1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Outubro de 2016:
Queridos amigos,
Os relatos de Luís de Cadamosto são reveladores de um viajante curioso que tudo anotava, tinha que prestar contas a quem autorizara a viagem (o Infante D. Henrique) e seguramente que queria trazer notícias rigorosas para Veneza (se havia ouro, quais eram as trocas desejáveis, quais os itinerários da navegação). Tudo leva a querer que esteve próximo do que é hoje a Guiné-Bissau, mais seguro foi a viagem de Pedro de Sintra que se aproximou da Serra Leoa. Se pudemos contar, ainda com as reticências de que o cronista hagiógrafo, com o documento de Zurara sobre o descobrimento da Guiné, Cadamosto introduz uma observação complementar de alguém que buscava mercados e queria conhecer as gentes para saber o que podiam oferecer para a troca e o que esperavam dos barcos que ali aportavam. Mal sabia Cadamosto que em breve o comércio vai de ser de carne humana.
Um abraço do
Mário
Viagens de Luís de Cadamosto e de Pedro de Sintra (3)
Beja Santos
É nesta segunda viagem que Cadamosto chega ao que é hoje a Guiné-Bissau. Avistaram o rio Casamansa, atingiram o Cabo Roxo e mais adiante chegaram ao rio de S. Domingos. Houve um completo desentendimento na comunicação: “Vendo nós que estávamos em país novo, e que não podíamos ser entendidos, concluímos que passar para diante era inevitável”. No entanto, conseguem comprar anéis de ouro, descobrir que há uma agricultura um tanto semelhante à que encontraram nos países acima, mas aqui há pouquíssimo ouro. Cadamosto sente-se surpreendido pelas marés, pelos terrenos subitamente alargados e escreve: “Há, naquela terra, maré montante e vagante, como acontece em Veneza, o ímpeto da corrente da dita maré, quando começa a encher, é quase incrível”.
Convém recordar que as duas viagens de Cadamosto decorreram poucos anos antes da morte do Infante D. Henrique. D. Afonso V, ciente da natureza do projeto henriquino e do ponto a que chegara o conhecimento do litoral africano, manda duas caravelas armadas e o Capitão era Pedro de Sintra, Escudeiro do rei. Cadamosto encontra Pedro de Sintra em Lagos, Pedro de Sintra conta ponto por ponto todas as terras que haviam descoberto e os nomes que lhes tinham posto. Pedro de Sintra chegara à Guiné. As coisas ter-se-ão processado da seguinte maneira. Passaram o Cabo da Verga, e navegaram ao longo da dita costa, pelo espaço de 80 milhas, aproximadamente; descobriram um outro cabo que é o mais alto cabo que até hoje fora avistado, e a meio desse cabo forma-se uma ponta aguda e alta, a modo de ponta de diamante e todo ele está cheio de altíssimas e verdes árvores.
Puseram nome a este cabo, o Cabo de Sagres, em memória de uma fortaleza que fez o Infante D. Henrique, a qual é propriamente uma das pontas do Cabo de S. Vicente, à qual se pôs o nome de Sagres. E é chamada pelos portugueses Cabo de Sagres da Guiné. No relato nota-se de que se já está a falar de uma realidade comum à Senegâmbia, falam de pessoas idólatras porque adoram estátuas de madeira com forma de homens e os negros quando comem ou bebem oferecem de comida aos ídolos. E escreve-se: “São igualmente pretos, mas têm uns sinais feitos com ferro em brasa, tanto na cara como no corpo; são mais depressa pardos do que pretos. Não tem armas, por não haver ferro nas suas terras. Sustentam-se de arroz, milho e legumes, isto é, fava e feijões, de qualidade diferente dos nossos e muito maiores e mais belos. Têm carne de vaca e de cabra, mas não em muita quantidade. Tem esta gente as orelhas todas furadas, com buracos em toda a volta, nos quais buracos trazem vários aneizinhos de ouro, um em seguido ao outro; também têm o nariz furado por baixo, no meio, e aí trazem um anel de ouro, de pendurado, como trazem os nossos búfalos”.
Prossegue a viagem e do Cabo de Sagres da Guiné atingem a Serra Leoa.
Este o essencial dos relatos das duas viagens de Cadamosto e do que contou Pedro de Sintra. Insiste-se que o historiador Damião Peres contesta a descoberta de algumas das ilhas do arquipélago de Cabo Verde como Cadamosto menciona e exibe críticas altamente desfavoráveis a começar por Duarte Leite e Fontoura da Costa. E após uma exposição de críticas e de muitos argumentos contra, Damião Peres observa: “A hipótese formulada por Crone, afirmando não existir razão alguma que impeça ter-se realizado em 1456, na viagem em que participou Cadamosto, o encontro das ilhas cabo-verdianas, embora se admita que o melhor reconhecimento delas, preparador da sua colonização foi realizado em 1459 ou data próxima por Noli, talvez acompanhado por Diogo Gomes”. Dito de outro modo, e à luz dos conhecimentos em meados do século XX, não se exclui que Luís de Cadamosto tenha estado nalgumas das ilhas mas só anos depois é que se considera a sua descoberta e colonização a partir da viagem de Noli e provavelmente acompanhado por Diogo Gomes.
Pedro de Sintra terá viajado desde a foz do rio Geba até uns quilómetros além do Cabo Mesurado, mas já teria anteriormente navegado por lá em vida do Infante D. Henrique. Não nos esqueçamos que ao tempo das comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné (1946) Teixeira da Mota escreveu um dos seus textos mais importantes sobre a descoberta, contestando a hipótese de Nuno Tristão. Mas deixaremos a apresentação deste assunto para mais tarde.
Mapa da Senegâmbia em 1707
____________Notas do editor
Postes anteriores de:
21 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19425: Notas de leitura (1143): Viagens de Luís de Cadamosto e de Pedro de Sintra (1) (Mário Beja Santos)
e
28 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19449: Notas de leitura (1145): Viagens de Luís de Cadamosto e de Pedro de Sintra (2) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 1 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19459: Notas de leitura (1146): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (71) (Mário Beja Santos)
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