segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23526: Notas de leitura (1475): BC 513 - História do Batalhão, por Artur Lagoela, execução gráfica no Jornal de Matosinhos, 2000 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
Esta preciosidade é uma edição comercial, tiragem de 300 exemplares, com execução gráfica no Jornal de Matosinhos e o autor da obra é o 1.º Cabo n.º 103763, Artur Lagoela, que expressa na introdução a sua grande admiração pelo Comandante do Batalhão. Documento formal, retirado de outros documentos, estruturado quase como um relatório. Trata-se de uma epopeia silenciosa e responde à grande injustiça de se manter no esquecimento o que militarmente se fez, com decisão, firmeza e combatividade no Comando-Chefe, quando toda aquela região Sul parecia imparavelmente na posse dos grupos do PAIGC. Documento de estudo: a adesão dos Fulas, o armamento que possuíamos, o uso de minas antipessoal e fornilhos por parte do PAIGC, as minas anticarro virão mais tarde, como gradualmente os armamentos da guerrilha irão melhorar, com poucas contrapartidas das nossas tropas. Insistia-se em contrariar os corredores de reabastecimento, tinha sido um abandono tão grande que a reocupação de muitos pontos custou os olhos da cara. Tornar-se-á moda, a partir de 1968, denegrir no que se fez e como se respondeu nos primeiros anos. A documentação oficial desmente esse mito e é bom encontrar livros como a história do BCAÇ 513 para se ver o heroísmo de que hoje ninguém fala.

Um abraço do
Mário



Um documento eloquente, peça de historiografia: A história do BC 513 (1)

Mário Beja Santos

Encontrei este livro na Biblioteca da Liga dos Combatentes, tem uma dedicatória do então Alferes Miliciano Sapador José Filipe da Cunha Fialho Barata: 

“Para a Liga dos Combatentes, de todos nós, combatentes do Batalhão de Caçadores n.º 513, que prestou serviço militar na Guiné, entre 25 de julho de 1963 e 25 de agosto de 1965, daqueles que por lá perderam a vida e daqueles que voltaram deixando lá parte dela, aqui fica um muito pouco de nós, num livro chamado "História do Batalhão" e também um grande reconhecimento que os combatentes sabem ter por quem nunca os esquece. 

A nossa história, essa, ficará sempre por contar. Ela seria o enorme somatório de todas as histórias, de todos nós, amalgamadas com todos os nossos sentimentos, todas as nossas indignações, angústias, inquietações, desesperos, raivas, medos, coragens, esperanças, desilusões, amizades, amores, tudo isso unido pela fortíssima argamassa que é a irmandade que nasce e perdura para sempre entre aqueles que foram combatentes”.

Que importância podemos atribuir a este documento? Esta unidade militar faz parte daquele elenco de batalhões que tinham Comando e CCS ao qual se iam agregando diferentes Companhias. Parecia destinada a Moçambique mas a intensidade da luta armada na Guiné exigiu vários desvios, um deles foi o BC 513. Embarcaram em 17 de março, tanto o Comando e a CCS como as CART 494, 495 e 496, como igualmente o Batalhão de Cavalaria 490. Desembarcaram e tinham à espera um graúdo problema logístico, não existiam quaisquer instalações para alojar todo aquele pessoal e guardar o material, estava-se em plena época das chuvas. Houve que distribuir os efetivos por um conjunto de instalações até que em 21 de agosto foram transferidos para a Escola das Missões. Em 31 de outubro, o Comando e a CSS vão para Buba. Fica-se a saber que o capitão Coutinho e Lima, que virá a responder, em 1973, pela retirada de Guilege, é o comandante da CART n.º 494. Às três unidades referenciadas ir-se-ão agregando também pelotões Fox e Daimler, um pelotão de morteiros e outras companhias de caçadores. Era a resposta de juntar com rapidez um conjunto de unidades destinadas a um setor onde campeava em cheio a subversão. Respondia-se à Ordem de Operações n.º 1/63, procurar contrariar a infiltração das forças subversivas, aniquilar grupos de guerrilha, recuperar populações, ocupar espaços abandonados. Havia igualmente que garantir a estrada Buba – Aldeia Formosa e criar condições de utilização da estrada Mampatá – Cacine. As unidades dispersam-se por Cacine, Aldeia Formosa, Ganjola, no setor de Catió. Inicia-se a atividade operacional num território em que há muitas tabancas completamente destruídas, as tropas irão viver nas piores condições, construindo paliçadas, abrigos, pistas para aviões.

O livro reproduz o relatório periódico do Comando, referente ao período de 8 a 24 de novembro de 1963. O inimigo é quantificado e qualificado, existem três importantes zonas de concentração de grupos de guerrilha, duas de simples passagem e uma isenta de atividades. “As áreas de concentração situam-se nas proximidades das regiões ricas em arroz e outros produtos de primeira necessidade, que são precisamente aquelas onde não há forças militares. Assim, temos a região do Incassol, nas margens do rio Corubal (Gã Gregório), a região do Forreá nas margens do rio Cumbijã (Bantael Silá) e a região do Cacine, na orla marítima (Campeane). As zonas de passagem são a região de Buba e a região fronteiriça de Ganturé – Guilege. Como zona isenta de atividade inimiga, temos a região de Aldeia Formosa – Contabane”.

A guerrilha recebe a tropa com flagelações, pretende prejudicar as ligações com Aldeia Formosa, pretende manter inacessível a região do Incassol. As minas anticarro chegarão depois, ao tempo os pelotões Fox e Daimler circulam com perigo mínimo. Procura-se recuperar o chão Fula, atrair populações às tabancas abandonadas, é o que irá acontecer em Colibuia. Será necessário progredir em direção de Guilege, instalando aqui um novo destacamento. Em Aldeia Formosa existe já uma milícia de auxiliares Fulas. A guerrilha pretende manter interdito o trânsito na área do Forreá, embosca frequentemente no eixo Buba – Nhala bem como os patrulhamentos na estrada Buba – Aldeia Formosa. Os fornilhos revelam a sua força destruidora. Nesse mês de novembro de 1963 o Tenente-Coronel Luís Gonçalves Carneiro descreve o estado disciplinar como bom, tem tropas moralizadas mas há preocupantes problemas sanitários.

Bem interessante é o que se escreve sobre a reocupação do chão Fula. São referenciados os regulados de Contabane, Forreá e Guilege, correspondente a uma extensão de fronteira de mais de quarenta quilómetros. No início de 1963, grupos armados do PAIGC atacaram e expulsaram das tabancas os Fulas, pretendiam total liberdade num corredor compreendendo Guilege – Mejo – Nhacobá – Buba – Fulacunda. Fora saqueada a tabanca de Salancaur Fula, onde vivia o régulo de Guilege. Todas estas populações tinham fugido; as casas de construção europeia em Salancaur Cul e Bantel Silá tinham sido destruídas. A reocupação é feita com cautelas, atentas as grandes dificuldades. Em 4 de fevereiro de 1964 reocupa-se Guilege, em 30 de março do ano seguinte a tabanca de Mejo, considerava-se que tinham sido criadas as condições para atingir Salancaur Fula e ligar Cumbijã através de Nhacobá e Samenau. Não havia um único europeu na região. Quando terminar a comissão do BCAÇ 513 ficarão distribuídas 700 armas pelas populações, trinta tabancas em autodefesa.

Os Fulas atuarão praticamente sozinhos, chefiados pelo chefe da tabanca de Mampatá, atuarão na região do Incassol, causando grandes destruições na guerrilha. Em novembro de 1964 começarão os ataques a Guilege, e com destruições.

Todo este período inicial visa a proteção da fronteira sul da Guiné, há as povoações de Cacine, Cacoca, Sangonhá, Ganturé, Gadamael, Guilege, Gandembel está destruída e Mampatá. A subversão manifestara-se inicialmente na região de Sangonhá, primeiro com grupos da FLING que serão ultrapassados pelo PAIGC, com o apoio dos Beafadas da região. Serão assaltadas casas comerciais de Gadamael Porto e Cacoca. O relatório recorda que ao entrar o BC n.º 513 no setor havia uma região totalmente abandonada, Guilege, e uma região totalmente controlada pelo PAIGC – Ganturé, Sangonhá, Cacoca, Cameconde e Campeane, era por esta região que se reabasteciam as bases do Cantanhez. Iremos ver seguidamente como se procurou reocupar a região fronteiriça, em que operações se envolveram ao longo de todo o ano de 1964.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23517: Notas de leitura (1474): "Histórias da C. CAÇ. 2533" - Os belos testemunhos da gentes da CCAÇ 2533 (2) (Mário Beja Santos)

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