Bissau, 1969 - G-91 R4, com bombas
1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69), com data de 6 de Junho de 2018:
Caro amigo Carlos
Como habitualmente, agradeço-te a publicação deste poste que considero de grande relevância para os camaradas que passaram pela Guiné. Embora de conteúdo técnico será de interesse para os camaradas e amigos terem mais e melhor percepção do protagonismo desta aeronave e de todo o pessoal que com ela lidou, Aviadores e Técnicos de manutenção.
Este é um artigo destinado a todos os que se interessam pela Aviação Militar, e muito em especial pelos Aviões de Caça antigos e que equiparam a nossa Força Aérea.
Descreve ao pormenor não só meras tecnicidades, mas também as razões porque este caça em particular foi criado, a intenção de o colocar ao serviço da NATO, e a razão por que Portugal “ganhou” a facilidade de o poder utilizar com grande êxito na guerra do Ultramar ou dita colonial.
Os detalhes técnicos do comportamento da aeronave em voo é da autoria do meu amigo e meu contemporâneo na Guiné Gen Pil/Av José Nico.
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Começaria então por dizer que o G-91 foi construído quando a guerra fria era muito quente e a possibilidade de um ataque das forças soviéticas estava sempre presente. Por isso a NATO quis equipar as forças aéreas dos aliados europeus com caça ligeiro, robusto e fiável, capaz de operar a partir de pistas improvisadas e que, além disso, introduzisse uma certa uniformidade visto que os meios que então equipavam as forças aéreas europeias primavam pela diversidade em todos os campos, desde a concepção passando pela operação e pela logística.
O G-91 nasce assim para cumprir requisitos NATO e é escolhido como o melhor entre outros projectos. Podemos assim afirmar que em 1960, para os requisitos que devia cumprir, era a melhor coisa que existia. O avião começou a ser fabricado para a RFA, Itália, Grécia e Turquia e só não teve mais compradores porque o projecto foi visto pela industria aeronáutica americana como uma grave ameaça à sua hegemonia. Foi por isso que os gregos e os turcos desistem do G-91 e aceitam em substituição os F-5 oferecidos pelos americanos. Foi a nossa sorte. E a sorte só não foi maior porque o modelo para os gregos e turcos tinha 4 metralhadoras 12,7 em vez dos dois DEFA 30mm. Embora não tenha provas documentais tudo leva crer que a NATO, dado o estado de tensão latente, entre os dois países, resolveu diminuir a letalidade dos aviões não fossem eles pegarem-se e acabarem a disparar com os DEFA uns contra os outros.
Quando tivemos de arranjar qualquer coisa para África, em 1965, os aviões que tinham sido encomendados por gregos e turcos estavam disponíveis e foi o melhor que conseguimos. Tinham apenas cinco anos e eram aviões perfeitamente actualizados para as tarefas que deviam cumprir.
BA 12, 1967 - Linha da Frente - Esquadra de Tigres
Em operação, provou ser robusto, fiável e de simples manutenção. Tinha a velocidade que devia ter e não devia, nem era necessário ter mais. Era para voar baixo e tudo o que podia ser atacado tinha que ser adquirido visualmente. Ainda por cima o inimigo raramente andava em campo aberto e o seu ambiente preferido era a cobertura da vegetação. Portanto quem pensa que a velocidade era muito útil engana-se. No nosso caso era útil quando havia fogo antiaéreo mas nas outras situações não.
Estava equipado com um sistema de reconhecimento fotográfico do melhor que havia naquela época, associado a um gravador de voz. Aqui o que falhava não era o avião. É que para obter informações de forma sistemática por reconhecimento fotográfico são necessários muitos aviões, horas de voo e muita gente no chão a explorar os filmes (pessoal de informações especializado). Não tínhamos nada disso e por isso o reconhecimento fotográfico foi sempre uma capacidade limitada.
Estava equipado com um sistema de navegação autónomo. Naquele tempo não havia, nem sistemas de inércia, nem de GPS. Todavia o G-91 estava equipado com um radar Doppler associado a um sistema PHI, o que era um grande salto em frente neste tipo de aviões. Na prática não nos serviu de nada porque, como era um sistema de primeira geração, era muito pouco preciso. Com ele não se conseguiu chegar a nenhum cruzamento de trilhos ou outra coisa qualquer de natureza pontual. A navegação tinha que ser feita confrontando o que se estava a ver no terreno com as cartas geográficas que utilizávamos.
Cockpit do Fiat G-91
Tinha uma cadeira de ejecção do melhor para a época. Foi a primeira em que o piloto se podia ejectar ainda no chão desde que que o avião tivesse 90 KIAS (knots indicated airspeed) de velocidade.
Resumindo, quando o recebemos o G-91 era um avião moderno e eficaz para as tarefas para que foi construído. Com o passar do tempo e o evoluir da indústria aeronáutica começaram a aparecer outros aviões melhor equipados, como é natural.
Ao fazer a análise do G-91 não podemos pôr de lado os requisitos a que devia obedecer e a tecnologia disponível. Não é razoável hoje em dia avaliarmos um avião de transporte construído nos anos cinquenta como o DC-6 com o Airbus 330 Neo.
Abraço,
Mário Santos
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Nota do editor
Último poste da série de 22 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18767: FAP (109): Testemunho sobre a minha ejecção na Guiné em 04OUT1973 (Alberto Roxo Cruz / Mário Santos)
13 comentários:
Obrigado, Mário...Como "infante", a andar sempre cá em baixo, em situações bem duras, sempre tive muito respeitinho e apreço pelos homens e mulheres do ar e pelas suas máquinas... Um Fiat G-91, nos céus da Guiné, era um grande alívio para os "infantes" que andavam no mato, ou mesmo nos quartéis, em situações de aperto... Tudo que voasse: Heli-canhão, T-6, D0-27, desde que pudesse aliviar o stress... Só odiávamos o PCV... LG
Quando tivemos de arranjar qualquer coisa para África, em 1965, os aviões que tinham sido encomendados por gregos e turcos estavam disponíveis e foi o melhor que conseguimos.
(Vou meter foice em seara alheia, porque fiz a minha comissão em Angola, numa companhia de caçadores, logo do Exército. Mas julgo estar em condições de poder afirmar o seguinte).
Em Angola não foram utilizados G-91; só na Guiné, primeiro, e em Moçambique, depois. Os caças a jato usados na guerra em Angola eram os velhinhos F-84G, de origem americana, que eram uns aviões difíceis de manobrar porque tinham as suas asas perpendiculares à carlinga, e não em flecha. A malta, na sua ignorância, chamava-lhes FIATs, mas não eram. Assisti a vários bombardeamentos feitos por F-84 nos Dembos e pareceram-me adequados à função de ataque ao solo, mas quem pode confirmar isto será alguém da Força Aérea. É claro que em Angola também eram usados os nossos conhecidíssimos Dornier DO-27. Na única operação helitransportada que fiz (e comandei), contei com o apoio aéreo de F-84G, DO-27 e helicanhão.
Na Wikipedia existe a seguinte página referente aos F-84: https://pt.wikipedia.org/wiki/Republic_F-84_Thunderjet.
Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alferes miliciano da C. Caç. 3535, do B. Caç. 3880, Norte de Angola, 1972-74
Caro Fernando Ribeiro.
O F-84 Thunderjet que também não conheci bem, foi um caça diurno, propulsionado por um único turbojato, Allison J35-A-29 produzido pela empresa norte-americana Republic Aviation Corporation.
Projetado durante a fase final da Segunda Guerra Mundial, o Thunderjet, que constituiu, conjuntamente com o seu contemporâneo F-80 Shooting Star, a primeira geração de caças a jato de produção norte-americana, voou pela primeira vez em 1946, mas apenas em 1949, com o modelo F-84D, foi considerado totalmente operacional, tendo atingido a plena maturidade com a sua versão F-84G em 1951. Como armamento usou 6 x metralhadoras M3 Browning, de 12,7 mm com 300 tiros por arma,Até 2050 kg de foguetes e bombas.
As limitações impostas em combate aéreo pelas suas asas retas conduziram ao desenvolvimento de uma versão de asas em flecha o F-84F Thunderstreak do qual surgiria uma versão destinada ao foto-reconhecimento o RF-84F Thunderflash. As versões de asas retas foram largamente usadas na Guerra da Coreia como caças bombardeiros, tal como na nossa antiga província de Angola com bem disse. Contudo, os de asas em flecha não chegaram a tempo de serem implementadas nesse teatro. Apesar disso, foram amplamente produzidas para a Força Aérea Americana e países aliados dos EUA, mantendo-se em serviço em alguns até 1974.
Espero ter contribuído para algum esclarecimento. Abraço.
Gostava que fosse esclarecido se o F-84 Thunderstreak sempre esteve ao serviço da FAP (ver meu Post P18760 de 26.Junho.2018 e respectivos comentários).
ATS
Muito obrigado pelas respostas e explicações. Bem hajam.
Em Angola, além dos DO-27, só vi em ação aviões F-84G Thunderjet (mas não Thunderstreak), que partiam da Base Aérea N.º 9, em Luanda, para operações de bombardeamento e/ou apoio a tropas terrestres na região dos Dembos, que se estendia por cerca de 300 km a norte e nordeste de Luanda. Ouvi dizer várias vezes que eles regressavam à base com o combustível nas últimas, depois de uma dessas operações. O Aeródromo Base N.º3, no Negage, também poderia servir a região dos Dembos, dada a sua proximidade geográfica (o Negage fica quase dentro dos Dembos), mas normalmente não servia. O AB3 servia os setores do Uíge e Zaire, a norte e noroeste.
No início da guerra também foram muito usados em Angola os PV2, mas quando eu fiz a minha comissão (1972-74), creio que já não havia nenhum ao serviço.
Um abraço
Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alferes miliciano da C. Caç. 3535, do B. Caç. 3880, Norte de Angola, 1972-74
Obrigado caro Mário são esses apontamentos que fazem entender a capacidade da nossa F.A.
na Guiné. Estive como Fur. Milº de Artª de 68 a 70. Em finais de 68 inicio de 69 um camarada Artilheiro Alf.Rey de Carvalho Cmdte do Pelotão de Artª em Cuntima perto de Senegal esteve a flagelar a noite toda a deslocação do IN até a chegada das nossas tropas que capturaram uma quantidade enorme de armamento(mais de 1 Ton). Foi um "RONCO" enorme que teve direito da visita do Gen Spínola, que fez questão de cumprimentar o dito Alf. Isto só foi possível com informação dada na hora pelos Fiat's que sobrevoavam a zona e viram que movimentação do IN era enorme. A partir de uma certa altura todos os objectivos da Artª. eram calculados com a colaboração de F.A.
Um familiar meu António Maria Craveiro Lopes Carneiro de Sousa e Faro Ten.PAV. frequentou em 1954 um Curso/Tirocínio de Jactos em Stº António-Texas-USA. Faleceu num acidente aéreo(Festival) em Monte Real a 28 de Fevereiro de 1955. é Outro apontamento para vossos registos.
Grande e forte abraço.
J.D. FARO
Caro José Diniz.
Provavelmente só nos AHFA (arquivos históricos da Força Aérea) haverá algo relacionado com esse evento. Em 1955, salvo erro, as aeronaves de acrobacia da F.A. eram os F-84G que segundo creio constituíram a primeira esquadrilha acrobática em Portugal. Podemos com toda a certeza no dia 19,quando do nosso convívio ficar a saber algo mais sobre o assunto. O nosso amigo Gen. Nico estará melhor documentado que eu para responder à questão. sei de um aviador ainda vivo que pertenceu a essa esquadrilha, mas não tenho qualquer relação com ele! Um senhor chamado Fernando Moutinho (Capitão Pil./Av. na situação de reforma)
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Abraço
Mário Santos
Caro Fernando Ribeiro.
PV-2 Harpoon, era um avião bimotor que equipou a FAP entre os anos de 1954 - 1975. Com um peso máximo à descolagem de 15.000 kg, alcançava a velocidade máxima de 518 km. Tinha um tecto máximo de 26.300 pés (8.020 m) e um raio de acção de 2.670 kms.
Foi utilizado em Angola em missões de bombardeamento, de reconhecimento armado e metralhamento e de apoio próximo às Forças Terrestres. Podia também ser utilizado no transporte ocasional de reduzido número de passageiros e carga. Dada a sua grande autonomia, era utilizado no patrulhamento armado da fronteira.
A tripulação era constituída por 2 pilotos, um mecânico de voo e um operador de rádio.
No início das hostilidades em 1961 em Angola, constituiu-se a Esquadra 91 na BA 9 em Luanda com 10 aparelhos PV-2, tendo estes aparelhos tido uma importante acção nas operações militares no norte de Angola de contenção dos elementos da UPA/FNLA, em complementaridade dos caças bombardeiros F-84G. Ficou para a história a acção deste tipo de aparelho e das suas tripulações no apoio às populações de Mucaba em Abril de 1961, refugiadas no interior do edifício da Igreja sem meios de defesa e cercadas por elementos da UPA. Chegado a Luanda o pedido de socorro a meio da noite, descolaram dois aviões PV-2 que não puderam actuar pelo fogo dadas as condições atmosféricas mas a sua presença mantendo-se a voar sobre a povoação contribuiu para que as pessoas não se sentissem abandonadas. De madrugada descolou um terceiro PV-2 que actuou pelo fogo, contendo a onda de assaltos que se preparava e permitindo que um Do-27 levando munições para os defensores da povoação pudesse aterrar na picada.
Segundo os registos voou até 1975....
Abraço,
Mário Santos
Caro Luís Graça.
Ainda não tive o gosto de o conhecer, não só para lhe dar os parabéns pelo magnifico blogue, mas também para lhe poder transmitir pessoalmente a grande admiração e respeito pela demonstração e grandioso sacrifício dos camaradas do exército na guerra do Ultramar.
Todos fomos importantes na defesa dos valores que ao tempo nos transmitiram e em que todos acreditámos.
Deixo as questões politicas de fora, porque sei que não está dentro do âmbito do blogue. Contudo nunca deixarei de dizer, que confundir regimes politicos com o estado nação que somos todos nós, foi de uma enorme leviandade.
Agradeço os comentários aos meus artigos, que serão sempre uma afirmação do sentido do dever; meu e de todos os camaradas de armas com quem tive o gosto de contemporizar.
Um abraço amigo do Mário Santos
Mais uma "achega" para o conhecimento dos acontecimentos de Mucaba.O PV2 que actuou de madrugada era comandado pelo então tcor, Diogo Neto.E um dos PV2 que rondou Mucaba sem poder actuar devido as condições atmosféricas era comandado pelo major Silva Cardoso comandante de P2V5 Neptuno.Mas que nessa noite respondeu ao apelo de Mucaba e descolou com um Pv2 tendo como co-piloto um furriel aviador cujo nome não me recordo,
Carlos Gaspar
Devo dizer ainda que embora o P2v5 de luta anti-submarina ao serviço da otan patrulhava também o atlântico na rotas para Africa onde os russos na altura já espiavam os nossos movimentos sobretudo marítimos.Acontece que o major se encontrava em transito por Luanda e isso não o impediu à`custa do seu descanso,responder à chamada voando muito mais horas para além do dever.E assim aconteceu com muitos sacrificando-se para o bem de outros.
Carlos Gaspar
Até o dia 19. Um abraço.
Prezado Mário Santos e restante pessoal,
Muito obrigado pelas respostas. A respeito dos PV2, eles pelos vistos continuaram a ser usados até 1975, sim, mas no Leste de Angola. Se, como o camarada diz, os PV2 eram dotados de uma grande autonomia de voo, faz todo o sentido que fossem utilizados no Leste de Angola, onde as distâncias eram incomensuráveis. «É já ali» equivalia a uma distância de mais de 200km... A página do AB4 (em Henrique de Carvalho) no Facebook é logo encabeçada por um PV2, numa fotografia de grande efeito: https://www.facebook.com/groups/126509240699332/
Um grande abraço
Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alferes miliciano da C. Caç. 3535, do B. Caç. 3880, Norte de Angola, 1972-74
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