domingo, 27 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19444: Blogpoesia (605): "Andorinhas de Lisboa", "Fugacidade da vida" e "As calçadas de Lisboa", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Lisboa - Calçada de São Francisco
Com a devida vénia a Wikimedia Commons


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Andorinhas de Lisboa

Caravelas de saudade vão e vêm a Lisboa.
Poisam nos beirais. Soluçando de alegria de voltarem.
Ali moram os seus ninhos.
Abrigados da intempérie.
Ali nascem seus filhinhos
E aprendem a voar.

Em bandos pelas ruas, sobre os ares,
pintam o céu, com volutas harmoniosas,
infalíveis ao milímetro.
São o regalo dos alfacinhas enquanto giram pelos passeios.

Poisam alinhadas sobre os fios, cantarolando lenga-lengas.
Planam aprumadas pelas encostas,
desde o Castelo à Baixa.

E, pelas horas mortas da tardinha,
rasam o chão em cabriolas.
Parecem folhas secas desgarradas que o vento atroz despegou em lufadas, de rancor.

Alegres mensageiras da Primavera que só o Outono faz regressar às suas terras.

Ouvindo "Concerto Aranjuez" - II. Adagio - Pablo Sáinz Villegas - LIVE
Berlim, 25 de Janeiro de 2019
Jlmg

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Fugacidade da vida

No princípio é o infinito. Dá para tudo, até para a ociosidade.
Joga-se ao faz de conta. E, no fim, dá sempre certo.
É alto e pleno o monte das ilusões.

Fazemos tudo para ganhar e ser melhor que todos.
Sofremos com a derrota.
A vingança é uma companheira oculta e disfarçada.

Havemos de ganhar. Dê para o que der.

Sobram forças na algibeira. As pernas correm como gamos.
Os braços são hercúleos.

Adoramos uma refeição farta.
Bebemos até cair ao chão.
Insaciável nosso apetite.
Rebuscamos sabores.
Caimos na gulodice dos rebuçados.
Um para cada momento.

A pouco e pouco, tudo desvanece.
A memória vai esquecendo cada vez mais.
A vista enfraquece.
Vêm os óculos e as diopterias.
Ficam opacos os ouvidos.

Vestir as calças de pé já não é fácil, sem um encosto.
Pede-se que nos apertem os cordões dos sapatos.
Os pés ficam longínquos.

Os cabelos os levou o vento.
Impiedosamente.
Já não temos o desvelo de nossa mãe.

Cá por dentro se sente o fim à espreita.
E, rico ou pobre, é esta a nossa condição.
Ninguém lhe escapa.

Bar do Edecka em Berlim, 23 de Janeiro de 2019
14h58m
Jlmg

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As Calçadas de Lisboa

Vetustas e cansadas sobem e descem as calçadas de Lisboa.
O que elas sabem das horas mortas de ida e vinda do trabalho das gentes sãs e laboriosas.
Ruas estreitas e apertadas entre prédios com janelas e varandas.
Onde o sol pálido só entra enviezado e a sombra chove o dia todo.

Com lojas e oficinas que fazem de tudo.
Mercearias e cafés.
Quiosques e escaparates.
Tantos maços de cigarro que dizem matar quem os comprar e se vendem tanto.
As vitrinas que se vestem e despem ali à vista, sem vergonha.

Leitos mortos onde se deita a madrugada.
E cirandam os vadios que, há muito,
por desgraça ou por destino,
ficaram sem eira nem beira.

Tantas histórias elas guardam.
Lindas heranças que vão passando,
de pais a filhos e dão orgulho à vizinhança.

Ouvindo Carlos Paredes

Berlim, 22 de Janeiro de 2019
8h40m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19421: Blogpoesia (604): "Escuridão da mente", "As voltas da vida" e "Regressar a Lisboa", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim, Lisboa, vista de Berlim e ao som da guitarra de Carlos Paredes, tem ainda mais encanto, magia e sortilégio!... Um alfabravo!... Luís

Fernando de Sousa Ribeiro disse...

Ai essas saudades de Lisboa sentidas em Berlim, camarada Mendes Gomes! E como tão bem sabes exprimir essas saudades! Lisboa, a cidade das sete colinas e das calçadas sem conta, é uma cidade cheia de magia, até para um tripeiro empedernido como eu.

Quanto às andorinhas, elas lá andam a voar pelos céus da África Austral, esperando pela chegada da primavera a estas paragens europeias para fazerem mais uma viagem através de todo o continente africano. A mim, o que me causa mais espanto é a capacidade que tão pequenas criaturas têm de conseguir atravessar uma extensão tão vasta e tão árida como é o deserto do Sara! Ah, é verdade, durante a minha comissão em Angola também vi andorinhas! As mesmíssimas andorinhas que alegram os fins de tarde de verão aqui em terras lusas. São raras em Angola, mas consegui ver algumas por lá.

Só mais uma coisa: o Concerto de Aranjuez não é de Albinoni, compositor veneziano do séc. XVIII, mas sim de Joaquín Rodrigo, compositor espanhol do séc. XX que era cego. Todo o Concerto de Aranjuez é lindíssimo, mas este andamento do meio, então, é sublime. Quanto ao Carlos Paredes, nunca é demais ouvi-lo. Nunca cansa. Foi um génio.

Um abraço

Fernando de Sousa Ribeiro, alf. mil. da C.Caç,3535, do B.Caç.3880, norte de Angola 72-74

Carlos Vinhal disse...

Caro Fernando Sousa Ribeiro, muito obrigado pela chamada de atenção. Fui na onda, pelo que peço desculpa pela incorrecção. Já removi a indicação da autoria da obra.
Aqui fica a ligação para a Wikipédia para dissipar qualquer dúvida: https://pt.wikipedia.org/wiki/Concerto_de_Aranjuez
Abraço
Carlos Vinhal
Co-editor

Joaquim Luís Mendes Gomes disse...

Tendes razão. Um lapso. Joaquim Rodrigo. Quando dei conta já tinha seguido. O que importa é que é lindo...Um grande abraço.
Joaquim