Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 28 de janeiro de 2019
Guiné 61/74 - P19449: Notas de leitura (1145): Viagens de Luís de Cadamosto e de Pedro de Sintra (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Outubro de 2016:
Queridos amigos,
Cadamosto não engana ninguém, vinha à procura de fazer negócios, fareja ouro por tudo quanto é sítio, traz a bordo negros apresados noutras viagens, com o objetivo de comunicar com as populações nativas que encontram. Por vezes, o acolhimento é bárbaro, sente-se a hostilidade, a fama daqueles viajantes não é das melhores.
As duas viagens de Cadamosto, tendo a segunda sido acompanhada de uma caravela do Infante D. Henrique possibilitaram um texto carregado de interesse mas que é alvo de enorme e interminável discussão quanto ao facto de Cadamosto ter chegado ao arquipélago de Cabo Verde ou não.
Damião Peres, que comenta esta edição da Academia Portuguesa de História, deixa no ar a hipótese de Cadamosto ter estado nalgumas ilhas de Cabo Verde.
Um abraço do
Mário
Viagens de Luís de Cadamosto e de Pedro de Sintra (2)
Beja Santos
Luís de Cadamosto, ou Alvise da Ca da Mosto, viajou na região da Guiné em 1455 e 1456. Era um comerciante veneziano, foi atraído pelas riquezas, acabou seduzido pelo que encontrou, mal sabia a polémica que iria gerar a respeito de ter escrito que descobrira algumas ilhas de Cabo Verde. Na obra a que já fizemos referência, edição da Academia Portuguesa de História, edição comemorativa do V Centenário da Descoberta da Guiné, o autor confessa a sua motivação para a escrita:
“Tendo eu, Luís de Cadamosto, sido o primeiro que da nossa nobre cidade de Veneza se resolveu a navegar o Mar Oceano para fora do Estreito de Gibraltar, nas Terras dos Negros da Baixa Etiópia, nem por memória nem por escrituras nunca dantes navegado – e, neste meu itinerário havendo visto muitas coisas e dignas de algumas notícia, para que aqueles que de mim vierem a descender possam saber qual tenha sido o meu ânimo em haver-me posto a procurar diversas em vários lugares, determinei dar notícia disso”.
Cadamosto já negociou com Budamel, segue para a Gâmbia, tem notícia que aqui se encontrou grande quantidade de ouro. Passa junto a terra firme de nome Cabo Verde e revela que os primeiros que o acharam foram os portugueses talvez um ano antes de eu ir a essas partes, “o acharam inteiramente verde pelas grandes árvores que estão verdes todo o tempo do ano”.
E rende-se à pujança da paisagem:
“Nunca vi mais bela costa do que esta que se me ofereceu; a qual é banhada por muitas ribeiras e rios pequenos e sem importância. Esta costa é habitada por dois povos: Barbacins e Sereros, também negros mas não sujeitos ao rei de Senega. São grandes idólatras, não têm nenhuma lei e são homens muito cruéis; empregam o arco e frechas, e atiram-nas com venenos. São homens muito pretos e bem encorpados. O seu país está cheio de mato, e é abundante em lagos e águas; e, por isso, se têm por muito seguros, porque lá não se pode entrar se não por passos estreitos e por isso não temem nenhum rei nem nenhum senhor das redondezas”.
A viagem prossegue aprazível e ele regista:
“Correndo, com vento largo, pela dita costa, seguindo a nossa viagem para o Sul, descobrimos a boca de um rio, com a largura, talvez, de um tiro de arco, o qual rio se chama o rio dos Barbacins. E navegando chegámos à boca de um rio o qual mostrava não ser inferior ao sobredito rio de Senega. Lançámos ferro e deliberámos mandar a terra um dos nossos turgimãos, porque todos os nossos navios tinham turgimãos pretos, trazidos de Portugal, os quais turgimãos são escravos negros vendidos por aquele senhor de Senega aos primeiros cristãos portugueses que vieram descobrir o país dos Negros”.
O turgimão negro vai a terra e é morto à machadada, não houve conversas. Prosseguiu a viagem e chegaram à boca do rio de Gambra, é uma viagem cheia de peripécias rio acima, apercebem-se da hostilidade de quem os acompanha por terra.
E relata poeticamente:
“Neste país, de manhã, ao romper do dia, não há nenhuma aurora com o nascer do Sol, assim que desaparece o negrume da noite, logo se vê o Sol. Por serem agentes do litoral tão rudes e selvagens, não pudemos vir à fala nem negociar coisa nenhuma. Não passámos mais para diante porque os nossos marinheiros não nos quiseram acompanhar. Pelo que, no ano seguinte armámos, mais uma vez, duas caravelas a fim de percorrer mais uma vez esse grande rio. Tendo ouvido dizer o senhor Infante D. Henrique sem licença do qual não podíamos ir, que tínhamos tomado esta deliberação, muito lhe aprouve; e armou uma caravela sua para que viesse a nossa companhia".
Depois da Canária viajam sempre para o Sul e chegam ao Cabo Branco e então topou-se com terra. Terão descoberto ilhas, não lhes deram nome nem estão identificadas. Matam e cozinham tartarugas: “Pareceram-me bom manjar, quase tanto como carne branca de vitela”.
Cadamosto pensa ter chegado ao arquipélago de Cabo Verde, como escreverá Damião Peres nos comentários à obra o debate é interminável, as opiniões estão divididas mas não é de excluir que ele tenha aportado em algumas ilhas. Conseguem contactar com nativos no rio de Gambra, país de Gambra e o principal senhor da região que se chamava Farosangoli, que estava subordinado o imperador do Mali. Havia muitos senhores que viviam junto ao rio e em conversa com um negro este ofereceu-se para os levar a um desses senhores. Foi assim que chegaram ao lugar cujo nome era Bati Mansa. Descobriram que havia pouca quantidade de ouro. Cadamosto expende larga opinião sobre os idólatras e crentes de Maomé. Trouxeram uma pata e parte da tromba de um elefante ao Infante D. Henrique e assombraram-se com um bicho desconhecido a que puseram o nome de peixe-cavalo, não é mais do que o hipopótamo. E a viagem prosseguiu pelo Casamansa.
(Continua)
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Notas do editor
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2 comentários:
Aos olhos de hoje, estes navegadores e outros, ao serviço do diabo, na figura do Infante D. Henrique, andaram apenas a ensinar as rotas melhores e mais rápidas para os europeus povoarem de escravos negros, as terras do novo mundo, as américas.
Estava o mundo tão sossegadinho, e veio esta gente insignificante acordar três continentes, africa, ásia e américa e criar os diabéticos europeus com montanhas de torrões de açúcar produzido por milhões de escravos africanos.
Toda a gente que habitava a margem direita do tejo,no caso, o velho do Restelo, sabia que estas viagens iam acabar em favelas da "Rocinha", "covas da Moura", sem água canalizada e sem luz eléctrica, tudo pior do que o velho do Restelo imaginava.
E ainda querem alguns, comemorar a viagem das viagens, a volta ao mundo do Magalhães, que ainda teve tempo de chegar às Filipinas, onde o mataram, mas já não o mataram a tempo que ainda levou até lá a doutrina de Roma e a Imelda Marcos.
Rosinha
Mas, o mais interessante foi ter sido um civilíssimo inglês a despoletar o grande negócio do tráfico negreiro.
Qual valha-me deus, qual carapuça. Nem umas palavrinhas... não fossem prejudicar o negócio dos doces conventuais.
Até o p. Vieira apenas se referia aos índios.
Agora, está aí novamente o mesmo negócio, só que agora é para as plantações de morangos na Espanha e noutras hortas da europa.
Valdemar Queiroz
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