sábado, 11 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22534: Os nossos seres, saberes e lazeres (467): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (15) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
Depois da Lourinhã e de Sines, andei por aí, o mês de agosto em Lisboa é sempre aprazível, pouco ruidoso e dando facilidades a participar em eventos sem o risco das enchentes. Lá fui para a Ajuda, queria ver as transformações operadas no fechamento do palácio e ver ainda a distância onde vai ficar o Museu do Tesouro Real. E daqui parti para esta riquíssima exposição que tem o dom de bem comunicar o que foi o reinado da Senhora Dona Maria da Glória, fadada para ser uma princesa do Brasil, o destino trocou-lhe as voltas, D. Pedro reivindicou o trono de Portugal, seguiu-se uma terrível guerra civil, D.ª Maria II ascendeu ao trono e bem confrontada foi com ultimatos, ameaças, revoltas, levantamentos, período bem acidentado que culminou com o fim do Cabralismo e o advento da Regeneração. Todas estas peripécias aqui aparecem plasmadas e bem retratados os atores principais, desvelam-se objetos e documentos, o sucesso da exposição é permitir ao visitante captar em grande angular o reinado desta mulher que bem gostava de ser dona de casa e estar muito tempo ao pé dos filhos. Uma exposição que vale ouro, até pelo ouro que vamos ver, riquezas é coisa que ali não falta...

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (15)

Mário Beja Santos

Há muito que sentia a curiosidade de “acompanhar mais de perto” o reinado da Senhora Dona Maria da Glória, sobre a qual há a dita de profusos trabalhos de historiografia. Saber algo mais, e sequenciado, através da imagem, dos documentos e dos objetos desta princesa nascida no Brasil e catapultada para o trono de Portugal. Vida atribulada, o pai imperador do Brasil e a fazer dela a rainha do trono dos avós. Casa com um príncipe alemão em plena mocidade, logo viúva, e com a mão destinada ao tio, El-Rei D. Miguel, o das touradas e o filho mais querido de D.ª Carlota Joaquina, rei absolutista, que repudiou a mão da sobrinha e se envolveu numa tremenda guerra civil que terminou na Convenção de Évoramonte, e partiu para o exílio. A escolha de novo marido recaiu em novo mancebo alemão, de nome Fernando, vindo da família Saxe-Coburgo-Gota, do ramo católico, ter-se-ão amado profundamente, tiveram uma filharada.
Ora a exposição patente na Galeria do Rei D. Luís, no Palácio Nacional da Ajuda, até fins deste mês, é um verdadeiro acontecimento cultural, um evento museográfico e museológico de grande qualidade, recomenda-se que não se perca a oportunidade de acompanhar o itinerário desta princesa do Brasil até ao falecimento quando deu à luz o seu 11º filho. O cartaz do evento é belo, vejam-se as imagens da Coroa, do estandarte real e o quadro do príncipe-consorte, a quem tanto o país ficou a dever, alcandorou os padrões culturais, preservou património, concedeu bolsas, devemos-lhe o Palácio Nacional da Pena e muitíssimo mais.


A escolha de objetos ajuda-nos a compreender certos acontecimentos históricos, será o caso destas porcelanas comemorativas de viagens de D. Miguel. A jovem rainha e o seu marido vão ser de imediato confrontados com acesas disputas entre as linhas liberais, cartistas e vintistas, introduzem-se reformas de vulto, lembremos Mouzinho da Silveira e Passos Manuel, é uma linha de atuações ou promessas de tirar o país da letargia do Antigo Regime, do clericalismo fanático, lançar bases de progresso na indústria, no comércio e na agricultura. Irão confrontar-se líderes de diferentes matizes, Saldanha, Costa Cabral, Palmela, aparecem retratos expressivos na exposição, coincidem com todo este tremendo e avassalador período de revoltas como a da Maria da Fonte, levantamentos como a Patuleia ou a Setembrada. Na Câmara dos Pares os adversários insultavam-se, de todos eles Costa Cabral foi o bombo de festa, o mínimo que lhe chamavam era ladrão, era constantemente desafiado a explicar como da pobreza disparara para a vida opulenta, até uma boa parte do Convento de Cristo comprou, para assinalar que era Conde e depois Marquês de Tomar. No tomo do regime constitucional, D.ª Maria II e o futuro rei D. Fernando II procuravam aplacar as ondas, mas todo este período turbulento se prolongará até à Regeneração e ao Fontismo, já com novas lideranças régias
Esta senhora, a infanta Isabel Maria, não aparece por acaso. No meio das convulsões, das insubordinações de D. Miguel, do seu exílio, do seu regresso e aclamação como rei absolutista, esta infanta teve um especial papel moderador, procurou dignificar pela regência o que devia ser o real cumprimento pela exemplaridade, buscou consensos, e daí a bonita imagem que deixou, mereceu por direito próprio ter aparecido nesta exposição.
Aqui estão alguns dos protagonistas, D. Miguel, Saldanha, Palmela ou Costa Cabral, por exemplo, têm todo o direito a estar no palco, para o melhor ou para o pior mas em parte do reinado desta monarca que adorava a vida familiar, educar os filhos e andar com aquela ranchada entre Lisboa e Sintra, vendo o desvelo com que o marido preparava o príncipe real para futuras funções, como veio a suceder. D. Pedro V foi um monarca profundamente dedicado à busca da modernidade do país, uma tifoide levou-o precocemente, deixando uma admiração sem limites.
Uma exposição que cumpra literalmente o que promete tem sucesso assegurado. É o caso desta, veja-se aqui a jovem princesa, o seu pai imperador e a sua madrasta, quem diria as voltas do destino, os vendavais que iria encontrar como monarca constitucional; a leitura permanente que a exposição permite da vida do seu reinado e os símbolos artísticos que falam desta realeza, de uma rainha que aceitou o peso das suas funções sem nunca perder o gosto de acompanhar a educação dos filhos e viver todos os momentos disponíveis na companhia do seu amado marido. E parto desta exposição bem agradado, agora vou visitar o palácio onde viveu um dos seus filhos, D. Luís, depois os netos e os bisnetos, aqui findou a monarquia, a 3 de outubro de 1910 houve um jantar precipitado em honra do presidente do Brasil, D. Manuel partiu para Sintra e depois para Mafra, e da Ericeira para o exílio.
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22511: Os nossos seres, saberes e lazeres (466): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (7) (Mário Beja Santos)

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