sexta-feira, 21 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24239: Notas de leitura (1574): "Seis Irmãos em África", segunda edição; Porto, 2017; edição de autor, mas os autores são seis: Fernando, Rogério, Dálio, Carlos, Álvaro, Abílio, quem compilou os textos foi o Abílio, trata-se dos manos Magro que percorreram diferentes paragens africanas (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
O que há de mais tocante nesta coletânea de memórias dos seis irmãos Magro é que todos revertem a dor para aqueles pais que os viram partir. É uma junção de memórias, nada de gente gloriosa a contar atos de bravura, aliás todos se puseram de acordo com o mano que dentro dos seis mais penou, isto se independentemente de amanuense, enfermeiro ou engenheiro, terem vivido os seus dissabores e entradas inesperadas em teatros de guerra como o amanuense Abílio Magro que não sabe muito bem o que foi fazer a Cacine onde se refugiara gente vinda de Gadamael, no furor de uma ofensiva do PAIGC. Prima a boa disposição na generalidade das narrativas, a alegria de estarem vivos, o amargor das manas terem morrido. É certo e seguro que esta saga dos seis irmãos em África surpreenderá muita gente.

Um abraço do
Mário



Os seis manos Magro, façanha única, foram todos à guerra (2)

Mário Beja Santos

A obra intitula-se "Seis Irmãos em África", segunda edição, Porto, 2017, edição de autor, mas os autores são seis: Fernando, Rogério, Dálio, Carlos, Álvaro, Abílio, quem compilou os textos foi o Abílio, trata-se dos manos Magro que percorreram diferentes paragens africanas. Nasceram entre 1936 e 1951, a casa paterna, repleta de juventude, ficou num espaço de dois ou três anos, vazia. Do Fernando e do Rogério, o primeiro na Guiné e o segundo em Angola, falou-se no texto anterior (aliás, o Fernando Magro tem sido presença assídua no blogue). Vamos começar pelo Dálio Valente Magro, alferes miliciano de Engenharia, Companhia de Engenharia 2686, Marrupa, Moçambique, 1970/1972.

Fez Mafra e a Escola Prática de Engenharia em Tancos, e depois colocado no Regimento de Engenharia N.º 1, Pontinha. Foi aqui que ocorreu uma peripécia de todo o tamanho, na apresentação o comandante de unidade perguntou-lhe se era familiar de José Magro, respondeu-lhe que era natural que fosse, o comandante invetivou: “O senhor sabe o que está a dizer! O José Magro é um reputado comunista que se encontra preso e, por conseguinte, não quero cá pessoas com esse carácter!” Volta a Tancos, com a finalidade de frequentar o curso de minas e armadilhas, fora mobilizado para Moçambique. Segue para Sta. Margarida, junta-se à sua companhia que vai para Moçambique. O capitão de Engenharia apareceu em Moçambique, virá a ser substituído por um outro que na vida civil era engenheiro na Câmara Municipal de Aveiro. Dálio é bastante divertido, deixa-nos muita poesia de gosto popular e não é nada agreste nos relatos que faz das colunas, diverte-se com brejeirices, lembra-nos os ataques das abelhas, uma bebedeira de caixão à cova do comandante de companhia, ilustra todo o seu depoimento com GMC e Berliet reduzidas a sucata.

Carlos Alberto Valente Lamares Magro era cabo-especialista da Força Aérea e andou pela Henrique de Carvalho e Luso, comissão de 1970 a 1972; antes andou pela Ota e Tancos e posteriormente à Angola voltou a Tancos e S. Jacinto entre 1973 e 1974 (ofereceu-se como voluntário), havia que cumprir seis anos de serviço militar. Recebeu em Tancos formação em mecânica de helicópteros, foi colocado na Base Aérea n.º 9, na manutenção dos PV2 e depois no Aeródromo Base n.º 4 em Henrique de Carvalho, mais tarde no Luso. Deixa-nos uma recordação:
“Numa das muitas evacuações em que participei, o helicóptero vinha cheio de pessoal ferido e, durante duas horas, tive de vir de cócoras a segurar para cima, por causa do sangue, a perna de um soldado que tinha ficado sem o pé no rebentamento de uma mina.” Não esqueceu de nos contar a sua faceta de caçador e faz uma referência à operação Siroco, que se realizou em sucessivos anos no Leste de Angola com comandos, fuzileiros e paraquedistas, a FAP dava a sua colaboração.

E assim chegamos ao quinto irmão, Álvaro Valente Lamares Magro, primeiro-cabo de enfermagem integrado na CART 3493, Mansambo/Bambadinca e o Hospital Militar de Bissau, 1971/1974. Inicialmente mobilizado para Moçambique é desmobilizado e novamente mobilizado para a Guiné onde desembarca no final de dezembro de 1971, tinha à sua espera o irmão Fernando, que prestava serviço no Batalhão de Engenharia n.º 447. Andou perdido no mato no decurso de uma operação militar, em fevereiro de 1972. O irmão Fernando envidou esforços para que o Álvaro fosse para o Hospital Militar de Bissau, lá se conseguiu uma troca devido a um cabo-enfermeiro punido por roubos. O Álvaro era o quinto filho a vir para a guerra, a mãe faleceu pouco tempo depois, ainda o Álvaro não tinha chegado à Guiné.

E chegámos a Abílio Valente Lamares Magro, furriel-miliciano amanuense, colocado no serviço de Justiça do Quartel-General do Comando Territorial Independente da Guiné. Coadjuvava um alferes-miliciano que era responsável por processos de doenças, ferimentos e mortes em serviço, em campanha ou em combate; mas também fazia de sargento da guarda, sargento de piquete e até segurança noturna à PIDE/DGS. Esteve na Guiné entre 1973 e 1974, aqui chegado tinha à sua espera o irmão Álvaro. Descreve as suas funções, tudo com bonomia, recorda o major Leal de Almeida, que participou na operação Mar Verde, mesmo contrafeito e não esquece as provações que experimentou em Cacine, mandaram-no apresentar no cais do Pidjiquiti, entregaram aos amanuenses duas máquinas de escrever, a viagem não foi muito simpática, a receção foi um vaivém de helicópteros a fazer manutenções, eram feridos provenientes de Gadamael. O ambiente era de grande tensão, com fuzileiros especiais e paraquedistas. Foi então que se apercebeu que havia pessoal que se refugiara em Cacine e que recebeu ordens para ser recambiado para Gadamael, as instruções eram de aguentar nas valas as sucessivas vagas de ataque das unidades do PAIGC, estava-se em junho de 1973. Por ali vagueavam os amanuenses sem saber muito bem porque tinham sido recrutados. E inopinadamente recebeu ordens para regressar a Bissau, voltou à guerra do ar condicionado. Recorda episódios como a bomba que explodiu no café Ronda, ainda em 1973, que provocou mortes e feridos; em janeiro do ano seguinte colocaram uma bomba no Quartel-General que mandou o telhado pelo ar e mandou presos abaixo.

E conta-nos como viveu o seu 25 de Abril, as primeiras conversas desencontradas, a emissão do PIFAS, depois a música do Zeca Afonso. Não esquece os patrulhamentos no Pilão, o drama de Djassi, o ordenança do serviço de Justiça, interpelou o Abílio depois do 25 de Abril, exigia-lhe explicações: “Furriel, eu fui ensinado a respeitar a bandeira portuguesa desde que nasci, andei muitos anos no mato a lutar por Portugal, fui ferido várias vezes, fiquei sem um pulmão, sou português, sempre me considerei português! E agora, dão-me dinheiro e vão-se todos embora? O que vai ser de mim? O que é que o PAIGC vai fazer comigo?”

São histórias umas a seguir às outras, até não falta um reportório de vocábulos em crioulo e uma sua operação às varizes. Inevitavelmente, lega-nos poesia alusiva à diáspora dos Magro:

“Tantos anos a procriar
Seis mancebos vi crescer
A tropa os veio buscar
Como era de prever

Foram todos para o quartel
Aprenderam a marchar
Apanharam um batel
Rumaram ao Ultramar

Na vida sempre a sorrir
Muitas vezes quis chorar
Vendo seis filhos partir
Para terras de além-mar

Uns após outros partiram
P’rá guerra, com valentia
Foram seis, todos saíram
Ficou a casa vazia”
.

E assim termina a saga dos irmãos Magro, muito provavelmente um caso ímpar nesses tormentosos anos da guerra de África.

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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24229: Notas de leitura (1573): "Seis Irmãos em África", segunda edição; Porto, 2017; edição de autor, mas os autores são seis: Fernando, Rogério, Dálio, Carlos, Álvaro, Abílio, quem compilou os textos foi o Abílio, trata-se dos manos Magro que percorreram diferentes paragens africanas (1) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Fernando Ribeiro disse...

Acabo de descobrir que os irmãos Magro têm um site próprio na internet, chamado "Os Magros do capim". Não sei se o conteúdo do livro está lá todo ou não, mas talvez esteja, porque o site tem muito que ler e também que ver. Apontar para o seguinte endereço: https://magrosdocapim.blogspot.com/p/pagina-inicial.html

Abílio Magro disse...

Sim, está lá tudo.