sexta-feira, 22 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18766: Notas de leitura (1077): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (40) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
Para se fazer entendimento da insistência nestes relatórios sobre as observações por vezes cáusticas do gerente de Bissau acerca da agricultura guineense dever-se-á ter em conta os crescentes interesses do BNU na mesma. Detém o controle da Sociedade Comercial Ultramarina, daí a atenção dada às produções e às cotações das matérias-primas. Era visível a quebra no arroz, em vez de referir o tumulto da guerra dá a saber que os jovens agricultores, em número expressivo, estão nas milícias; a borracha tornara-se desinteressante; os serviços lançavam experiências, mas o gerente insiste que falta formação e que é uma grande apatia; a balança comercial é por demais deficitária, o BNU tem uma vida risonha com aqueles milhares de militares e a massa monetária a circular. A guerra existe mas parece que não é necessário falar nela, o que se deixa de produzir é importado, ponto final.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (40)

Beja Santos

Na segunda parte do relatório de 1965, o gerente vê-se na necessidade de se enfronhar num longuíssimo comentário à situação das colheitas. Esquecendo-se das apreciações já enunciadas em documentos anteriores, insiste em verberações quanto à estrutura agrícola, como se a administração em Lisboa tivesse os olhos vendados:
“A estrutura agrária das explorações agrícolas da Província é incipiente, para não dizer nula. Entre as populações autóctones não existe a empresa agrícola do tipo familiar; a agricultura pratica-se pelos métodos mais rotineiros que se possam conceber; o agricultor autóctone não mostra desejo de um pequeno esforço para, com o mesmo trabalho, e sementeiras feitas a tempo, obter melhores produções”.

São recriminações em série, acusa a fala de elites entre as populações agrícolas, deplora a falta de instrução e sensibilidade para aceitação de técnicas proveitosas, aponta a apatia que reina muitos setores e escrutina experiências e avança o porquê dos insucessos, assim descritos:
“Nos trabalhos que os serviços respectivos fizeram em regime de concentração o resultado foi alcançado. Citemos como exemplo os casos de Bolama e Ualada. Forneceram-se melhores sementes, ofereceram-se adubos para instruir e mentaliza, mas a acção é dispersa como convém para que, com um pequeno dispêndio e fracos recursos humanos, se obtivessem os melhores resultados. No entanto, as populações não correspondem ao esforço desenvolvido”.

Então, insinua a questão de fundo, a guerra que está por trás:
“A situação criada à Província levou o agricultor a concentrar-se nos grandes centros comerciais ou em tabancas onde encontra protecção. Por motivos de defesa houve necessidade de chamar para as milícias largas centenas de homens jovens, que deixaram de agricultar pois o salário mensal lhes basta, de onde resultou o afrouxamento da cultura do solo que todos os anos faziam para seu sustento”.
Seguem-se enormes parágrafos sobre a divulgação agrícola, a mecanização das culturas, o ensino rural, a formação acelerada da aprendizagem dos jovens, o cooperativismo, e feita a litania procede a uma descrição das culturas.

Quanto ao arroz, a produção baixou não por falta de terrenos para cultivo mas antes à escassez de agricultores, daí a importação deste alimento indispensável. Refere o que se está a fazer em Empada, na região de Ualada:
“O Plano Intercalar de Fomento propunha a defesa, enxugo e recuperação de quatro mil hectares de terrenos destinados a novas bolanhas. Os trabalhos de maior vulto localizaram-se em Empada onde as populações não tinham feito em anos anteriores sementeiras de arroz. De colaboração com os serviços militares pretendem-se reinstalar em Ualada, e recuperar para o trabalho, populações que se acolheram naquele posto administrativo. As populações colaboraram no estabelecimento de ouriques para defesa das bolanhas, das águas salgadas e no último momento decidiram-se a cultivar arroz. Segundo informação dos serviços, sabe-se que, já em 1966, as populações de Empada estão em vias de autoabastecimento. O reflexo que este empreendimento terá nas populações foragidas será motivo para se continuar a trabalhar. Na região de Bissau trabalhou-se em Bor e Antula. Em Bor, de colaboração com as autoridades locais, construiu-se um dique para fecho de um rio que permitirá o cultivo imediato de algumas dezenas de hectares e forneceram-se bombas para escoamento. Na região de Antula tentou-se também o fecho de um rio construindo com estacaria e terra uma pequena barragem, mas o trabalho não resultou por existência, a baixa profundidade, de laterite que impedia o enterramento das estacas. A produção promete ser melhor que as colhidas normalmente”.

Quanto à borracha, observa que não houve cultura dos plantadores da Guiné, e dá mais informações sobre o que se está a passar com a experimentação do caju. Assim, a Brigada da Guiné da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar dera sequência aos estudos preliminares programados, tinham sido plantados cerca de 77 hectares em povoações do concelho de Bissau, e tece o seguinte juízo:
“O lento ritmo de plantação, a par com os baixos preços praticados, não autorizam a esperar que, em futuro próximo, a industrialização do caju ou a sua exportação em larga escala venham a transformar-se nas realidades há tanto desejadas. O caju poderá vir a assumir no futuro um papel de primeiro plano no desenvolvimento agrícola e industrial da Guiné".

Referindo-se ao coconote e óleo de palma, afirma desconhecerem-se as áreas ocupadas pelos palmares naturais, com exceção dos Bijagós. Seguem-se longas considerações sobre a mancarra, onde houvera a substituição de sementes por variedades mais resistentes, dera-se formação à população, tinham sido distribuídos adubos e os resultados obtidos eram manifestamente satisfatórios, pois a produção dos campos adubados tinha sido muito mais elevada que a de outros agricultados por métodos antiquados. Punha-se o problema dos preços do amendoim guineense, os industriais poderia obter preços mais vantajosos em países como o Senegal ou a Nigéria, daí a necessidade de fomentar novas culturas.


Dedica algumas reflexões à mandioca dizendo que faz parte da agricultura de subsistência, usada quando escasseio o arroz. No fundo, não havia grande tradição da mandioca nos hábitos alimentares e com as crescentes importações de arroz a sua cultura estava cada vez mais desinteressante, no entanto havia toda a vantagem em produzir mandioca para exportação.

O relatório expende depois algumas considerações sobre trabalhos em curso, houvera asfaltagem completa do cais do Pidjiquiti, tinham sido recuperados 10 mil metros quadrados da bolanha marginal do rio Geba com vista à expansão das instalações portuárias. Calculava-se que estariam concluídas em Março de 1966 as obras de aterro do futuro cais da Bolola. E procede a uma síntese dos profissionais de saúde existentes na Guiné:

“a) Há um médico para cerca de 20.400 habitantes. Mas este valor não é suficientemente característico e enviesa as conclusões. Com efeito, só a área da delegacia de Bissau detém 20 médicos beneficiando as restantes nove delegacias de apenas 8 médicos. Nas áreas das delegacias de Mansoa e de Bafatá, por exemplo, há um médico para 91.000 e 81.000 respectivamente. Nota-se que, do total de 28 médicos, 12 são milicianos que, cumulativamente com a prestação do serviço militar, assistem às populações.

b) Em média, cada conjunto de 3400 habitantes é servido pelo enfermeiro. Embora menos acentuadas, as desigualdades na cobertura regional são ainda elevadas: nas áreas das delegacias de Catió e Mansoa existe um enfermeiro para cerca de 15.000 habitantes.

c) São também manifestamente escassos os efectivos de pessoal paramédico e não trabalha na Província actualmente uma única assistente comercial. Observe-se finalmente que das 46 pessoas empregadas em serviços paramédicos 32 pertencem à Missão de Combate às Tripanossomíases”.

Já estamos no relatório de exercício de 1966, os comentários vêm de Lisboa, são lisonjeiros. O comércio com o exterior regista aumento devido à importação de elevadas partidas de arroz, acentuou-se o défice da balança comercial com a queda do volume das exportações. A praça de Bissau desenvolve-se próspera devido ao maior poder de compra dos militares.

“Vem a propósito referir que o incremento da importação e o maior recurso ao crédito, sem dificuldades de solvência, constituem factores particularmente favoráveis aos negócios da filial ao longo de todo o exercício”.
E termina-se com um apelo à prudência:  
“Afigura-se oportuno recomendar a essa gerência a necessidade de se manter vigilante no tocante à distribuição de crédito, subordinando a sua acção neste campo à disciplina da política de objectiva prudência até agora seguida. Parece-nos, contudo, que a actual situação da praça se mostra favorável ao desenvolvimento da concessão de crédito a curto prazo, nomeadamente de operações de desconto puramente comerciais, desde que reúnam as necessárias garantias e sejam de montantes compatíveis com a capacidade de solvência dos intervenientes”.

(Continua)
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Notas do editor:

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Último poste da série de 18 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18752: Notas de leitura (1076): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (5) (Mário Beja Santos)

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