Assunto: Recordações - Grupo de Pauliteiros de Cércio
Prezada Ana Maria Vaqueiro (1), obrigado pela sua carta. A demora em responder-lhe deve-se ao facto de eu ter andado à procura do manuscrito do meu Padrinho, Felipe da Nazareth Fernandes. Nunca passei a texto este documento, cheguei mesmo a contactar O Mensageiro de Bragança, mas a preguiça venceu-me. O apontamento que se segue é só para responder ao seu amável pedido, que me sensibilizou.
O meu Padrinho estagiou em Londres, creio eu em 1937 e 1938. Ainda é vivo, tem 91 anos, reside num lar no Bairro da Serafina, em Lisboa. Os Pauliteiros de Cércio foram exibir-se no Folk-Dancing-Festival no Royal Albert Hall, ainda hoje uma das mais prestigiadas casas da música à escala mundial (basta pensar nos Promes, difundidos no Verão para todas as estações de rádio, também à escala mundial).
Nessa altura, na Casa de Portugal em Londres, situada em Piccadilly, pediram-lhe para aconpanhar um grupo fólclórico de mirandeses que vinham actuar no referido festival. Ele e um amigo, Jaime da Silva Dray, receberam-nos cheios de curiosidade. A imprensa Britânica elogiou-os. O meu Padrinho guardou fotografias e um recorte do jornal The Daily Express.
O passeio com eles em Londres foi inesquecível. As pessoas paravam no metro para ver aqueles homens de bigodes com chapéus floridos, com estranhas saias e umas perneiras cheias de rendas. Actuaram por duas vezes, e agradeciam erguendo os enormes chapéus na vertical acima da cabeça, rodando o corpo a 360º. No intervalo, o director da Casa de Portugal veio dizer-lhes que deviam agradecer fazendo vénias ao que eles responderam que não, um português nunca dobrava a cerviz, agradece sempre de cabeça levantada. Os oito mil lugares do Royal Albert Hall estavam completamente esgotados.
Foram filmados nos estudios da BBC para uma curta-metragem que apareceu em todos os cinemas do Reino Unido. O director de cena queria só algumas passagens de cada dança, eles disseram-lhe que não, um pauliteiro dança do princípio ao fim, dá tudo com amor pela arte.
O Embaixador português em Londres, Prof. Rui Ulrich, ofereu-lhes um beberete na companhia da sua mulher, a escritora Veva de Lima. O meu Padrinho não esqueceu a dignidade dos pauliteiros que a tudo respondiam de maneira apropriada e sóbria. Eles sofriam muito com a comida inglesa e pediam a toda a hora bacalhau e produtos de fumeiro. No Soho, bairro tipico de Londres, lá se encontrou bacalhau salgado seco que uma cozinheira preparou com batatas e couves.
Quando chegaram a Lisboa, e perguntados sobre o que haviam mais gostado em Londres, logo responderam fora o bacalhau em casa da Srª Cabral...
Prometo voltar a escrever sobre esta viagem memorável e hei-de pedir aos filhos do meu Padrinho se me deixam copiar as fotografias e o recorte desses pauliteiros de Cércio.
Agora uma recordação da Guiné. Um dos meus camaradas de quarto em Bambadinca era o Abel Rodrigues, que vive em Miranda, que me prometeu que dançaria a dança dos paulitos, o que nunca fez. Tenho por ele uma grande amizade e dentro em breve ele vai aparecer na Operação Macaréu à Vista. Conto com a retribuição do seu marido, falando-nos dessa povoação de Geba, de que Missirá estava relativamente próxima.
Cordiais cumprimentos do Mário Beja Santos.
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Notas dos editores:
Os Pauliteiros de Cércio, hoje
Foto: Portal do Nordeste
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(com a devida vénia...)
(1) Mensagem, de 23 de Junho último, da esposa de Belmiro Vaqueiro, nosso tertuliano, para Beja Santos
Assunto: Recordações - Grupo de Pauliteiros de Cércio
Dr Beja Santos:
Sou esposa do tertuliano Belmiro Vaqueiro, ex-furriel miliciano que fez parte da Companhia de Caçadores 1426, sediada em Geba-Bafatá, nos anos de 1965 a 1967.
Há dias o meu marido chamou-me a atenção para um extracto de uma sua carta que endereçou ao seu Padrinho onde focava alguns episódios, por ele testemunhados, ao acompanhar em Londres o Grupo de Pauliteiros de Cércio (2). É que eu sou natural do lugar de Cércio, [Miranda do Douro,] e familiar muito chegada de alguns dos componentes desse grupo, infelizmente já
falecidos.
Os factos que relata na sua carta e que muito me sensibilizaram,em parte eram para mim desconhecidos. Na aldeia apenas se comenta que foram muito aplaudidos.
Dr Beja Santos, gostaria de saber se as recordações do seu Padrinho, acerca da ida do Grupo de Pauliteiros de Cércio a Londres chegaram a ser publicadas e, no caso afirmativo, onde poderão ser adquiridas.
Desculpe a minha ousadia mas ficar-lhe-ía muito grato por uma resposta. Cumprimenta-o. Ana Maria Vaqueiro.
(2) Vd. post de 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1870: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (51): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)
1 comentário:
não há fotos desse beberete na embaixada de portugal?
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