1. José Ceitil - Homenagem
por Hélder Sousa
O José Ceitil deixou-nos! Notícia dilacerante…. Escreveu um
amigo comum, o Joaquim Pedrosa, meu colega de curso na EICVFXira, mais tarde
jogador de futebol no Sporting e Académica, dirigente da UDV (União Desportiva
Vilafranquense) e também sócio do Ceitil num espaço de Bar chamado “Varinaice”.
Quando uma pessoa morre há tendência para nos elogios
fúnebres aparecerem inúmeras virtudes. No caso do Ceitil isso não seria forçado
pois as suas múltiplas qualidades e áreas por onde se moveu contribuíram para
uma “história de vida” bem multifacetada e recheada de notas interessantes.
De tal modo que será difícil nesta pequena
recordação/homenagem fazer referência a todas elas.
De uma entrevista concedida ao jornal “O Mirante” em 2011, e do portal livreiro Wook, retiro algumas notas biográficas:
(i) o Ceitil nasceu e cresceu em Vila Franca de Xira em Março de 1947 e eu em Outubro de 1948; é, portanto, cerca de ano e meio mais velho que eu;(ii) neto de varinos, também brincava à borda d’água desse rio Tejo como muitos outros;
(iii) na sua terra, fez a escola primária; frequentará, mais tarde, o Liceu Passos Manuel e terminará o secundário na Escola Industrial e Comercial da sua terra natal;
(iv) na EICVFXira tirou o curso de formação de serralheiro, começando depois a trabalhar, aos 16 anos, como desenhador na Câmara Municipal:
(v) foi futebolista do Vila-franquense desde as "Escolas" até aos "Veteranos";
(vi) na Secção Cultural do clube, à época, um espaço de liberdade, estudo e debate de ideias, iniciou-se na militância cívica, aos 15 anos, como colaborador e participante nas atividades que aí tinham lugar:
(vii) fez, como voluntário, 4 anos de tropa na Força Aérea;
(x) desse tempo ele recordava, em vida, as situações mais difíceis, como comissário de bordo, da ponte aérea nos tempos da descolonização, em que algumas vezes em Angola esteve perto da morte; considerou que nessa época a capacidade de resposta de Portugal para transportar pessoas para a “metrópole” foi exemplar e que se pode dizer que se trata de um dos grandes feitos da capacidade lusa de resolver problemas.
(xii) foi fundador, dirigente e colaborador da APTCA (Associação Portuguesa de Tripulantes de Cabine), onde se iniciou na escrita para as revistas Voo e Aérius;
(xiii) publicou o seu primeiro livro em 2007, a novela "Vidas Simples Pensamentos Elevados", e em 2008 o ensaio "Sejam Felizes".
Ao longo dos anos as nossas vidas foram sendo vividas com pontos de contacto de que mais se destacam as colaborações no Clube da nossa terra, fosse no campo desportivo (ele mais no futebol onde tinha méritos e eu mais ligado ao hóquei em patins) fosse na estreita colaboração na Secção Cultural da UDV, sendo que ele também fez parte Direcção do Cine-Clube Vilafranquense.
Anos mais tarde, agora já no século XXI, houve um apelo ao
ressurgimento e assim alguns amigos então retomaram em mãos as rédeas da UDV
para tentar recuperar, resgatar e reerguer a colectividade.
É desse tempo que foi criada uma comissão para produzir um
“Manifesto da Memória da Secção Cultural da UDV”.
Numa das nossas sessões de trabalho notei que ele estava pensativo, até apreensivo, e após algumas “inquirições” fiquei a saber que isso se devia ao facto da sua filha mais nova, a Marta, ter decidido incorporar um programa de formação e voluntariado na “nossa” Guiné.
Claro que na ocasião todos
os conceitos e preconceitos sobre a Guiné, problemas reais e também alguns
empolados, lhe causavam angústia, mas não queria interferir nas decisões que a
filha tinha tomado. Tivemos então algumas conversas, procurei relativizar as
coisas, deixei algumas indicações sobre como chegar à ONGD AD, do nosso amigo Pepito (1949-2014), em caso de
necessidade.
As coisas foram correndo, geralmente bem, de modo que depois
da missão inicial a Marta repetiu e também depois continuou com outras tarefas,
que lhe influenciaram de tal modo que ainda hoje se refere à Guiné como a
“segunda Pátria”.
O Zé, “intrigado” com tal estado de espírito resolveu ir ver
“in loco” e então rumou a Bissau. Deve também ter bebido “água do Geba” pois
tendo ficado na “Pensão Central” acabou por escrever um livro dedicado à “Dona
Berta de Bissau” (2013).
Para terminar, que já vai longo, atrevo-me a repetir aqui as
palavras que a Marta entendeu por bem colocar no seu “Face” e que se trata duma
pequena mas significativa memória do Zé Ceitil. Escreveu ela:
“Minha filha, a procura do sentido da vida não é para todos.
A maioria ou não sabe o que isso é, ou vive tão mal que nem tem tempo para
pensar, ou então limita-se a sobreviver sem questionar nada. Agora, como estás
a descobrir, a vida nem sempre parece fazer muito sentido! A questão do poder e
o seu exercício por oligarcas defensores de interesses particulares sobrepõe-se
à organização da sociedade de forma a satisfazer as necessidades essenciais dos
povos. Sei que acreditas demasiado nas pessoas e no bem… e isso preocupa-me
porque sei que vais sofrer… mas mil vezes assim do que seres céptica. Sem abandonares os valores em que
acreditas, os sonhos e as utopias, tens que aprender a viver com estas
realidades”
Trata-se da resposta do Zé Ceitil à então consternação e
profunda tristeza pela qual a Marta estava a passar pela sua “terra do coração”
quando se estava perante a tentativa de golpe de estado (mais um) na
Guiné-Bissau em 2010.
Fico por aqui nesta minha homenagem/recordação a este meu
amigo.
Hélder Sousa
2. O José Ceitil tinha já, à data da sua morte, uma meia dúzia de referências no nosso blogue, nomeadamente como pai da Marta Ceitil, amigo do Hélder Sousa e autor do livro "Dona Berta de Bissau".
Não conheci pessoalmente o Zé Ceitil. Mas, pelo que já antes havíamos publicado no nosso blogue, é um típico representante da nossa geração: um bom homem, uma pessoa que se fez a si mesma, um cidadão proativo, um amigo do seu amigo, e que, além disso, por amor da filha Marta, se tornou também um amigo da Guiné e do povo guineense.
Agradeço ao Hélder Sousa a bela e justa evocação que faz do seu grande amigo, conterrâneio e colega de infância. De resto, ele lembra-nos que "o Zé Ceitil foi colega do Zé Brás como comissário de bordo da TAP e acho que também ainda foi contemporâneo do João Sacôto".Apresento à Marta e demais família Ceitil os nossos votos de pesar pela perda do pai e parente. E por tudo o que aquilo que já aqui foi dito, tomo a liberdade de propor a integração deste nosso amigo, o José Ceitil, na Tabanca Grande, a título póstumo. O seu lugar é o nº 815. O seu exemplo de vida inspira-nos e honra-nos.
Foto da preparação da candidatura à Direcção da UDV para 2009-2011
Foto da Mesa na apresentação pública do “Manifesto da Memória da Secção Cultural da União Desportiva Vilafranquense” em 2011
Fotos (e legendas): © Hélder Sousa (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legedagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
4 comentários:
Recorte de imprensa:
Record, 04 setembro 2020 - 01:19
Vilafranquense: Morreu José Ceitil
Lenda do clube desaparece aos 73 anos
https://www.record.pt/futebol/futebol-nacional/2--liga/vilafranquense/detalhe/morreu-jose-ceitil
José Ceitil morreu esta quinta-feira aos 73 anos. O antigo defesa-central foi uma lenda do Vilafranquense, clube onde jogou durante 17 temporadas, numa equipa que capitaneou e foi figura. Chegou a ser também vice-presidente do emblema de Vila Franca de Xira entre 2009 e 2011.
No Vilafranquense deu seguimento à tradição desportiva do apelido Ceitil em Vila Franca e outros membros da família lhe seguiram. André Ceitil, médio atualmente às ordens do técnico Quim Machado, é seu sobrinho-neto.
(...)
José Ceitil «serviu 4 anos na FAP».
Questão, dirigida a Hélder Sousa: aquele recém-finado, serviu na Guiné?; na afirmativa, onde e quando?
Agradeço resposta.
Caro João Carlos
Sim, está lá dito que entrou como voluntário para a "Força Aérea".
Não sei ao certo sobre os 4 anos.
A entrada "voluntária" naquela época, salvo erro, ocorria antes da eventual chamada para o Exército, aí com 17 ou 18 anos, não me lembro bem.
Não sei o percurso, presumo que pela Ota como recruta e depois para uma qualquer "especialidade" lá ou noutro local.
Não sei até onde foi, se é que chegou a ir para algum lado mas para a Guiné não foi pelo não há lugar ao "onde e quando".
Na Guiné só foi presença quando foi "visitar" uma filha que estava lá em contratos de formação, ficou na Pensão Central, conheceu a Dona Berta e impressionou-o a história de vida da senhora pelo que entendeu passar ao papel esses apontamentos, ao mesmo tempo que passava a olhar e a sentir a Guiné com outros olhos e sentimentos.
Hélder Sousa
Helder Sousa,
Como decerto sabe, o voluntariado para a FAP - concretamente, especialistas -, na época implicava 6 (seis) anos nas fileiras, fossem eles cumpridos integralmente na Metrópole e/ou no Ultramar.
Melhores cumprimentos.
Enviar um comentário