1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Setembro de 2021:
Queridos amigos,
Só muito crescidinho é que passei a visitar este palácio onde é marcante a influência italiana na arquitetura, que passou a ser habitado por D. Luís e a sua família, mais tarde adaptado a museu e biblioteca. Se nas pinturas do teto, na magnificência dos seus soalhos, há sinais evidentes de décadas de decoração anteriores a 1862, é bem claro que coube a Maria Pia de Sabóia o papel de refinar o gosto do espaço habitado pela família real. Tenho tido a sorte de ir vendo ao longo das décadas intervenções de grande qualidade, há cada vez mais espaço recuperado, é um gosto ir ao site do Palácio e de estudar as suas publicações, todas elas de grande qualidade. O que penso que falta para estimular visitas mais frequentes é uma forma de captar a atenção para o espaço da biblioteca e dos jardins, a visita convencional é só aos espaços interiores do palácio, todos ganharíamos se se desse uma possibilidade ao visitante de visitar mais. Agora há que aguardar por novembro, pela inauguração do Museu do Tesouro Real.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (16)
Mário Beja Santos
A partir dos meus 12 anos, sobretudo nos fins de semana ensolarados, a minha mãezinha que Deus tem organizava passeios culturais e era inevitável a visita a museus, igrejas, capelas, havia a descrição das praças, até da Cerca Fernandina. E consigo guardar memória de visita ao Museu Nacional de Arte Antiga em que a Baixela Germain estava bem encardida, os tapetes puídos no Museu de Arte Contemporânea, até a Igreja de São Roque não era credora das cuidadas intervenções que tem hoje. E lembro-me perfeitamente de ela me ter dito que era o cabo dos trabalhos ir visitar o Palácio Nacional da Ajuda, que não estava aberto ao público. Pus mãos à obra, fui ler uma descrição de Norberto Araújo sobre o Palácio Nacional da Ajuda numa edição do então Secretariado de Propaganda Nacional (que teve a sua vitalidade entre meados dos anos 1930 e princípio dos anos 1950, transmudou-se em SNI). O palácio era então museu e biblioteca. O ilustre olisipógrafo refere os antecedentes, um palácio existiu no século XVIII e depois as inúmeras adaptações introduzidas na segunda metade do século XIX, passou a ser uma residência real permanente a partir de 1862. Vestíbulo com 47 estátuas de estilo italiano, fatura de artistas portugueses, centenas de salas e de dependências. O palácio, por essa época, era lugar de algumas receções e cerimónias de grande gala. Ali tinha sido recebido Alberto da Bélgica, acompanhado do príncipe Brabante, o futuro Leopoldo III. Enumera os Salões dos Arqueiros, do Porteiro da Cana, do Dossel, da Espera, do Despacho, da Música, de Mármore, de Sax, os Salões Vermelho, Verde e Azul, a Sala de Jantar, a Sala do Trono, o Salão de D. João V, a Sala do Corpo Diplomático, dos Embaixadores. Conclui dizendo que todas estas divisões guardam numerosos objetos de arte e um rico mobiliário. E seguidamente descreve a importantíssima biblioteca que ainda hoje não é de fácil acesso, mas que é património magnífico. Peguei seguidamente no guia do palácio organizado por Isabel da Silveira Godinho, data de 1988, era ela diretora do monumento nacional. Fala-nos da Real Barraca que antecedeu o projeto arquitetónico interrompido com a ida da família real para o Brasil, diz-nos quais as residências da família real enquanto decorrem os trabalhos do palácio e ficamos a saber que coube a Joaquim Possidónio Narciso da Silva, arquiteto da Casa Real, a decoração e a organização de todos os espaços destinados ao casal D. Luís e D. Maria Pia de Saboia. Mesmo com a chegada do casal continuaram os trabalhos de decoração, a rainha era infatigável, fizeram-se inúmeras encomendas e daí o visitante ser hoje deslumbrado com uma imensidão de obras de arte e rutilantes artes decorativas da segunda metade do século XIX. A rainha Maria Pia ficou sempre a viver no palácio, na companhia do Infante D. Afonso, o rei D. Carlos vivia nas Necessidades usando exclusivamente o Palácio da Ajuda para as cerimónias oficiais. Com o Estado Novo, o palácio foi transformado em museu e só mais tarde é que abriu ao público.
Serve este preâmbulo para indicar que ao longo dos últimos anos tenho vindo a apreciar excelentes intervenções, algumas delas obras de mecenato, tetos repintados, substituição de tecidos, restauro de obras. O visitante entra pela Porta dos Arqueiros, segue-se a Sala do Porteiro de Cana e depois a Sala das Tapeçarias Espanholas, antiga Sala de Audiência, aqui se encontram tapeçarias executadas seguindo o desenho de Francisco Goya, oferecidas pela Coroa Espanhola por ocasião do casamento do futuro D. João VI com Carlota Joaquina de Bourbon. A sala tem vindo a sofrer alterações, seguramente que aqui se realizaram algumas receções de pompa, não é por acaso a enorme quantidade de cadeirões.
Surpreendem as sedas, os adamascados, as tapeçarias, há uma sala de passagem com retrato do rei D. Carlos pintado por Malhoa, segue-se a Sala do Despacho, muito provavelmente os salões seguintes têm sido objetos de redecoração, será o caso da Sala de Música, onde se davam concertos de música de câmara, vemos violoncelos e uma harpa, há o retrato de D. João VI a cavalo, vitrinas com peças decorativas das coleções de D. Luís e D. Maria Pia. No centro um piano de cauda. E passa-se para a antiga câmara de dormir de D. Luís, vou comparando as diferenças entre 1888 e a atualidade, o que se pode dizer é que tem havido muita intervenção e muito restauro, porventura muito rigor na colocação do mobiliário e dos objetos, de acordo com a lógica de quem dele usufruiu ao seu tempo.
Percorrem-se mais umas salas, as denominadas Salas Azul, em carvalho, o Jardim de Inverno, a Sala de Sax e a Sala Verde, a Rosa, para ser sincero com o leitor, sei que algumas estão para obras e outras estavam fechadas, assim se chegou à Sala de Jantar da Rainha e depois à Sala de Bilhar, não me lembro de ter visto o Ateliê de Pintura do rei D. Luís, sei que em dado momento entrei num vasto corredor que me levou ao andar superior, aí me aguardava o grande fausto. Antes, porém, estive na capela de D. Maria Pia, tudo em estilo neogótico, tudo muito severo, mas tocante. Não queria deixar de falar do Quarto da Rainha D. Maria Pia, pejado de quadros de membros da sua família, mobiliário riquíssimo, em ébano, a cama com baldaquino, tudo muito ao estilo de Napoleão III, no baldaquino em madeira dourada e esculpida temos as armas da rainha.
A idade já não ajuda a dar o máximo de atenção às salas com motivos chineses, com estilo império, com tapeçarias Gobelins, há sala de receção do corpo diplomático, havia notícia de restauros recentes na Sala do Trono, para ali avancei. Como se pode ver, é uma sala de grandes dimensões, ocupa o espaço que corresponde ao Torreão Sul do palácio. O teto é magnífico, consta que a intenção dos pintores foi exaltar a Majestade, o Rei D. Miguel. A sala é iluminada por um grande lustre em cristal e bronze cinzelado, de 180 velas, não faltam jarrões alemães e chineses, é patente a pompa e circunstância e daqui vou diretamente para a Sala de Banquetes, também imponente pelas suas dimensões e decoração, teto com uma alegoria ao aniversário do nascimento do rei D. João VI, é neste espaço que ainda hoje se dão banquetes de Estado. E creio que o leitor, caso ainda não tenha apanhado a fase dos últimos restauros, fique com a curiosidade acicatada para se ir deslumbrar com estes últimos faustos da monarquia que o sistema republicano não desdenha em determinadas solenidades.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 11 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22534: Os nossos seres, saberes e lazeres (467): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (8) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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