sexta-feira, 6 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18816: Notas de leitura (1081): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (42) (Mário Beja Santos)

Cine-Bolama. Fotografia extraída, com a devida vénia, do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, por Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade, a fotografia é de Francisco Nogueira, Edições Tinta-da-China, 2016


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
Chegámos aos derradeiros relatórios, cobrem os anos de 1970, 1971 e 1972, nada mais consta no Arquivo Histórico do BNU.
Procurando levar este empreendimento a um bom porto, segue-se, por sequência cronológica o acervo documental de ofícios, informações sobre as mais variadas matérias, desde quezílias entre os gerentes de Bolama e Bissau, confrontos entre o gerente de Bissau e o médico avençado, peças como um telegrama em que o gerente de Bissau comunica em Janeiro de 1971 que o governador solicitava ao BNU que participasse com mil contos para a constituição de uma sociedade destinada à publicação de um jornal na Guiné, a administração deliberara não adquirir posição de acionista mas pusera à disposição daquela entidade o pretendidos mil contos como ajuda do banco, por isso mesmo o gerente deveria avistar-se com Sua Excelência o Governador e comunicar-lhe a decisão de Lisboa.
O leitor prepare-se para notícias insólitas, tem mais peças para que o caleidoscópio dê outra visibilidade ao discurso formal e mítico que enformou a nossa geração.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (42)

Beja Santos

Quando se leem os derradeiros documentos enviados da filial de Bissau para a administração do BNU em Lisboa sente-se a distância abissal daqueles primeiros relatórios que podemos folhear no Arquivo Histórico do BNU, como se sabe só há referências destas publicações a partir de 1917. Eram então textos com elevado investimento pessoal, tinham carga opinativa e um desafronto que ainda hoje nos deixa aturdidos. Não há nada como exemplificar, socorro-me do relatório da filial de Bolama, de 1927.
Escrevem-se coisas deste jaez:
“O meu comercial estagnou, sem condições de desenvolvimento e de nulo valor, longe de todos os centros de produção e de população”. Eram tempos diferentes, é certo, o BNU aceitava penhores e garantias em aguardente. Tinha-se dado uma falência de estrondo, Victor Gomes Pereira conhecia a execução hipotecária, e o gerente comentava assim: “Não possuía faculdades de trabalho para administrar a sua casa que há muito estava agonizante. Habituado a uma vida faustosa, mantido pelo crédito que no Banco desfrutava, não pensava senão em grandezas que deslumbrassem as odaliscas do seu harém. Assim acabou a lenda de Victor Gomes Pereira, cuja situação os meus dois antecessores pintaram a Vossas Excelências com espessas camadas de tinta cor-de-rosa, que o signatário se entreve a raspar, como lhe cumpria, pondo a nu uma situação que há anos se vinha arrastando por uma forma irregularíssima e criminosa até”.

Mas são comentários que não se confinam a erros praticados pela própria filial, também ao descrever a situação geral da colónia, comenta que o Estado procurava fomentar o aumento da produção com a criação de duas instituições altamente problemáticas e de remotos efeitos: a Granja Agrícola e a Estação Pecuária. Não se exime a explicar porquê, fala na primeira pessoa do singular, não lhe parece que a Granja Agrícola possua facilidade especiais de vulgarização de novos métodos culturais e termina a sua dissertação recordando a pobreza do solo da Guiné. Exprime a sua opinião sobre a distribuição de sementes e a cultura pecuária. Não deixa de verberar que a colónia está a encher-se de funcionários em emissão especial, é um encargo sem proveito algum. E toma posição sobre a mudança da capital para Bissau, que ele diz considerar ser benéfica a todos os títulos.

Veja-se agora a diferença. Estamos em Maio de 1969 e o gerente expede para Lisboa a seguinte informação:
“Apressamo-nos a levar ao conhecimento de Vossa Excelência que, muito confidencialmente, fomos hoje informados que o senhor Secretário-Geral da Província, desempenhando presentemente as funções de Encarregado de Governo, solicitou na sessão do Conselho do Governo de hoje ao Senhor Inspector do Comércio Bancário que fizesse o expediente necessário para a apreciação da viabilidade do estabelecimento de um banco comercial na Província.
Não temos, porém, qualquer indicação de qual o banco que pretende estabelecer-se aqui.
Aproveitamos ainda a oportunidade de informar Vossa Excelência que Sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho e o Senhor Ministro do Ultramar, aquando da sua recente visita à Guiné, em breve diálogo com que nos honraram na recepção levada a efeito no Palácio do Governo, se mostraram muito interessados em que o Banco substituísse o actual edifício da filial, que acharam antiquado, por um imóvel moderno e de acordo com a projecção e grandeza do nosso Banco”.

No relatório de 1970, é detalhadíssima a informação sobre as colheitas. Quando lemos estas análises de situação não devemos abstrair que o BNU detinha há décadas a Sociedade Comercial Ultramarina, era vital estar a par do que se produzia, do que se exportava e quais as culturas em experimentação. Depois de considerar que 1970 não fora um ano satisfatório no campo da agricultura, discreteou sobre os empreendimentos em curso, a cultura orizícola na área de Teixeira Pinto, Bissau em Antula, Tite, e depois detalhou o que se estava a fazer nas culturas da mancarra, palmeira, mandioca, hortofrutícola, apícola e cajueiros. Nesse ano havia trabalhos num conjunto de estradas: Bula-S. Vicente; João Landim-Bula-Có-Pelundo-Teixeira Pinto; Teixeira Pinto-Cacheu; Mansabá-Farim; Nova Lamego-Piche-Buruntuma; Bambadinca-Xime; Nhacra-Cumeré-Quartel; Sara-Bacar-Fronteira. E terminava o relatório mencionando os preços médios locais dos principais produtos alimentares e de consumo corrente.

O relatório de 1971 é redigido com a idêntica neutralidade e assepsia. Diz que o ano não podia ser considerado como um ano agrícola mas que devia ser classificado como razoável. Não fala na guerra mas nos “condicionalismos atuais” que justificavam a importação de 20 mil toneladas de arroz. Faz seguidamente a descrição sumária da intensificação da cultura orizícola, da multiplicação e distribuição de sementes selecionadas, o fomento da cultura da mancarra e da palmeira e dá os números do óleo de palma, das frutas, plantas em viveiro e o estado do fomento florestal. No relatório do segundo semestre desse segundo ano menciona que a produção agrícola tem um nível modestíssimo, o que não era de admirar porque faltava um clima de paz e confiança: “Infelizmente, apesar de todos os esforços da administração pública, ainda não foi possível alcançar essa meta tão desejada e indispensável ao progresso da Guiné”. Não deixa de informar que as exportações continuam a ser insignificantes e sintetiza o artificialismo que paira na vida económica da Guiné: “O comércio, principalmente o de Bissau, continuou a tirar partido do poder de compra do sector militar, e daí poder solver os seus compromissos com relativa facilidade, o que, também, contribuiu para que os negócios da Filial se processassem com a segurança aconselhável e que sempre procurámos ter presente, por forma a não nos afastarmos das superiores directrizes traçadas por Vossas Excelências e que, quando bem interpretadas e seguidas, conduzem, indubitavelmente ao progresso e expansão do Banco”.

Estamos agora em 1972, é o último relatório guardado em arquivo, conserva a mesma singeleza e guarda as distâncias de modo a que os comentários possam ser lidos como de alguém que procura evidenciar-se ou ter opiniões próprias:
“Durante o exercício findo o comércio teve oportunidade de realizar boas operações, sobretudo de artigos importados do estrangeiro, o que lhe possibilitou liquidar, com relativa facilidade, os seus compromissos assumidos e aumentar, de um modo geral, os stocks permanentes nos seus estabelecimentos.
A indústria deu agora o seu primeiro sinal ao iniciar a construção de uma fábrica de cerveja e refrigerantes, em que se prevêem investimentos da ordem dos 100 mil contos, e que é propriedade da Companhia de Cervejas e Refrigerantes da Guiné, SARL. Esta unidade fabril deve proporcionar à Província anualmente uma economia em divisas de algumas dezenas de milhares de contos, além de empregar muitos trabalhadores locais.
No campo agrícola, porém, pouco ou nada se avançou em relação aos anos anteriores. Foi necessário continuar a importar praticamente todos os bens de consumo, com o que se despenderam largas centenas de milhares de contos em cambiais. Na distribuição do crédito, procurou-se, e estamos certo que se conseguiu, aplicá-lo com a indispensável segurança, sem perder de vista os superiores interesses da Província”.

Conclui-se este apanhado de apreciações sobre os relatórios sobre os relatórios de Bolama e Bissau, entre 1917 e 1972 com duas informações encontradas nos dossiês.

A primeira prende-se com um hotel que se pretendia construir na Praça do Império, tinha sido ponderado o arranjo urbanístico da referida praça e o atual edifício da Associação Comercial, era um projeto arquitetónico francamente tropical, fazia-se uma descrição minuciosa das dependências constantes na cave, rés-do-chão e os três andares, com 53 quartos no total. Dizia-se que “o edifício será estruturalmente em pórtico de betão armado, com panos de enchimento de tijolo formando paredes duplas, na melhor protecção dos efeitos da temperatura e humidade exteriores e a cobertura será constituída por lajes maciças de betão tratadas hidrófuga e termicamente”.
Previa-se que o custo total do empreendimento fosse de 26 milhões de escudos.

A segunda é referente a um ofício enviado da filial de Bissau com o plano de obras para 1974-1975. Previa-se que no Verão de 1974 começasse a construção da delegação de Bafatá do BNU. O atual edifício de Bissau ia ser demolido e no mesmo local construído um novo, o projeto iria ser brevemente submetido à aprovação do município de Bissau, a Filial funcionaria provisoriamente num pavilhão.

E dos relatórios vamos agora passar para um outro volume de papel, por vezes bem impressionante, a documentação avulsa correspondente ao mesmo período.

Participação de doença de um funcionário público

Exemplo de uma mensagem cifrada do BNU

(Continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 29 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18790: Notas de leitura (1079): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (41) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18800: Notas de leitura (1080): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (7) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Anónimo disse...

também vi.
sem comentários.
vt/