e não Peciche;
- Porto Gole e não Portogole;
- Gandembel e não Gã Dembel;
- Camamadu e não Cã Mamadu;
- Copelão e não Cupelom ou Cupilão ou Pilão (para os "tugas");
- Poindom e não Poidon ou Poidão;
- Sinchã e não Sintchã;
- Sare e não Saré;
- Tombalí e não Tombali ou Tombáli;
- Quitáfine (e não Quitafine) (palavra exdrúxula, mas o "e" final é aberto: Quitáfinè);
- Ilha de Jeta e nãoo Jata ou Jete...
O caso de Pigiguiti então é divertido...Temos visto as mais diversas grafias: Pijiguiti, Pidjiguiti, Pidgiguiti, Pindgiguiti...
Bambadinca também já tenho visto como Babadinca e até Bambarinca e Bambadinga (num anúncio comercial, erro tipográfico comum na nossa imprensa da época colonial). E deve dizer-se Bambadincazinho e não Bambadincazinha... tal como de resto vem na carta de Bambainca (1955), escala de 1/50 mil.
- Bafatá (que deveria ser Báfata, como pronunciam os fulas);
- Gabú em vez de Cabo;
- Sinchã Jobel em vez de Sinchã Jaubel...
As cartas geográficas seguiram esta orientação de "aportuguesamento" dos nomes geográficos da Guiné, de acordo com as regras fixadas na Portaria nº 74, de 7 de julho de 1948 e a ortografia então em vigor.
No nosso blogue (que é escrito, em geral, em Português europeu...) devemos seguir esta "normalização" dos nomes geográficos da Guiné que conhecemos..., sob pena de cairmos na babelização linguística...
A crioulização do português da Guiné.Bissau é outro problema (complexo e delicado...) sobre o qual não nos vamos debruçar agora... Na dúvida, perguntamos ao Ciberdúvida da Língua Portuguesa...
Até 1948, as tropelias linguísticas nesta matéria (grafia dos nomes geográficos da Guiné) era confrangedora, agravada pelas frequentes gralhas tipográficas (vd. por exemplo anúncios comerciais da imprensa da época).
Até 1948, as tropelias linguísticas nesta matéria (grafia dos nomes geográficos da Guiné) era confrangedora, agravada pelas frequentes gralhas tipográficas (vd. por exemplo anúncios comerciais da imprensa da época).
Leia-se, também, um folheto como o "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é hoje", da autoria do 2.º Sargento António dos Anjos (Bragança, Tipografia Académica, 1937, c. 97 pp.) que publicámos no nosso blogue. Cite-se alguns nomes, mal grafados:
- Gábu
- Xôroenque,
- Sáfim,
- Gêba
- Gade-Mael
- Xôro
- Bacerél
- Sozana, etc.
Armando Tavares da Silva (1933-2023)
Obrigado ao nosso saudoso amigo e grão-tabanqueiro Armando Tavares da Silva (1933-2023), especialista da história político-militar da Guiné (1878-1926) que nos fez chegar cópia desta portaria e de alguns dos seus anexos.
2. Voltamos a reproduzir aqui a mensagem do prof Armando Tavares da Silva, com data de 3/10/2017 (*)
Luís,
Enviei por WeTransfer 14 páginas da "Primeira Relação de Nomes Geográficos da Guiné Portuguesa" elaborada em 1948 nos tempos do Governador Sarmento Rodrigues.
Por ela se pode ver que havia 2 povoações Canchungo, uma na área de S. Domingos e outra na área de Cacheu. Teixeira Pinto existia e era uma Vila.
Quanto a Portugal, havia uma povoação na área de Bolama e uma fulacunda. A do régulo Bacar Dikel deve ser esta.
Gabú era uma circunscrição e Nova Lamego uma Vila.
Quanto a Aldeia Formosa esta aparece como uma fulacunda, e Quebo outra fulacunda, aparecendo também como povoação na região de Catió (páginas não enviadas).
Curioso é ler o preâmbulo da Portaria de Sarmento Rodrigues e as normas adoptadas para a escrita dos nomes geográficos.
Sinchã foi introduzida para designar uma nova povoação fula. Entre elas notei a existência de uma Sinchã Comandante, outra Sinchâ Sarmento e (entre muitas outras) uma Sinchã Marío (com acento agudo!?).
Espero que isto anime a discussão...
Abraço, Armando
Luís,
Enviei por WeTransfer 14 páginas da "Primeira Relação de Nomes Geográficos da Guiné Portuguesa" elaborada em 1948 nos tempos do Governador Sarmento Rodrigues.
Por ela se pode ver que havia 2 povoações Canchungo, uma na área de S. Domingos e outra na área de Cacheu. Teixeira Pinto existia e era uma Vila.
Quanto a Portugal, havia uma povoação na área de Bolama e uma fulacunda. A do régulo Bacar Dikel deve ser esta.
Gabú era uma circunscrição e Nova Lamego uma Vila.
Quanto a Aldeia Formosa esta aparece como uma fulacunda, e Quebo outra fulacunda, aparecendo também como povoação na região de Catió (páginas não enviadas).
Curioso é ler o preâmbulo da Portaria de Sarmento Rodrigues e as normas adoptadas para a escrita dos nomes geográficos.
Sinchã foi introduzida para designar uma nova povoação fula. Entre elas notei a existência de uma Sinchã Comandante, outra Sinchâ Sarmento e (entre muitas outras) uma Sinchã Marío (com acento agudo!?).
Espero que isto anime a discussão...
Abraço, Armando
Excerto da Portaria nº 71, de 7 de julho de 1948 (publicada no Boletim Oficial, suplemento nº 10, de 7 de julho de 1948, Império Colonial Portuguêrs, Colónia da Guiné)
3. Veja-ser também o Anexo à Portaria nº 71, de 7 de julho de 1948, do Governo da Colónia da Guiné, de que publicámos, por ser muito extenso, apenas alguns excertos (pp. 7, 23, 37, 52, 57, 68, 67, 69, 72) (*).
Por essa lista (onde parece haver gralhas tipográficas da sempre rigorosa Imprensa Nacional - Casa da Moeda) se pode ver, por exemplo, que havia duas povoações Canchungo, uma na área de S. Domingos e outra na área de Cacheu (p. 23). O Canchungo, nome gentílico, de povoação, coexistia com a nova vila, Teixeira Pinto (p. 72).
Quanto à tabanca Portugal, havia dois lugares com este nome: (i) povoação na área de Bolama; e e uma outra na região de Fulacunda, sendo nesta que morava, em 1947, o régulo Bacar Dikel (p. 57).
Gabú era uma circunscrição (e região), Gabú-Sara era uma povoação (p. 37) e Nova Lamego uma vila tal como Nova Sintra (p. 52).
Por essa lista (onde parece haver gralhas tipográficas da sempre rigorosa Imprensa Nacional - Casa da Moeda) se pode ver, por exemplo, que havia duas povoações Canchungo, uma na área de S. Domingos e outra na área de Cacheu (p. 23). O Canchungo, nome gentílico, de povoação, coexistia com a nova vila, Teixeira Pinto (p. 72).
Quanto à tabanca Portugal, havia dois lugares com este nome: (i) povoação na área de Bolama; e e uma outra na região de Fulacunda, sendo nesta que morava, em 1947, o régulo Bacar Dikel (p. 57).
Gabú era uma circunscrição (e região), Gabú-Sara era uma povoação (p. 37) e Nova Lamego uma vila tal como Nova Sintra (p. 52).
Também existia uma Nova Cuba (p. 52) (que só podia sere a Cuba do Alentejo e não a Cuba do...mar de Caribe).
Quanto a Aldeia Formosa (p. 7) esta aparece como uma povoação de Fulacunda, a par de Quebo (p. 57).
Como se lê no preâmbulo da Portaria de Sarmento Rodrigues, houve uma expressa vontade de normalização da escrita dos nomes geográficos da Guiné. Alguns nomes são novos, ou aparecem pela primeira vez:
Lembre-se, por fim, que Sinchã foi introduzida para designar uma nova povoação fula, acompanhando a "expansão" do chão fula... Entre elas (e são mais de centena e meia) notámos a a existência de uma Sinchã Comandante (p. 67) e outra Sinchã Sarmento (p. 68)... E, já agora, uma Áfia do Governador (p.7).
Quanto a Aldeia Formosa (p. 7) esta aparece como uma povoação de Fulacunda, a par de Quebo (p. 57).
Como se lê no preâmbulo da Portaria de Sarmento Rodrigues, houve uma expressa vontade de normalização da escrita dos nomes geográficos da Guiné. Alguns nomes são novos, ou aparecem pela primeira vez:
- Teixeira Pinto,
- Nova Lamego,
- Aldeia Formosa,
- Nova Sintra,
- Nova Có,
- Nova Cuba (...do Alentejo ?)...
Lembre-se, por fim, que Sinchã foi introduzida para designar uma nova povoação fula, acompanhando a "expansão" do chão fula... Entre elas (e são mais de centena e meia) notámos a a existência de uma Sinchã Comandante (p. 67) e outra Sinchã Sarmento (p. 68)... E, já agora, uma Áfia do Governador (p.7).
Por sua vez, Sare que dizer povoação fula não recente...
Pode ser que o Valdemar Queiroz ou Ramiro Jesus, que são os nossos campeões dos passatempos "Vê se és bom observador" e "As gralhas da nossa embirração"..., sejam capazes de descobrir se alguns destes topónimos, aportuguesados, sobreviveram à guerra e à independência...
No nosso blogue há, por exemplo, há várias referências a lugares começados por Sinchã... Destaque para Sinchã Jobel (ou Jaubel, mais correto) e foi uma base do PAIGC ou "barraca" no regulado de Mansomine (carta de 1/50 mil. Bambadinca).
Sinchã Abdulai (1)
Sinchã Bambe (1)
Sinchã Dumane (1)
Sinchã Jobel (16)
Sinchã Madiu (1)
Sinchã Molele (1)
Sinchã Queuto (2)
Sinchã Sambel (1)
Tirando um ou outro nome português, do nosso roteiro poético-sentimental (Nova Sintra, Nova Lamego, Nova Cuba, Aldeia Formosa, Teixeira Pinto...), o essencial dos nomes geográficos (ou topónimos) da Guiné não nos diziam nada, nem tinham que dizer, eram exóticos, pitorescos, gentílicos... mas não suscitavam curiosidade por aí além... Muito menos, emoção... nem faziam sorrir como alguns topónimos portugueses, com conotações erótico-burlescas (Coito, Pito, Picha, Rata, Rabo, Cabrão, Coina, Cu, etc.)
Também, para além de Aldeia Formosa, há mais 3 Aldeias (p. 7).
Também havia muitas Pontas (pp. 56 e 57) (não temos a pág. 56 do Anexo):
- desde a Ponta Brandão à Ponta Varela,
- de Ponta do Inglês a Ponta de Janadá,
- de Ponta Augusto Barros à Ponta Luís Dias.
(Ponta era sinónimo de horta, pomar, terra agrícola, em geral junto a um curso de água ou bolanha.)
Há ainda, topónimos pouco vulgares ou pitorescos como:
- Algodão,
- Acampamento,
- Achada do Burro (p. 7),
- Olho Grande,
- Olhozinho (p. 52),
- Porcoa,
- Preço Leve
- Quartel (p. 57)
- Sinchã Fodê (p. 67)...
Pode ser que o Valdemar Queiroz ou Ramiro Jesus, que são os nossos campeões dos passatempos "Vê se és bom observador" e "As gralhas da nossa embirração"..., sejam capazes de descobrir se alguns destes topónimos, aportuguesados, sobreviveram à guerra e à independência...
No nosso blogue há, por exemplo, há várias referências a lugares começados por Sinchã... Destaque para Sinchã Jobel (ou Jaubel, mais correto) e foi uma base do PAIGC ou "barraca" no regulado de Mansomine (carta de 1/50 mil. Bambadinca).
Sinchã Abdulai (1)
Sinchã Bambe (1)
Sinchã Dumane (1)
Sinchã Jobel (16)
Sinchã Madiu (1)
Sinchã Molele (1)
Sinchã Queuto (2)
Sinchã Sambel (1)
Tirando um ou outro nome português, do nosso roteiro poético-sentimental (Nova Sintra, Nova Lamego, Nova Cuba, Aldeia Formosa, Teixeira Pinto...), o essencial dos nomes geográficos (ou topónimos) da Guiné não nos diziam nada, nem tinham que dizer, eram exóticos, pitorescos, gentílicos... mas não suscitavam curiosidade por aí além... Muito menos, emoção... nem faziam sorrir como alguns topónimos portugueses, com conotações erótico-burlescas (Coito, Pito, Picha, Rata, Rabo, Cabrão, Coina, Cu, etc.)
Eu, que não sabia mandinga, só muito mais tarde é que vim a saber, por este bliogue, que Bambadinca, por exemplo, queria dizer "a cova do lagarto"...
De facto, quem é que se lembraria de ir fazer umas "férias", em 1948, a Contuboel, a Gadamael a Pejungunto, ou a Buruntuma ou a Catió... ? Eram nomes completamente estranhos aos militares portugueses que foram aportando a Bissau, a partir de 1961...
De facto, quem é que se lembraria de ir fazer umas "férias", em 1948, a Contuboel, a Gadamael a Pejungunto, ou a Buruntuma ou a Catió... ? Eram nomes completamente estranhos aos militares portugueses que foram aportando a Bissau, a partir de 1961...
Mas muitos desses topónimos hoje fazem parte das nossas "geografias emocionais" (**), de Madina do Boé a Guidaje, de Gadamel a Guileje, de Canquelifá a Mansoa, de Fajonquito ao Xime, de Piche a Contabane, de Buruntuma a Cumbijã, de Buba a Bambadinca, de Olossato a Farim...
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4 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17823: Historiografia da presença portuguesa em África (96): primeira relação de nomes geográficos da Guiné Portuguesa, em 1948, ao tempo do governador Sarmento Rodrigues (Parte I)
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Notas do editor:
(*) Vd. postes de:
4 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17823: Historiografia da presença portuguesa em África (96): primeira relação de nomes geográficos da Guiné Portuguesa, em 1948, ao tempo do governador Sarmento Rodrigues (Parte I)