sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24055: Notas de leitura (1552): Uma safra de leituras, sábado na Feira da Ladra, em tempos de pandemia (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
O que há de verdadeiramente relevante nesta brochura, com pensamento de "companheiros de estrada" de inteletuais conservadores britânicos, no início da década de 1960? Era uma política pragmática, já não havia Império das Índias, tudo convergia para a Commonwealth, saber tirar partido do inglês, da educação, do sistema administrativo colonial reconvertido, da ajuda e cooperação. Ter os olhos bem abertos à presença sino-soviética, a grande divisão no bloco comunista estava já anunciada mas ainda não confirmada. Reconhecia-se o papel fulcral das Nações Unidas, como igualmente se reconhecia a existência de problemas momentosos como os da Rodésia e da África do Sul, não havia transigências para o Apartheid e temia-se que os governos de minoria branca incendiassem a África Austral. O império colonial português era considerado pelos conservadores como caduco e a intransigência de Salazar levaria o país para um beco sem saída, já que não existem soluções militares para as lutas de libertação, e o Bow Group propunha ao governo de Londres que ajudasse Portugal a negociar e não lhe vendesse armas com apoio técnico.

Um abraço do
Mário



Uma safra de leituras, sábado na Feira da Ladra, em tempos de pandemia (2)

Mário Beja Santos

É de questionar, antes de mais, qual o grau de utilidade de pôr em cima da mesa uma publicação produzida em 1961 por um think tank de nome Bow Group, que funciona na órbita do Partido Conservador Britânico, ainda hoje afirmando-se com elevado grau de independência, se bem que dirigido pelo antigo primeiro-ministro John Major, para se fazer uma reflexão sobre o que os conservadores britânicos pensavam da nova África independente, no tempo em que já germinava a inclusão das antigas colónias africanas na Commonwealth fundada muitos anos antes. A validade deste exercício é permitir-nos avaliar o realismo britânico que abandonara as fanfarronadas imperiais e que procurava um novo papel junto das suas antigas colónias independentes, ciente de que a África entrara na Guerra Fria, de que se punha com muita agudeza o problema das sociedades multirraciais, havendo que discernir sobre a contribuição britânica nos terrenos da educação, da administração, do desenvolvimento e da segurança interna.

Os britânicos receberam muito bem a mensagem do seu primeiro-ministro Harold Macmillan quando ele anunciou em 1960 os novos ventos da mudança, isto em pleno parlamento da África do Sul, estava dado o mote para repensar o novo enquadramento da cooperação e da ajuda ao desenvolvimento, havia inclusivamente, e isso diz-se sem rebuço na reflexão deste documento, que pugnar pela estabilização dos preços das matérias-primas. A previsão do think tank aparece claramente descrita para um novo desempenho britânico na assistência técnica, na consagração dos novos países na Commonwealth, no incremento dos investimentos, deixando bem claro os problemas concorrenciais com a presença sino-soviética e as transformações que se estavam a operar no bloco francês, sobretudo com a criação de uma comunidade francesa da África Ocidental. É nesse contexto que os membros do think tank são levados a sugerir encorajamento às federações entre países, era uma moda, como hoje se sabe, praticamente todas as federações sugeridas nas Áfricas Ocidental, Central e Oriental acabaram no charco.

A presença comunista é dissecada, fala-se das estações radiofónicas de Moscovo e Pequim, as agências noticiosas, a distribuição de publicações, os convites para viagens e bolsas de estudo. Moscovo tinha transformado a Universidade da Amizade em Universidade Patrice Lumumba, a ela acorriam milhares de estudantes da África, Ásia e América Latina, mas logo ser observa que se bem que três mil ganeses tivessem a estudar em Moscovo, mil e quinhentos ganeses estudavam no Reino Unido. Estes analistas minimizavam os cursos de sindicalismo a africanos dados em Moscovo e Pequim, no contexto internacional o sindicalismo sob a égide do comunismo estava claramente demarcado do sindicalismo dito do “mundo livre”. Havia igualmente que ponderar o apoio britânico ao trabalho das igrejas cristãs e referia-se em concreto o bom trabalho que acontecia graças às atividades dos missionários da Igreja da Escócia na Niassalândia, da Igreja Católica na Rodésia do Sul e dos Missionários Baptistas em Angola. Avançava-se com propostas de trabalho para a nova diplomacia em África: formação da administração colonial, com o intuito de criar administrações locais democráticas, apoiar as diferentes modalidades de voluntariado sobretudo nas áreas da Educação, da Saúde e da Administração Pública.

Devia transformar-se num objetivo predominante que a África Ocidental de língua inglesa se inserisse na Commonwealth, apostar no apoio à construção de economias diversificadas e seguras, e refere-se concretamente a Federação do Tanganica, o Quénia e o Uganda, e admitia-se a possibilidade do Zanzibar, a Niassalândia e a Rodésia do Norte preferirem aderir a uma federação da África Central. E são passados em revista os diferentes problemas políticos: Jomo Kenyatta e o Quénia, a existência de uma base militar britânica em Kahawa (nos arredores de Nairobi), e todos os problemas da agricultura queniana deviam ser cuidadosamente apoiados na ajuda técnica. Do mesmo modo, a brochura analisa a Federação da Rodésia e Niassalândia, não escondem os estudiosos que se avizinham problemas altamente delicados.

A análise da África Ocidental, dizem estes investigadores, que havia de agir numa boa relação diplomática com a França, na medida em que a Mauritânia, Senegal, Guiné, Mali, Togo, Chade, República Centro-Africana, o Gabão, o Congo Brazzaville e os aliados Costa do Marfim, Alto Volta, Daomé e Níger eram países declaradamente francófilos, tirando a Guiné de Sékou Touré, todos os outros aceitavam uma forma de entendimento com a França. O Reino Unido tinha um problema sensível com o Gana, na medida em que Nkrumah não escondia simpatias por Moscovo e tinha um programa pan-africano que estava pronto a pôr em marcha, Nkrumah estabelecera relações com a República Árabe Unida, estava ao lado dos sublevados argelinos, enfim Nasser, Nkrumah e Sékou Touré estavam prontos a receber apoio soviético. Em capítulo separado é apreciada a importância da Nigéria e a necessidade de manter as diferentes etnias coesas no mesmo Estado.

Ao tempo, o governo britânico já tinha imensas dores de cabeça com o Aparteid sul-africano, completamente desaprovado por Londres, em sintonia com as Nações Unidas, o que estes autores propõem é que se continue a criticar o Aparteid mas distinguido entre o governo e o povo da África do Sul. Em capítulo à parte aborda-se Espanha e Portugal em África e o subtítulo é claro: colonialismo fora de moda. Desde que De Gaulle apoiava uma Argélia independente, se bem com forte oposição, as possessões espanholas preparavam-se para alcançar a independência, nesta altura ainda ninguém sobrelevava o problema do Sara Ocidental, Marrocos ainda não lhe tinha lançado a garra, curiosamente não é hoje assunto relevante na cena internacional, o que dá que pensar como as grandes potências se resignam à tirania marroquina.

O Bow Group não tem ilusões de que Salazar, contrariando os ventos de mudança, se iria preparar para uma guerra interminável, e adiantam que não há solução militar para qualquer problema colonial, competia ao governo de Sua Majestade não vender armas, nem dar apoio técnico ou tecnológico às Forças Armadas portuguesas e recusar o uso de armamento da NATO nos territórios africanos portugueses. Concluia-se mesmo este capítulo advogando que a diplomacia britânica devia estar preparada para usar os seus bons ofícios a ajudar as ocupações pacíficas entre Portugal e os movimentos de libertação. E por último, o think tank discreteia sobre o papel das Nações Unidas em África, nomeadamente quanto ao que se estava a passar no Congo e nos territórios portugueses, havendo ainda a questão sul-africana no contexto da África Austral.

O Reino Unido não podia iludir a questão colonial, se necessidade houvesse havia que apelar às Nações Unidas para intervir em Angola. A nova Commonwealth e a nova África tinham-se transformado num assunto político de primeira grandeza, competia ao governo não discurar a tempo e horas a ajuda a África e ganhar a competição aos comunistas.

Mapa político de África em 30 de junho de 1961: a cinzento os Estados independentes
John Kennedy e Harold Macmillan, Bermudas, 21 de dezembro de 1961
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Notas do editor

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1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Beja Santos traz para aqui talvez um momento muito crucial para o destino das colónias portuguesas, principalmente Angola, internacionalmente as outras colónias eram assuntos muito secundários.

Aquela foto de Kennedy com o primeiro ministro inglês em 1961, já estava a guerra fria ao rubro.

Já tinha havido Cuba e a Baia dos Porcos, já Kennedy estava embrulhado no Vietnam, Muro de Berlim, e se nesse momento Salazar concordasse com as ideias de Kennedy, que já estava a dar armas à UPA de Holden Roberto, era nem mais nem menos que criar uma segunda "Guerra da Coreia", União Soviética/EUA.

Aquela de apoio a Holden Roberto era já o atabalhoamento dos Americanos e da CIA, como habitualmente, guerras como na Coreia e no Vietnam e outras na América Latina.

O Salazar foi amaciando os americanos, e passados anos ainda se construiu Caborabassa, No consórcio participam empresas de Portugal, Suíça, África do Sul, França, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos da América.

Embora em Angola ainda se tenha gerado uma guerra URRS-MPLA/EUA-UNITA, de 28 anos, tipo guerra da Coreia, mas Angola sobreviveu.

Claro que em 1961, para Kennedy nem existia uma colónia chamada Guiné Portuguesa.