quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2173: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (4): O capitão de 2ª linha Abna Na Onça, régulo de Porto Gole

Guiné > Zona Leste > Cuor > Missirá > 1966 >Alguns elementos do Pel Caç Nat 54 e da CCaç 1439 (sedeada em Enxalé), após o ataque ao destacamento de Missirá de 22 de Dezembro de 1966 (1).

Foto: © Henrique Matos (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Beja Santos, enviada a 23 de Julho último ao Henrique Matos, com conhecimento aos editores do blogue:

Assunto: Surpresa para o Queta: o Queta responde! (2)

Querido 1º Comandante, o Queta sentou-se diante do computador, surgiu a imagem, ele ficou especado, o silêncio era de cortar à faca,depois, com a calma do costume, deu a sua opinião. Trata-se do régulo do Enxalé, o Capitão Abna Na Onça ( escrever-se-á assim?).

Seria Capitão da Polícia Móvel, morreu em 1967, no destacamento de Bissá (entre Porto Gole e Mansoa), uma roquetada que matou 7 dentro de uma cubata. Por favor, responde.

Hoje, trabalhei com o Queta as nossas memórias de Finete e os meses de Novembro e Dezembro de 1969, em Bambadinca. Não foi um período muito feliz, o 52 passou a ser um carro-vassoura, as emboscadas à volta da pista de aviação deram-me cabo do sistema nervoso. Um abraço do Mário

2. Resposta do Henrique Matos, no mesmo dia:

Assunto - Resposta ao Queta

Caríssimo:

Não há dúvidas que a memória do Queta está em ordem. Trata-se realmente do Capitão de 2ª linha Abna Na Onça, que era régulo de Porto Gole (não do Enxalé) e comandava a Polícia Administrativa, um grupo de pouco mais de 20 elementos que tinha uma farda esverdeada e estava armada com Mauser. Era um homem muito respeitado, não me esqueço que os soldados do 52 o tratavam por pai.

Morreu em Bissá (ele e muitos outros), um chão balanta dominado pelo IN, onde alguém se lembrou de montar um destacamento sem o mínimo de condições (3).

O Cap Mil Pires, um operacional de excepção, que comandou a 1439 (do Zagalo) no Enxalé e que infelizmente já não está entre nós, disse quando o major de operações de Bambadinca falou em abrir aquele destacamento:
- Bissá vai ser um inferno.
Ele sabia o que dizia.

Não sei se um dia vamos ter de falar sobre as asneiras que se fizeram, só porque um senhor sentado num gabinete com todas as mordomias tinha uma ideia e não conhecia minimamente o que passava no terreno. Isto saiu assim de rajada só para te responder ainda hoje.

Um grande abraço, Henrique

________

Notas dos editores:

(1) Vd. posts anteriores:

14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2105: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (1): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte I)

14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2107: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (2): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte II)

6 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2158: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (3): O famigerado granadero do Enxalé, da CCAÇ 1439 (1965/67)


(2) Vd. posts de:

30 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1329: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (22): A memória de elefante do 126, o Queta Baldé

20 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2063: Álbum das Glórias (24): O pretoguês Queta Baldé, uma memória de elefante e um grandecíssimo camarada (Beja Santos)


(3) Vd. post de 1 Maio de 2005 > Guiné 69/71 - X: Memórias de Fá, Xime, Enxalé, Porto Gole, Bissá, Mansoa (Abel Rei)

(...) Em 15 de Abril de 1967,, as NT sofrem um duro revés em Porto Gale… 7 mortos:

Dia trágico, este, para quantos se encontravam no 'Inferno' de Bissá!

Em Porto Gole, estando de serviço à meia-noite, ouvi fortes rebentamentos, e enormes clarões, lá para as bandas de Bissá. Contudo não pude averiguar ao certo o local, onde durante mais de uma hora [houve] constante tiroteio (...). Procurámos entrar em contacto pela via rádio, mas eles não deram sinal, pelo que deduzimos ser alguma operação apoiada com os obuses de Mansoa, como muitas vezes estamos habituados (...).

De manhã, e como estava previsto, saíram os homens, que na véspera tinham chegado, mais alguns deste destacamento, cuja missão era levar para Bissá um abastecimento de alimentos e munições (...).

Partiram às seis e às sete chegaram cá civis para nos informarem de que Bissá tinha sido atacado e havia feridos a necessitarem de ser evacuados de helicóptero, pois o rádio deles estava avariado desde o princípio e não podia dar comunicação para nós, e o nosso, naquele momento para cúmulo do azar, também não obteve ligação com o Comando em Enxalé, tendo de ir pessoal em duas viaturas até lá levar a mensagem, demorando portanto, o socorro.

Por volta do meio-dia e picos, chegou o primeiro helicóptero, e para espanto nosso, com mortos e não feridos, como supúnhamos! Depois mais três aterragens: foram sete mortos no total, todos africanos.

Houve mais cinco feridos, sendo quatro nativos do Pelotão da Polícia Administrativa, e um branco da nossa companhia, que foi evacuado para Bissau.

Mas aconteceu o que não esperávamos, e eu confesso: apesar de estar cá há pouco tempo, vieram-me as lágrimas aos olhos. Houve choro de todos, com gritos e desmaios das mulheres que, como que adivinhando o que aconteceu, entraram de rompante dentro do destacamento, numa altura em que procedíamos à pesagem de peixe fresco chegado do rio...


Tinha morrido um capitão de 2ª linha, mais seis homens nativos, todos pertencentes à Polícia Administrativa e todos eles com as famílias cá na Tabanca em Porto Gole. Morria o homem, em quem se tinham fortes esperanças, para acabar com a guerrilha inimiga na zona, o capitão Abna Na Onça, por ser corajoso e respeitado por negros e brancos. Um homem que desde o início da guerra vinha enfrentando, com máxima inteligência, aqueles que o fizeram sofrer, matando-lhe toda a família (...).

2 comentários:

Luís Graça disse...

Infelizmente, temos ainda pouca informação sobre a temível Polícia Administrativa do tempo colonial... Segundo o testemunho de alguns dos meus soldados africanos da CCAÇ 12, a começar pelo Abibo Jau (que será fuzilado no Xime depois da saída das NT da Guiné), a Polícia Administrativa de Bambadinca terá feito, em colaboração ou não com a PIDE, parte do "trabalho sujo" realizado no início da guerra, em que parte da populaçã dos regulados de Xime, Badora, Cuor, Corubal, etc. na região de Bambadinca - teve de abandonar as suas tabancas, tomando partido pelo PAIGC ou pelas autoridades portugueses... Esse tempo de terror, cujas marcas ficaram no terreno (bastva passar por Samba Silate, pel Poidon...), está por conhecer, por estudar... Muito provavelmente nunca chegaremos a saber a extensão e a profundidade da tragédia... Refiro-me à violência de um lado e de outro, que os tipos do PAIGC também nunca foram meninos de coro, apesar da estatura moral e intelectual de Amílcar Cabral.

Anónimo disse...

... que, Abna Na Onça, capitão de 2ª Linha em serviço na Polícia Administrativa da Província da Guiné, morreu no sábado 15 de Abril de 1967. A título póstumo, foi agraciado com uma Cruz de Guerra de 1ª Classe (vd Ordem do Exército, 2ª Série , nº 14, de 1967)