sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5845: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (3): Operação Grande Ronco (1)

1. Mensagem de Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 17 de Fevereiro de 2010:

Camaradas e amigos, Luís Graça e co-editores, saudações guinéuas e “manga di mantenhas” deste algarvio.

Para que situações de maior relevância, da deslocação da CCaç 2381, de Ingoré para Aldeia Formosa, fiquem concluídas e numa forma resumida, seguem quanto baste algumas “estórias” do meu conhecimento e com intervenção activa, e serão ilustradas com fotos.

A coluna auto efectuada pela estrada Buba – Sinchã Cherno – Mampatá - Aldeia Formosa (Quebo), de 25 a 26/Jul68, denominada a Operação “Grande Ronco,” que ficou conhecida pelas NT como a coluna dos três obuses e para o IN a coluna das três chaminés.

Com um grande abraço deste amigo e camarada, subscrevo-me,

Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas,
Um Maioral


Operação Grande Ronco (1)

Parte 1


Todavia em Buba, os dias 23 e 24/Jul68 foram para executar o carregamento das viaturas com mantimentos, combustíveis, munições e bem como atrelar os obuses 14cm, que iriam incorporar a coluna para a Aldeia Formosa (Quebo).

No entanto, por fuga de informação, ouvia-se à surdina que o Major Carlos Fabião tinha dado conhecimento ao COMCHEF do inconveniente de fazer-se o percurso pela estrada de Sinchã Cherno - Mampatá, e que previam-se grandes dificuldades.

Dando como certo, o mau estado da estrada devido também à época das chuvas, aliado a estar minada, a pontes destruídas, e tendo em conta que há vários meses que não era usada pelas NT e nem patrulhada, o itinerário aconselhado seria pela estrada de cima, Buba - Nhala – Uane - Mampatá – Aldeia Formosa (Quebo), sendo o que tem sido utilizado e com condições para melhor progredir.

O Coronel Hipólito recebeu a mensagem “rádio,” dirigiu-se ao COMCHEF e transmitiu a dita.

O General António de Spínola retorquira como foi por informação do Comando de Buba, portanto não viu, por isso irá confirmar incorporando a coluna e como tal, são ordens para cumprir.

Por conseguinte o Coronel Hipólito chegara a Buba, por via aérea, trajando de camuflado com apresentação de pouco uso e numa situação inesperada.
Os diálogos que chegaram ao conhecimento, na sua essência são realçados e ajustam-se também aos factos que presenciara.

A 25Jul68 ao amanhecer e sob o Comando do Coronel Hipólito, organizou-se a coluna auto composta de 30 viaturas (foto 1) e denominada “Operação Grande Ronco”, em que a força executante era constituída pelas unidades a seguir indicadas:

- Dois GCOMB da CCaç 1792 - “Os Lenços Azuis”, sob o Comando do Capitão de Art Ricardo Rei;

- Dois GCOMB e Pelotão de Comando e Serviços da CCaç 2381, sob o comando do Capitão Mil Jacinto Aidos, hoje Coronel;

- Um Pelotão de Caçadores Africanos;

- Pelotão Fox 2022;

- Pelotão dos Morteiros 1242;

- Havia ainda o apoio aéreo de um DO27 e dois Bombardeiros T6.

Foto 1 > Guiné-Bissau> Região de Quinara> Buba> 1968; Uma viatura GMC, aguardando para fazer parte da coluna e em fundo o depósito de água. Em cima do capô na esquerda estou eu sentado, ao lado está um soldado condutor da CCaç 2382 e que voltei a vê-lo passados 41 anos, num almoço em Abrantes.

No momento opinado são dadas ordens para o início da marcha da coluna e pelo itinerário que foi imposto por teimosia do COMCHEF, lá seguimos nas calmas e segurança, ao ritmo da montagem da ponte móvel, da picagem da estrada e levantamentos de minas.

Contudo no percurso apanhámos um ataque de abelhas africanas (in wikipédia), idênticas a outras que existem no Algarve e que se chamam de “vespas serrenhas,” que se organizam em enxames, acolhessem-se em tocas e quando atacam fazem-no com grande profusão.

Como foram incomodadas atacaram a malta, causando alguma surpresa e havendo um certo descontrolo, tendo havido a suspeição do IN e por isso foram tomadas precauções de defesa.

Na ocasião, estando debaixo de uma árvore da chuva e casualmente, tinha colocado na cabeça a rede verde mosqueiro. Concluímos depois que as abelhas foram incomodadas, por um militar africano e pelo motivo de ter ido ao WC no mato. Estou a vê-lo a gritar e com pernas para que as quero, vindo do nosso lado direito, perseguido e a sacudir as abelhas, tendo eu moderado os movimentos e assim não me afectaram (experiência das brincadeiras com as vespas dos beirais).

Todavia o apoio aéreo detectara a presença do IN nas proximidades da coluna, e por via rádio foi dado o alerta, ficando nós na expectativa da iminência de emboscada e na preparação da pronta reacção (foto 2).

Chegámos à bifurcação de Sinchã Cherno, no desvio para Empada e Catió, com muitos atrasos na progressão.

Foto 2 – Guiné - Bissau> Região de Quinara > Sector de Buba > 1968 > Uma Secção da CCaç 2381, em progressão pelo flanco da testa de uma coluna.

À passagem por Sinchã Sherno, a 5.ª viatura, a do rádio das transmissões, desviou-se do trilho das que a antecediam e accionou por acidente uma mina AC (foto 8), tendo causado três feridos, em que o Operador do Rádio veio a morrer.

No momento do acidente, o Capitão Ricardo Rei ia de boleia na carroçaria da viatura e fora projectado “saltando-lhe o quico,” ficando todo mascarado de lama negra, pálido e confuso.

Foto 8 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) > 1968 > O que restou do Unimog sinistrado pela mina a/c (agora com colocação de rodado), a ser rebocado para a oficina(em fundo) a fim de ser desmantelado para peças sobressalentes. Na viatura, em cima e da esquerda, sou eu e os restantes são da CCaç 1792, o ex-1.º Cabo Condutor Auto, o ex-1º Cabo Mecânico Auto e um Condutor Auto; Em baixo, o ex-1.º Cabo Mecânico Auto José Luís Moreira, da minha Secção, e um Soldado da CCaç 1792.

Relativamente ao meu posicionamento na coluna, dado que era Mecânico Auto, foi minha a escolha de seguir de permeio da 6.ª viatura que levava um dos obuses e a 7.ª que ia carregada de cervejas, movimentando-me até à testa da coluna, por considerar a posição com mais concentração de pessoal e potencial de armas.
Condição que me permitira ocasionalmente ver a montagem da ponte móvel e o atrelar para reboque da viatura sinistrada.

Na circunstância, levei uma chamada de atenção pelo Comandante da Coluna, porque é que que eu não estava munido com a G3, e informei que esta ficara na viatura. No diálogo havido justifiquei, que na situação deparada não tinha condição de transportar uma caixa com ferramenta, com cerca de 25kg e também uma barra de ferro, caso levasse a arma em bandoleira seria uma grande atrapalhação. Concordou mas não muito convencido.

Presenciei os feridos a serem tratados, na difícil circunstância de emergência e primeiros socorros, com as intervenções dos Enfermeiros ex-1.ºs Cabos, Jorge Catarino (foto 3) e Zé Teixeira, da CCaç 2381 e outro decerto que pertencia à CCaç 1792.

Foto 3 > Guiné-Bissau> Região de Quinara> Sector de Buba> 1968;
Ex-1.º Cabo Enf Jorge Catarino, de Cardigos – Amêndoa, passando algures por uma bolanha e com a sacola dos primeiros socorros.


Nada mais incomoda a quem trabalha, senão a presença daqueles que nada fazem, e por isso fui posicionar-me no meu lugar de referência.
Contudo com o aproximar do pôr-do-sol fez-se silêncio, depois passara um camarada e transmitiu que o radiotelegrafista morrera. Esta fora uma situação que afectara a todos. Sentíamo-nos impotentes, pois poderia também vir a ser a nossa vez.
Não havendo comunicações com o exterior, estávamos isolados num teatro de guerra e não era viável qualquer solução com os rádios bananas.

Antes do acidente e dada a hora, o apoio aéreo regressara a Bissau (foto 4). Inversamente, não éramos procurados por falta de condições de orientação nocturna e de segurança.

Como foi possível fazer-se uma coluna – auto tão extensa e em condições tão difíceis, só com um Rádio de Transmissões e infelizmente foi no que deu. Para grandes males grandes remédios e a partir desta situação já começara a haver o equipamento de dois rádios.

Foto 4 > Guiné-Bissau> DO 27 de regresso à Base Aérea n.º 12 – Bissalanca.

Com a chegada da noite não haviam condições para prosseguir a picagem para detecção de minas e o campo de visão era quase nulo para intervenção, devido às projecções dos faróis das viaturas e ficaríamos em zona iluminada. Ordem para ficarmos estacionados e em posição de defesa, ninguém fuma, nem está de pé, luzes apagadas e silêncio total.

Alta noite estando cansado, mal alimentado (uma ração de combate) e sacando as cervejas que estavam ali à mão no camião (e foram muitos os que fizeram o mesmo), fiquei emboscado num grupo de quatro camaradas, sendo dois metropolitanos e dois africanos. Por conseguinte estando estendido no capim, deu-me uma pancada de sono e combinámos fazermos turnos de duas horas, ficando dois de atalaia, sendo um metropolitano e um africano.

De madrugada aparecera um “pobre rato tágafe” (termo depreciativo algarvio), em que pelas cervejas em falta na viatura e dado que estava ao pé da mesma, era eu o responsável, segundo ele.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5699: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (2): Deslocação de Ingoré para Quebo

1 comentário:

cancela disse...

Camarada Estorninho.
É so para te relembrar,que nessa coluna dos obuses entre buba e o quebo,eu tambem lá estive,e,pertencia á cc.2382,e no teu poste equeces-te de a mencionar,daí o meu reparo.
Pergunta ao Teixeira enfermeiro.
um abraço caro maioral

zé manel cancela