quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2038: Os pára-quedistas no mítico Cantanhez: Operação Tigre Poderoso (I parte) (Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12)

Guiné > Algures > O 1º Cabo Pára-quedista Tavares, da CCP 121/BCP 12 (1972/74). Sob a capa do duro e eficiente operacional, um grande homem, generoso e sensível, ontem como hoje...


Foto: © Victor Tavares (2007). Direitos reservados.


I parte do texto enviado em 2 de Julho de 2007 pelo nosso camarada Victor Tavares (ex-1º Cabo Pára-quedista, CCP 121/BCP 12, Brá, 1972/74). Fixação do texto e subtítulos, da responsabilidade do editor L.G.


Cantanhez > Operação Grande Empresa (Comando Chefe) / Operação Tigre Poderoso (BCP 12) > De 12 Dezembro de 1972 a 19 de Janeiro de 1973 (1)


Um grande aparato bélico para frustrar as intenções da ONU

Esta operação foi planeada e realizada na sequência da visita de uma delegação de observadores da ONU à região do Cantanhez, a qual o PAIGC considerava zona libertada. A existência de regiões libertadas era condição essencial, no âmbito neste órgão internacional, para que a Guiné viesse a ser reconhecidA tornasse como estado independente.

Com o tempo de permanência no Cantanhez, fomo-nos apercebendo que na realidade o PAIGC tinha uma forte componente militar na zona e nas regiões próximas (Bedanda, Cabolol, Tombali, Guilje)e aonde dispunha de fortes unidades de reserva, em número bastante considerável.

Em resposta a este organismo internacional e para provar o contrário o Comando Chefe decidiu demonstrar que o controlo daquela região era nosso, o que na realidade era mentira.

A partir daqui só com uma grande intervenção militar é que se justificaria o domínio do Cantanhez, o que até aí não acontecia.

O Comando Chefe entrega então esta dura e epinhosa missão ao BCP - Batalão de Caçadores Pára-quedistsas nº 12, Comando e duas companhias, as CCP 121 e 123, tendo ainda sob o seu comando outras unidades terrestres, navais e aéreas.

No início desta grande operação e quando de Cufar nos deslocávamos helitransportados para o objectivo, o espectáculo visto do ar era impressionante: no rio, várias lanchas de desembarque, intercaladas com navios patrulhas e botes dos Fuzileiros que protegiam as embarcações; havia Sintex em grande quantidade; os aviões e os helicópteros uns iam para Cadique. outros para Caboxanque; os FIAT 91 bombardeavam os objectivos... Enfim, foi a operação mais espectacular e não menos perigosa, das muitas em que participei.

No mês de Novembro, antes do início desta Operação as Companhias de Pára-quedistas fizeram vários heliassaltos a objectivos nesta região, tendo tido alguns contactos de alguma dimensão que por vezes nos obrigavam a recorrer ao pedido de apoio aéreo do helicanhão. Capturámos então vário armamento e também um comandante de um grupo de artilharia do PAIGC, mais concretamente de canhão sem recuo, o qual veio a ser utilizado como guia para nos levar a alguns objectivos.

Ao tomar a decisão de reocupar o Cantanhez, o Comando Chefe quis dar a entender que as nossas forças controlavam toda a província, o que não era verdade. Tal como aqui, muitas outras zonas eram na realidade controladas pelos guerrilheiros do PAIGC. Quem, de resto, percorreu aquela Província nos vários sectores e zonas operacionais, sabe perfeitamente qual era a realidade.

Pouco se tem falado do Cantanhez, no entanto esta operação embora não empregando muitos efectivos militares na reocupação efectiva da região, foi em minha opinião a de maior envergadura realizada na Guiné e talvez em todas as nossas províncias na altura em guerra.

A par da amplitude da missão, e a sua muito longa duração, houve que ter em conta a complexidade da manobra, a força do Inimigo no terreno, as clareiras, as muitas linhas de água com imensas e dificílimas zonas de tarrafo nas quais tínhamos obrigatoriamente que passar.

Um desembarque desastroso em Cadique

Em Cufar antes de partir para Cadique, o primeiro bigrupo, e para Caboxanque, o segundo, fomos informados pelos nossos comandantes de pelotão que nesta operação iriam estar envolvidas outras forças alem dos Pára-quedistas e que as mesmas desembarcavam em três locais diferentes, Cadique, Cafine e Caboxanque. Nestes dois últimos os desembarques correram bem, as bolanhas que separavam o rio da orla da mata eram grandes e propícias à actuação do IN, o que felizmente não veio a acontecer, isto também derivado aos patrulhamentos que tínhamos aí executado.

Em Cadique o desembarque foi bem mais complicado, não houve resistência do IN porque já patrulhávamos há alguns dias aquelas zonas, mas o local escolhido para o efeito não foi o melhor, era bastante alagadiço e era também numa bolanha, onde apenas deu para descarregar o pessoal de uma companhia do exército. As viaturas e tractores da engenharia que iriam abrir caminho, logo que saíram das lanchas ficaram atoladas, o que veio a complicar bastante a manobra da acção planeada. O material só veio a ser desenterrado, com grande dificuldade, tendo atingido terreno seguro ao fim de três dias.

A CCP 123 no ataque a um quartel do PAIGC: à terceira foi de vez


Ao mesmo tempo desenrolava-se o ataque a um quartel do PAIGC, executado por uma Companhia de Pára-quedistas, a 123, aonde se encontravam os comandantes da Guerrilha daquele sector e estavam concentradas bastantes forças. Este quartel foi bombardeado pelos FIAT 91 e logo de seguida foi colocado um bigrupo helitransportado que foi ao assalto encontrando forte resistência dos ocupantes do quartel, e não tendo conseguido a sua ocupação nesta primeira tentativa. Por isso novo bombardeamento foi feito e nova tentativa fizeram os Pára-quedistas, mesmo assim ainda não foi desta que o assalto se concretizou.

Só após nova tentativa, a terceira, é que foi de vez, embora com as nossas forças já reforçadas por mais um grupo de combate que para ali foi deslocado. A luta para entrar neste quartel foi terrível: não fosse a coragem a determinação e a disciplina de fogo dos Pára-quedistas e poderia aqui acontecer uma enorme tragédia e uma grande derrota para as nossas forças e um revés enorme para o Comando Chefe que apregoava aquela zona como estando sobre o nosso domínio.

Aqui os Pára-quedistas sofreram um morto e vários feridos, incluindo o Comandante de companhia que só aceitou ser evacuado depois da tomada do aquartelamento se consolidar.

Esta acção foi uma dura machadada nas hostes do PAIGC naquela zona, tirando-lhe alguma margem de manobra e capacidade de actuação.

No entanto as forças que o PAIGC tinha em todo aquele sector eram em elevado número como se viria a confirmar durante o tempo em que nós lá permanecemos, atendendo à quantidade de contactos que viemos a ter durante os patrulhamentos diários que executávamos.

Eis o filme dos acontecimentos:

12 de dezembro de 1972:

A CCP 121 embarca na Base Aéra 12, em Bissalanca, em NordAtlas, com destino a Cufar.

Daqui partiu o primeiro bigrupo composto pelos primeiro e segundo pelotões. depois de recebermos informação sobre o tipo de acção e os moldes como iria ser desenvolvida no terreno. O destino do meu bigrupo era Cadique para onde fomos helitransportados em equipas de 5, sendo colocados em locais estratégicos isoladamente e batendo a zona indicada até ao ponto de reunião, local onde veio a nascer o destacamento.

Durante toda esta acção nenhuma das equipas teve contacto com o IN, apenas encontrámos população desarmada que conduzimos para o ponto de reunião, aonde foram interrogados pelos nossos guias – intérpretes.

Aqui neste local existiam várias Tabancas, a zona era aberta e dali partiam picadas em várias direcções, bastante utilizadas. Bem perto deste local os residentes tinham lavras onde semeavam os seus alimentos, milho, mandioca, mancarra e várias qualidades de hortaliça. Também aqui havia algumas bananeiras, mangueiras, a partir desta horta no sentido de Caboxanque existiam varias ruínas de grandes habitações que tudo indicava serem de grandes senhores que por lá passaram antes do abandono desta zona. Até a carcaça de um automóvel lá se encontrava, estacionada no meio de um arvoredo. Aqui as picadas eram algumas delas já bastante largas embora sem utilização a muito tempo.

Entretanto iniciámos um patrulhamento a nível de pelotão até junto a uma picada pedonal que dava para Jemberem e que era bastante utilizada , aonde emboscámos durante cerca de uma hora sem que o IN se tivesse revelado. Regressámos ao ponto de encontro e foram-nos dadas indicações das posições onde ficariam instaladas as secções e os dois pelotões. Foi aí que pernoitámos, sendo pedido o bombardeamento da zona pelos obuses de Cufar, para no dia seguinte se abrirem valas e descapinar a área mais próxima das nossas posições e tentarmos arranjar as melhores condições para podermos passar e sobreviver da melhor forma o tempo que nos estava destinado ali passar.

Quero também referir que o segundo bigrupo da CCP121 formados pelos terceiro e quarto pelotões, foi também colocado em Caboxanque com o mesmo tipo de missão.

13 de Dezembro de 1972

Patrulhamento feito pelo 2º Pelotão: a registar, que fizemos vários km ultrapassando a picada que dava para Jemberem, indo na direcção de Cadique Nalu e chegando até à bolanha que antecedia este lugar aonde nos emboscámos durante algum tempo, perto de uma picada que ladeava a bolanha e que era bastante utilizada. No entanto não referenciámos qualquer elemento IN, armado.Posto isto levantámos a emboscada fazendo o regresso pelo lado das Caxambas Balantas.

Passados pouco tempo, 20 a 30 minutos, o Pára-quedista Domingos que seguia na frente, apercebeu-se da aproximação de algo que não se estava a espera, por não ter sido ainda referenciado. Porque a mata era tremendamente densa, fazíamos a deslocação a corta mato, e netão deparámos com várias Tabancas ordenadas em círculo, e bem construídas.

Um revés para o PAIGC ... que continou a controlar o Cantanhez

Instalámo-nos,embrenhados na mata sem sermos detectados. Estaríamos a cerca de 50 metros deste objectivo. Formámos em linha, aguardando ordens para o assalto com uma frente de 10 a 12 homens. O movimento de pessoas era pequeno dentro do círculo referido. Foi dada ordem para avançarmos com redobradas cautelas, até sermos referenciados. A partir desse momento os elementos do grupo de assalto ultrapassaram todas as tabancas, instalando-se depois delas e montando segurança enquantp os restantes elementps passavam revista às moranças. Foram encontradas várias peças de fardamento de tipo cubano e algumas munições.

É de referir que aqui encontrámos varias pessoas, todas de idade avançada, que sendo interrogadas nada de importante disseram como já era habitual. Abandonámos então este local por uma de várias picadas que partiam deste aldeamento em várias direcções e que nos levaria até à margem de um rio antecedido por uma pequena bolanha.

A partir daqui continuávamos o patrulhamento por picada que nos levou até junto de uma pequena lavra, onde trabalhava uma mulher de 30 e poucos anos e dois meninos entre os 6 e os 10 anos. Foi interrogada pelo Baldé, nosso intérprete, o resultado foi o mesmo: Mi ca sibe, nunca sabiam de nada.

Entretanto à nossa esquerda, não muito distante, é dada uma rajada curta, seguida de mais uns tiros isolados. Eram os guerrilheiros que estavam por perto e que tentavam desviar-nos as atenções e ver se mudávamos de direcção perseguindo-os. Não foi o caso, seguimos embora ainda com mais atenção, prontos para o que desse e viesse.

Já há algum tempo ouvíamos uns batimentos em algo que nos metia espécie, batimentos contínuos e compassados, mais pareciam o bater de um relógio. Este som ia aumentando quanto mais nos aproximávamos.

Fizémos uma pequena paragem para passado pouco tempo continuarmos a marcha agora a corta mato, em zona de difícil progressão. Esta era a forma mais segura de chegar ao local de onde vinha o som que teimava em continuar cada vez mais intenso.

Além deste som começámos a ouvir o cacarejar de galinhas. Era sinal que perto existiriam Tabancas. Já perto destas mas ainda sem as ver, o som entoava cada vez com mais e mais intensidade, os homens da frente chegam a uma picada que se apresentava na nossa perpendicular.

Já a uma escassa centena de metros do objectivo transpusemos esta picada e logo de seguida outra nos aparece, parámos durante alguns minutos para receber ordens para fazer a entrada no aldeamento do qual não se sabia a dimensão.

É dada ordem para avançar em linha em direcção ao som, andados nesta direcção mais ou menos 50 metros conseguimos ver algumas das Tabancas. Parámos mais um pouco e o movimento de algumas pessoas era notório, faltava saber era se estavam armados.

Demorou pouco, pela nossa retaguarda por uma das picadas que davam acesso ao aldeamento aparece um grupo de Guerrilheiros que se estimavam na ordem de 15 a 20 - pelo menos 11 contei eu pelas as pernas, a mata era como digo atrás muito fechada , daí a dificuldade de ver todo o grupo que ainda por cima se deslocava paralelamente à nossa posição.

Segundos depois a escassos 20 metros de nós, o primeiro homem deste grupo abrandou o andamento e parou ao mesmo tempo que abriu fogo na nossa direcção , recebendo de imediato uma forte reacção dos Pára-quedistas que abateram este e mais dois guerrilheiros.

Depois de um contacto que durou vários minutos, capturámos 1 Degtyarev, 1 Kalachnikov, 2 RPG 2, várias fitas de transporte e 5 granadas de RPG 2, além de uma mochila com livros e documentos.

Durante este contacto os Guerrilheiros do PAIGC utilizaram vários RPG. É de referir que a utilização destas armas aqui nesta zona em maiores quantidades tinha a sua justificação. De facto, a mata as bolanhas e os rios que éramos obrigados a atravessar eram sítios propícios para ataques a uma distância considerável. Os guerrilheiros sabiam perfeitamente isso e tiravam daí algum partido, pelo menos em termos psicológicos, porque o efeito dos seus rebentamentos metia respeito e por vezes fazia ronco.

Terminado o contacto foi feito o reconhecimento ao local onde os guerrilheiros estavam instalados, recolhendo o material atrás referido.

Simultaneamente um grupo de Pára-quedistas avançou para o aldeamento aonde se encontrou peças de fardamento e munições de armas ligeiras e algumas granadas de RPG 2 e 7.

Quando nos encontrávamos a passar revista as palhotas que eram em grande quantidade, entre 20 a 30, fomos atacados à distância por lança-granadas que os Guerrilheiros apontavam aos troncos e ramos das árvores, escavacando as mesmas de forma que alguns ramos caíam acompanhados de chuva de folhas que se soltavam com as fortes explosões. Aqui por sorte não tivemos qualquer problema , aqui também se verificou então a origem do som que se ouvia anteriormente, era a construção de uma canoa feita de uma enorme árvore com 6, 7 metros de comprimento. Dos construtores, nem vê-los aqui, apenas encontrámos população idosa e alguns garotos. De dentro do aldeamento ainda fizeram alguns tiros na nossa direcção talvez protegendo a fuga de pessoal que lá se encontrava.

Fizemos a retirada deste local através de uma das picadas existentes que nos levaria até junto de um rio o qual viemos a atravessar com grande dificuldade uma vez que a água se encontrava a subir, o que nos surpreendeu pela rapidez, tendo em alguns locais a água chegado até ao peito.

Saindo da Bolanha , dirigimo-nos para Cadique Nalu seguindo por um pequeno trilho até a um pequeno aldeamento abandonado. Daqui rumámos em direcção a Cadique City onde chegamos perto do anoitecer.

(Continua)

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 27 de Junho de 2007 Guiné 63/74 - P1891: O Cantanhez (Cadique, Caboxanque, Cafine...) e os paraquedistas do BCP 12 (1972/74) (Victor Tavares, CCP 121)

1 comentário:

Anónimo disse...

tanbém o meu pai é ex- combatente da guerra do ultramar.
de 3 anos que la esteve (69 - 72) , se nao me engano, apenas conheço meia duzia de historias...
matar para viver, certo??

muita coisa de certeza que ficou para se saber..