terça-feira, 7 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2034: Bibliografia de uma guerra (22): Putos, Gandulos e Guerra, de Mário Vicente, aliás, Mário Fitas (CCAÇ 763, Cufar)


Vamos mais uma vez falar do escritor Mário Vicente, ou melhor, do nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66), a propósito da apresentação do seu primeiro livro, Putos, Gandulos e Guerra, em 22 de Abril de 2000 (1).

A cerimónia de apresentação teve lugar no Salão Nobre da Junta de Freguesia de Vila Fernando, sua aldeia natal, pertencente ao concelho de Elvas.

O livro foi apresentado pelo seu amigo e companheiro de sempre Dr José Luís Miguel de Carvalho, também ele ex-combatente da guerra do Ultramar, desta feita como Alf Mil em Angola.

Feita a apresentação pelo Dr Miguel de Carvalho, tomou uso da palavra o nosso camarada. Reconhecendo a Mulher como um pilar essencial no seio de cada família, nas diversas vertentes, principalmente como Mãe e, sentindo-se irremediavelmente preso à sua Terra-Mãe, dedicou, em preito de homenagem, ao seu Alentejo e às mulheres alentejanas o seu livro Putos, Gandulos e Guerra.

Introduziu no seu pequeno discurso poemas dedicados ao Alentejo e às suas gentes, de autoria de dois grandes vultos da literatura portuguesa: Florbela Espanca, poetisa alentejana, e Eugénio de Andrade, beirão, mas grande amigo do povo alentejano.



Capa do livro de Mário Vicente, Putos, Gandulos e Guerra (2000).
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.
A capa do livro também é uma homenagem. Mário Vicente quis homenagear os seus homens colocando na capa do seu livro, uma fotografia tirada no dia 22 de Dezembro de 1965, durante a Operação Tesoura, na região de Cadique.

Atentemos agora ao seu discurso:

-"Porque a vida não se troca, nem se vende por nada! Só não sente, quem não tem capacidade para recordar!

!A influente conspiração contínua, do adquirido sobre o inato, vai metamorfoseando o (barro) Homem, inoculando-lhe na inocência, - o saber de experiência feito - a escola da vida. Assim se vai nesta complementaridade, construindo o Ego de cada um de nós".

"Escrito sobre homens. Subrepticiamente vai revelando a influência da mulher, na sua desmultiplicação de: Mulher mãe, irmã, amante, companheira e amiga. Eis pois, como gato sobre brasas, Putos, Gandulos e Guerra transcreve a observação – vivida - de alguém sobre o que o rodeia".

"Não é este livro,pretensão literária! Mas tão somente o tentar transpor para a escrita, o sentir da vida – sofrida - do povo da Planície. E porque não também, essa força-mulher, que foi Florbela Espanca?"

Dela, o poema:

Pobre de Cristo

Ó minha terra na planície rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viste o mar,
Onde tenho o meu pão e a minha casa.
Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folhas... a dormitar...
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra moirisca a arder em brasa!

Minha terra onde meu irmão nasceu
Aonde a mãe que eu tive e que morreu
Foi moça e loira, amou e foi amada!
Truz... Truz... Truz... Eu não tenho onde me acoite,
Sou um pobre de longe, é quase noite,
Terra, quero dormir, dá-me pousada!...

(...) "Sou um sofredor!... O cordão umbilical ainda não me foi cortado. Confio que não o seja!...
Sinto-me bem ligado à Terra-Mãe. Por esse motivo, aqui trago estas folhas, as quais espero sejam o símbolo de uma aldeia una, nesta linda planície".

"Assim sendo: Este livro não é meu! É dos que do nascer ao pôr do sol, - por magra jorna - trabalharam a terra que não era sua".

"É de quem vergado sob o sol escaldante de meio do dia esgotava as forças - dádiva da magra açorda com azeitonas, puxando pela torta, ceifando o-pão-trigo do mítico celeiro de Portugal".

"Este livro é também dos e das que encharcados, sob o agreste frio e chuva do Inverno enterrando as mãos na gélida terra, apanhavam: a fonte que daria força às sopas e luz à humilde candeia".

"Este livro é das mulheres escravas que após um dia de trabalho, em vez do merecido descanso, tinham ainda marido e filhos para tratar e a casa que, limpa e branquinha, lhes dava merecido orgulho!

"Este livro é daqueles e daquelas que sofreram a saudade da partida e a ansiedade da chegada, dos seus mais queridos, que viram partir para a guerra!

"Este livro é dos que aqui nasceram, e dos que aqui chegando criaram raízes!
Também vale a pena recordar" (...):

De Eugénio de Andrade:

Eu sou devedor à terra,
E a terra me está devendo.
Que a terra me pague em vida,
Que eu pago à terra em morrendo.

Finalizou dizendo: "Este livro é vosso, homens e mulheres da minha terra! "

Mário Vicente

2. Comentário de CV.

Ficamos assim a conhecer um pouco melhor a outra faceta do ex-combatente e nosso camarada Mário Fitas. Se o Mário quiser desvendar um pouco do seu livro, para aguçar o apetite a quem o pretender ler, teremos em breve algumas estórias no nosso blogue.
__________

Nota de CV.


(1) Sobre o seu último livro, Pami Na Dondo, v. posts de:

2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1911: Bibliografia de uma guerra (19): Pami Na Dondo, guerrilheira do PAIGC, o último livro de Mário Vicente (A. Marques Lopes)

5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1926: Bibliografia de uma guerra (21): Pami Na Dondo ajuda-nos à reconciliação com a guerrilha (Virgínio Briote / Carlos Vinhal)

1 comentário:

Anónimo disse...

Amigo Mário Fitas, muito boa-noite!

Estive a ler sobre o seu livro e sobre o nosso amado Alentejo.
Creio que é comum a todos os Alentejanos o sentimento de solidariedade para com aqueles que trabalharam a terra e que tão mal pagos eram. É comum a todos nós o sentir o esforço dispendido ao sol e ao frio das nossas gentes tão sacrificadas, e na sua maioria, tão pobres!
Contudo, como é grande o nosso amor por esse chão sagrado!
Como nos encanta a sua luz, o seu espaço, as suas côres, da terra e das flores, o cantar das aves, o luar!
Será que os grandes senhores da terra, veem essas coisas?
Senão veem, não faz mal!
Eu vi por eles!
Eu apaixonei-me por esse imenso espaço, creio, desde que abri os olhos, e não creio que ninguem ame mais a sua terra do que os Alentejanos!
As dificuldades, unem as pessoas, e os poucos haveres dão-lhes
tempo para observar e saborear o que ninguém lhes pode tirar:
A capacidade de sentir, de se empolgar na observância das pequenas grandes coisas e vivenciar momentos e espaços, que lhes são oferecidos pela generosa natureza.
Partilho consigo esse sentir Alentejano!
Saudações amigas

Felismina Costa