quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19454: Historiografia da presença portuguesa em África (147): “As Colonias Portuguezas”, por Ernesto de Vasconcellos; A Editora, Lisboa, 2.ª edição, 1903 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Outubro de 2016:

Queridos amigos,
Datam da transição dos século XIX para o século XX alguns documentos de excecional valia sobre o conhecimento científico, em diferentes quadrantes, da colónia da Guiné. Tendo em conta o que escreve este professor da Escola Naval, oficial da armada e conceituado hidrógrafo, era muito rudimentar o conhecimento etnográfico, etnológico e antropológico; não se conhecia a superfície do território nem número de habitantes, faziam-se estimativas a olho ou porque disseram. Mas ao nível da hidrografia Ernesto Vasconcellos revela-se uma águia, quanto ao mais reconhece imensas potencialidades da Guiné para a agricultura. Não deixa de ser curioso que a omissão dos recursos piscícolas é clamorosa, parece que ninguém fazia ideia das riquezas daquelas águas da plataforma continental.

Um abraço do
Mário


A Guiné no livro "As Colonias Portuguezas", de Ernesto Vasconcellos

Beja Santos

Ninguém desconhece que a literatura divulgativa sobre o Império Português deu um salto enorme decorrente da Conferência de Berlim, da criação da Sociedade de Geografia de Lisboa, das expedições e missões científicas que permitiram o mapeamento e o melhor conhecimento dos territórios. Ernesto Vasconcellos, Capitão-de-Fragata, hidrógrafo e antigo lente da Escola Naval, deu à estampa na transição do século uma obra destinada a um melhor conhecimento das parcelas do império: “As Colonias Portuguezas”, A Editora, Lisboa, 2.ª edição, 1903. É desta obra que extraímos as considerações que o autor faz sobre a Guiné.

A situação geográfica: “A Guiné, também impropriamente chamada Senegâmbia Portuguesa, pois não fica entre os rios de Senegal e a Gâmbia, está situada na Costa Ocidental de África, entre as bacias hidrográficas dos rios Casamansa e Compony”.
E tece as seguintes observações sobre o termo Guiné: “A denominação de Guiné e a sua divisão em Guiné Superior e Inferior, aquém e além do Equador, caiu em desuso. O termo Guiné proviria primitivamente aos portugueses do termo Guini, que tinha a importante cidade da bacia hidrográfica do Jolibá e que era centro de grande comércio”.
Sinceramente, procurei Jolibá e nada encontrei de substantivo. Mais adiante o autor afirma que a superfície da colónia é de 11.384 quilómetros quadrados, o que dá conta que na transição do século, e mesmo depois da Convenção Luso-francesa de 1886, ninguém conhecia ao certo a superfície da Guiné. Como hidrógrafo, não perde oportunidade para mostrar os seus conhecimentos: “O Litoral da Guiné é formado por terras baixas, recortado por inúmeros cursos de água, esteiros ou braços de mar, deixando entre si várias ilhas e ilhetas no meio das quais se destaca o arquipélago de Bijagós, composto de muitas ilhas, sendo a maior de todas Orango. Uma densa mata cobre em geral as costas, tornando difícil a sua conhecença e dando às ilhas, quando vistas à distância, o aspecto de tufas de verdura, dispersos aqui e acolá, erguendo-se sobre as águas”.
E procede à exaltação da hidrografia: “É da máxima importância, a ponto de, quase só por si, constituir uma rede fluvial que põe em comunicação os principais centros da província. Esta rede divide-se, anastomosa-se por tal forma, cortando e separando as terras em outras tantas ilhas e ilhetas que, semelhantes a blocos dispersos, fazem com que os estuários da Guiné apresentem na sua parte inferior uma formação idêntica à dos fiordes das costas da Noruega, a ponto de se poderem considerar devidos à acção das geleiras que, na época glaciar, descessem das altas montanhas do Futa Djalon, depositando-se nas águas esparceladas (?) de entre o Gâmbia e a Costa da Malagueta, dando origem ao arquipélago dos Bijagós e outros".

Passando para a economia, revela-se minimamente informado: “Pode considerar-se uma região apta a largas plantações que a transformariam numa colónia de plantação e comércio. Arroz e milho são à base da alimentação de quase todas as tribos indígenas. É curioso e talvez único o sistema agrário da Guiné. O rendeiro ou proprietário contrata os homens para o amanho do seu terreno, empresta-lhes a semente e proporciona-lhes, por adiantamento, meios de vida durante o tempo em que se faz a germinação. Chegada a época da colheita, o trabalhador não tem que dar quota alguma dela, obriga-se apenas a vender ao proprietário o remanescente dessa colheita, depois de lhe pagar as despesas feitas durante o período de trabalho. O proprietário é portanto o comerciante, o engajado é que é o lavrador. Este sistema é principalmente usado para a cultura da mancarra, e o gentio que mais se engaja nela é o manjaco”.
Mas não deixa igualmente de observar que a Guiné possui terrenos apropriados para o cultivo do açúcar e do tabaco.

Quanto à fauna, destaca o gado vacum, o lanígero, o caprino e o suíno; nas planícies abundariam o antílope e o elefante e com alguma abundância o lobo, a pantera e os macacos.

Não esconde as dificuldades em conhecer ao certo a população guineense, alega a falta de elementos estatísticos, dizendo que há quem atribua uma população de 820 mil almas, baseando-se este cálculo nas informações de pessoas práticas do país. Para o autor este número era superior à população do Senegal e Rios do Sul e sem nos explicar qual o critério que levou à sua ponderação, fixa a população guineense em 67.165 habitantes, número que para ele não deve andar muito longe da verdade.
Será bom hidrógrafo mas os seus conhecimentos de etnografia eram muito rudimentares: “As raças que habitam a província são 10, que se subdividem em várias tribos. As mais fortes e mais distintas raças são Fulas, Mandingas e Beafadas, andam de há muito em lutas persistentes por causa da reivindicação dos territórios”.
A Guiné compunha-se de um concelho, o de Bolama, também sede do governo da província e havia comandos militares em Bissau, Cacheu, Geba e Cacine. Quanto às povoações mais importantes, avança com os seguintes nomes: Bolama, Bissau, Cacheu, Farim, Geba, Buba e Cacine.

É bom termos acesso a estes documentos, avivam-nos a convicção de como tão pouco sabiam da Guiné, da sua geografia, da sua etnografia, da sua antropologia, do número efetivo dos seus habitantes. Vão chegar neste período governadores que ensaiarão a pacificação e a ocupação do território que se consagrará mais tarde, depois de Teixeira Pinto. Investigadores como Marcelino Marques de Barros trazem a cultura guineense até Portugal, as etnias, as línguas, a realidade do crioulo. Os mapas vão melhorando e chegou o momento azado para vos mostrar os mapas que, por gentileza da Sociedade de Geografia de Lisboa, usei na capa e na contracapa do meu livro “História(s) da Guiné Portuguesa”. Trata-se da carta da Guiné Portuguesa datada de 1899 na escala de 1:500 000 e na contracapa um belíssimo carta holandesa do século XVIII.


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Nota do editor

Último poste da série de23 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19430: Historiografia da presença portuguesa em África (145): Meu Corubal, meu amor (5) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Cherno Baldé disse...

Caro amigo MBS,

A referencia que o autor faz de "Joliba" é uma traduçao do Francés "Dioliba" e diz respeito ao rio Niger que no Mali e Niger, nas linguas locais (Bamana, Fula e Maninka) assim o chamam (o grande rio), devido a sua grande extensao, cobrindo varios paises da sub-regiao.


Com um abraço amigo,


Cherno Baldé