Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Cuor > Missirá > Pel Caç Nat 63 > 1971 > O António Branquinho, de pé, e o Amaral, vestidos à civil. Eram dois dos furriéis milicianos do Pel Caç Nat 63.
Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Cuor > Missirá > Pel Caç NAT 63 > 1971 > O António Branquinho, uma bajuda e o Amaral (sentado).
Fotos: © António Branquinho / Jorge Cabral (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem que nos acaba de chegar, à caixa do correio, enviada pelo Jorge Cabral, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71 :
Caro Luís: Hoje é tristeza que envio. A morte do Amaral causou-me imensa dor. Abraço Grande
Jorge
MORREU O AMARAL!
Andei um ano à procura do número de telefone do Amaral. Na semana passada consegui. Liguei logo, disposto a brincar. Perguntei por ele e ouvi:
- Morreu há dias, sentiu-se mal no casamento do filho, autópsia inconclusiva.
Abafei um soluço, e viu-o, à minha frente, simpático, risonho, bonacheirão... Informei o Branquinho, que me remeteu duas fotografias, e três apontamentos. Fala dos presuntos e da horta, episódios que já referi, romanceando (1), mas prometeu mais.
Passaram já trinta e seis anos. Porquê, então, esta tão grande mágoa? É que ele era, é da Família.
Camarada, Amigo, Irmão, tal como o Branquinho, que sei, sentiu igual desgosto. Amaral! Vamos continuar a contar as estórias da tua estadia em Missirá. Dessa forma, estou certo, continuarás vivo e entre nós.
Jorge Cabral
2. Texto do António Branquinho (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 63)
Jorge: Conforme pediste, em anexo envio-te 2 fotografias com o saudoso Amaral em Missirá no ano de 1971, eu e ele trajados a civil para esquecer que nos encontrávamos no teatro de guerra na Guiné.
Lembrar o amigo e camarada:
(i) Quando íamos buscar géneros alimentícios a Bambadinca, incluindo nestes o bidão de vinho, logo que o mesmo era descarregado no nosso depósito de géneros em Missirá, dizia:
- Branquinho, vamos meter o espicho no pipo (bidão) para o provar afim de vermos se é de boa colheita.
Após isto, disse ser uma maravilha, comentando ser da colheita de 1969!...
(ii) Outra história, não estória:
Em Missirá conseguiu fazer uma horta, por força de sementes que trouxe da sua zona em Portugal, nomeadamente pepinos, tomates, nabiças, melancias, etc. Quando os produtos estavam quase prontos para consumir houve uma tremenda seca, pelo que a horta sucumbiu.
Perante esta situação fez um grande pranto à horta chorando copiosamente. Em Missirá os milícias caçavam muitos javalis. Perante este excesso de animais o Amaral lembrou-se de fazer presuntos dos mesmos. Dito e feito. Passado algum tempo, junto ao depósito de géneros sentira-se um cheiro nauseabundo. O que seria? Depois de muito cogitar chegámos à conclusão que se tratava dos presuntos do Amaral (javalis) (1). Aquilo eram bichos mais bichos e a carne putrefacta devido ao intenso calor e à falta de gordura dos animais.
Entre estas, muitas mais histórias te poderia contar acerca do nosso amigo e camarada Amaral.
Um abraço
António Branquinho
3. Comentário de L.G.:
Amigos e camaradas:
O In Memoriam foi estreado com o Zé Neto, o primeiro tertuliano a morrer (2)... Hoje recebi a triste notícia de que mais um dos nossos que deixou a Tabanca Grande mais pobre e mais triste... O Amaral, ex-furriel mil do Pel Caç Nat 63, em Missirá, sendo comandante o alf mil Cabral, já não está connosco. Ele não pertencia, formalmente, à nossa tertúlia, mas o Jorge (e agora o Branquinho) já nos tinha evocado aqui a figura desse camarada, que alguns de nós conheceram (a malta de Bambadinca, 1969/71)...
Um abraço de solidariedade para o Cabral e para o Branquinho, seus camaradas e amigos. Se mais alguém o conheceu, ao Amaral, que nos mande fotos ou notas sobre este camarada, cuja memória perdurará através do nosso blogue. Luís Graça, em semi-férias.
________
Notas dos editores:
(1) Vd. post de 14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)
(...) Chamavam-lhe, os africanos, o furriel Barril, não sei se pela sua compleição física, se por via da fama e do proveito que ganhara como bebedor quotidiano e calmo. Estou a vê-lo ao serão, bebendo à colher, com paciência e estilo, enquanto o alferes declamava, e o maqueiro Alpiarça escrevia a uma das dezenas das madrinhas de guerra.
Junto à fonte o Amaral havia construído uma viçosa horta, na qual os tomateiros, as alfaces e as couves medravam fortes, e dera-lhe na cabeça fabricar presuntos utilizando quartos traseiros de onças. Desta actividade lembro o cheiro nauseabundo, que até os mosquitos afastava.
Um dia aconteceu. Três vacas do mato, bichos que pareciam burros, invadiram a horta, banqueteando-se, com as saborosas verduras, o que o deixou, em fúria. Ciente que o criminoso volta sempre ao local do crime, eis na manhã seguinte o Amaral, emboscado, pronto a vingar-se. Pum, pum, pum, três tiros certeiros, e logo, eufórico, pedindo-me para ir a Bamdadinca transaccionar a carne.
Desmanchados os bichos e face à avaria da única viatura, contratou carregadores, aos quais pagou. Fazendo de cabeça as contas, anteviu um lucro fácil que lhe atenuasse a dor da horta destruída. Chegados ao Batalhão, porém, o vaguemestre olhou, cheirou e concluiu. Carne estragada, imprópria para consumo. Catorze quilómetros ao tórrido calor ...tinham sido fatais.
Gastou dinheiro, perdeu a horta e nunca o vi tão triste. Para o animar, aventurei-me a provar dos seus presuntos. Intragáveis, quase vomitei...
Ai, Amaral, Amaral, porque não te dedicaste à pesca!...
Jorge Cabral
Vd também post de 13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá (Jorge Cabral)
(...) Nem respondeu este Major. Logo outro se adiantou, interrogando o Amaral, sobre as povoações mais próximas. Em sentido, sério, calmo, respondeu o Amaral:
- Mato a Norte, mato a sul, mato a leste, mato a oeste, meu Major.
(Ah! Grande Amaral, vais fazer-me companhia na porrada!). Mas o pior estava para vir! Sua Excelência queria testar o plano de defesa:
- Qual o sinal, nosso Alferes?
- Uma granada - improvisei eu.
Tendo-me dirigido à arrecadação não encontrei nenhuma granada ofensiva. Peguei então numa defensiva, e zás, lancei-a. Tudo tremeu! Manteve-se de pé o General, mas o caco caiu.
Entretanto os meus soldados, querendo mostrar heroicidade, encostaram-se ao arame, de peito descoberto, alguns mesmo sem arma.
(Agora sim, está tudo perdido! Que vergonha! E logo eu, neto de um herói de Chaimite).
Recomposto o Caco, olhou-me uma última vez e disse:
-Já vi tudo!.
Ao encaminhar-se para o helicóptero, ainda lhe ouvi comentar para a comitiva:
-Porra, que não é só o Alferes! Estão todos apanhados!
Deve porém ter ficado impressionado, pois três dias depois voltou. Eu não estava. Tinha ido a Fá, buscar uma garrafa de whisky, prenda mensal do Capitão João Bacar Djaló. Contou-me o Branquinho que, quando o informaram da minha ausência, Sua Excelência exclamou:
- Ainda bem!
(2) Vd. post de 31 de Maio de 2007> Guiné 63/74 - P1805: In memoriam (1): Adeus, Zé Neto (1929-2007) (José Martins, Humberto Reis, Luís Graça, Virgínio Briote e outros)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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