quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19476: Recortes de imprensa (101): o desastre do Cheche, no rio Corubal, ocorrido na manhã de 6/2/1969 (Diário de Lisboa, 8 de fevereiro de 1969, p. 1)






Diário de Lisboa, 8 de fevereiro de 1969, p. 1




Citação:
(1969), "Diário de Lisboa", nº 16573, Ano 48, Sábado, 8 de Fevereiro de 1969, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_7148 (2019-2-6)



Fonte: Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 06597.135.23237 | Título: Diário de Lisboa | Número: 16573 | Ano: 48 | Data: Sábado, 8 de Fevereiro de 1969 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Edição: 2ª edição | Observações: Inclui supl. "Diário de Lisboa Magazine". | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa.

(Com a devida vénia...)


1. A notícia chegou tarde às redações dos jornais. O "Diário de Lisboa", que se publicava à tarde,  deu-a em título de caixa alta só na 2ª edição, dia 8 de fevereiro de 1969,  que era um sábado. Fez ainda uma 3ª edição. (*)

De qualquer modo, o jornal limitava-se a transcrecever a notícia dada pela agência oficiosa L [Lusitânia], com proveniência de Bissau e com data de 8 de fevereiro... As autoridades da província (leia-se: o general Spínola) levaram dois dias a recolher e a tratar a informação...

Omite-se, por certo intencionalmente, por razões de segurança militar, os seguintes elementos factuais:

(i) o "acidente" ocorreu na manhã de 5ª feira, dia 6 de fevereiro de 1969;

(ii) no  final da Op Mabecos Bravios, ou na seja, na sequência da retirada do aquartelamento de Madina do Boé e do destacamento de Cheche..

Os jovens de hoje não sabem o que era isso, mas  os jornais (o "Diário de Lisboa" e os outros) eram "visados pela censura": havia uns senhores todo poderosos, em geral militares, coronéis do exército ou equivalentes,  que tinham um "lápis azul", e que passavam a pente fino, previamente (ou seja, antes da publicação), todas as notícias que saiam na imprensa escrita. 

A grande maioria dos portugueses na época, e nomeadamente os da nossa geração, nascera já no Estado Novo, o regime de Salazar (e depois Caetano),  pelo que não sabia o que era a  liberdade de imprensa, escrita e falada...

O título de caixa alta,  "Desastre na Guiné", da responsabilidade do editor do jornal, era suscetível de causar alarme e consternação, nomeadamente entre as famílias dos militares que estavam então no TO da Guiné: 47 mortos (militares, em rigor 46 militares e 1 civil guineense) era o balanço do "trágico acidente".

Eu estva em Castelo Branco, no BC 6, a dar instrução militra, como 1º cabo miliciano, e em véspera de ser mobilizado. A  notícia deste desastre mexeu comigo... A notícia da minha mobilização chega a 27 desse mês...Na noite seguinte, às 3h41 ocorre o violento sismo de magnitude 8 na escala de Richter (, o maior depois de 1755), com epicentro no mar, a sudoeste do cabo de S. Vicente, na planície da Ferradura, se fez sentir em Portugal, Espanha e Marrocos. Eu nessa noite dormia o "sono dos justos"..

Mas, voltando à notícia da agência Lusitânia:  houve logo a preocupação, pelo menos, por parte do "governo da província da Guiné", de dar o núnero exato de mortos e desaparecidos (não se faz a distinção, fala-se em "vítimas") e listar os seus nomes

O balanço era, de facto, trágico: na lista das 47 vítimas, por afogamento (, parte das quais nunca chegarão a ser encontradas), constavam: 

(i) 2 furriéis milicianos; 

(ii) 7 primeiros cabos; 

e (iii) 38 soldados (na realidade, um dos nomes era de um civil). 

Mas os termos da notícia eram lacónicos, secos, quase telegráficos, como  de resto era habitual nos comunicados oficiais ou oficiosos em assuntos "melindrosos" como este:

"Na passagem do rio Corubal, na estrada para Nova Lamego, afundou-se a jangada que transportava uma força militar, havendo a lamentar, em consequência deste acidente, a morte, por afogamento, de 47 militares".

E a notícia ficou por ali: não se voltou a falar do "trágico acidente", nas edições seguintes, nem muito menos o jornal se podia dar ao uso de, por sua conta e risco, mandar à Guiné uma equipa de reportagem para aprofundar o assunto... Voltou-se à rotina da atualidade nacional e internacional, e os nossos valorosos camaradas que estavam na Guiné lá continuaram a "aguentar o barco" por mais cinco anos...

Para não dar azo, entretanto,  a perigosas  especulações, o ministro do Exércitofoi nomeou (e mandou de imediato para o CTIG) o cor cav Fernando Cavaleiro, um militar prestigiado,  o "herói da ilha do Como" (1964), infelizmente já falecido,  a fim de instruir localmente o processo de averiguações. Não sabemos quanto tempo levou a instrução do processo, mas temos um resumo das conclusões preliminares do cor cav Fernando Cavaleiro, publicado no jornal "Província de Angola", em data desconhecida, conforme recorte que nos foi enviado pelo nosso camarada José Teixeira, e que já aqui publicámos em poste de 25 de julho de 2015 (**).

Cinquenta anos depois, ainda não tivemos acesso ao relatório original (, nem sabemos se existe cópia no Arquivo Histórico-Militar), mas tudo indica que há nele erros factuais graves, permitindo ytirar conclusões enviesadas que acabam por escmotear, ignorar ou branquear a responsabilidade do 2º comandante da operação, que ultrapassou o oficial de segurança, o alf mil Diniz. 

Hoje sabemos que, na última e trágica viagem, em vez de 2 pelotões, a jangada levou o dobro, contrariamente as regras estabelecidas pelo alf mil Diniz... Mas este era o "elo mais fraco" da cadeia hierárquica e acabou por ser ele o "bode expiatório" de toda esta história que ainda continua mal contada...

2. Hoje comemoram-se os 50 anos deste trágico evento... E muita água ainda há-de ainda passar sob as pontes do rio Corubal até que se saiba a verdade ou toda a verdade sobre esta tragédia que ensombrou o primeiro ano do consulado do Spínola. 

Ainda está por realizar o prometido encontro do nosso editor Luís Graça com o ex-alf mil José Luís Dumas Diniz (, da CART 2338), responsável pela segurança da jangada que fazia a travessia do rio Corubal, em Cheche, aquando da retirada de Madina do Boé. Uma peça fundamental neste feliz encontro foi (e vai ser) o ex-alf mil trms, Fernando Calado, da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), membro da nossa Tabanca Grande, e meu contemporâneo da Guiné (estivemos juntos, em Bambadinca, entre julho de 1969 e maio de 1970). Foi o Fernando Calado que me pôs em contacto com o José Luís Dumas Diniz.Dificuldades de agenda, de parte a parte, ainda não nos permitiram fazer o encontro a três.

___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19447: Recortes de inprensa (100): para a história da luta dos deficientes das Forças Armadas: a manifestação em Lisboa, de 20 de setembro de 1975 (Diário de Lisboa, 22/9/1975)

6 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Creio que foram feitas averiguações sobre este acidente.
Desconheço os resultados concretos e creio que ninguém foi punido.
Daquilo que tenho ouvido, parece-me que podemos concluir que tudo se deveu ao "improviso/desenrascanço" dos portugueses.
Uma jangada que tinha por finalidade passar umas centenas de homens e respectivas viaturas, afunda-se porquê?
O rio sofreu bruscas alterações de caudal ou corrente?
Se as condições naturais não se alteraram, só podemos ir para uma situação de "erro humano". Qual e de quem, nunca saberemos. Da jangada nada resta. Por mim e numa opinião que vale o que vale, direi que se improvisou e, se calhar, demasiado. E isso é que foi o mau.
Era necessário fazer uma guerra barata. Por isso improvisava-se e isso teve custos nesta e noutras situações.

Um Ab.
António J. P. Costa

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... citando:
- «Comemoram-se os 50 anos deste trágico evento.»
Me seja consentido brevísismo reparo.
Uma tragédia, evoca-se; não se comemora.

Tabanca Grande Luís Graça disse...


comemorar | v. tr.

co·me·mo·rar
verbo transitivo

1. Lembrar.

2. Trazer à memória.

3. Solenizar, recordando.


"comemorar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/comemorar [consultado em 07-02-2019].



evocar | v. tr.

e·vo·car - Conjugar
(latim evoco, -are, chamar a si, mandar vir)
verbo transitivo
1. Chamar (para fora).

2. Chamar para que apareça.

3. Reproduzir uma imaginação.

4. Trazer à lembrança.

5. [Direito] Transferir (uma causa) de um tribunal para outro.

6. [Direito] Chamar a si o conhecimento de uma causa ou de uma demanda.

Confrontar: avocar.

"evocar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/evocar [consultado em 07-02-2019].

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

A mim parece-me que se evoca algo que pode ou não ser agradável.
Contudo não se evoca o nosso aniversário, excepto depois de morrermos.
O nosso aniversário, como data de alegria, comemora-se.
Está arreigado ao acto de comemorar/celebrar qualquer coisa de bom, de positivo ou de agradável.
A evocação será algo mais relacionado com qualquer coisa que não foi muito alegre e, neste caso até heróico.
Creio que os católicos evocam e comemoram a morte de Cristo e isto diz tudo sobre a matéria...

Um Ab.
António J. P. Costa

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... caro editor Luís Manuel da Graça Henriques, agradecendo esse seu copy>paste cibernético, queira notar que, bem sabendo eu bem distinguir uma comemoração de uma evocação, aqui não vim apreciar "o sexo dos anjos" nem terçar argumentário radicado em mera semântica, sendo óbvio que ao responsável editorial compete a escolha do enquadramento que bem entenda.

Carlos Pinheiro disse...

Depois do desastre, cairam na minha unidade dois sobrevivente da CCAC 1790. Dizia-se que foi notado na última viagem que uma das três canoas que suportavam a jangada estaria raxada. Mas a viagem fez-se na mesma. O desastre terá sido por esse dequilibrio, ou pela deslocação do pessoal quando se ouviram tiros do outro lado? A tragédia aconteceu.