quinta-feira, 28 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11326: Facebook...ando (25): José Luís Carvalhido da Ponte, ex-fur mil enf, Cart 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74): De regresso ao Xime!...


1. O nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74), enviou-nos a seguinte mensagem com data de 27 de Março de 2013: 


Caros camarigos,

Falei ao telefone com o nosso camarada d’armas Carvalhido da Ponte (, o professor do José Carlos Mussá Biai, o minino do Xime, ) no sentido de autorizar a publicação no blogue de um texto no Facebook sobre a sua última viagem em Março 2013 à Guiné, ao Cacheu, fazendo também uma visita ao Xime. O que acedeu prontamente, prometendo colaborar na divulgação do trabalho humanitário que vem desenvolvendo na Vila de Cacheu. Recordo que Viana do Castelo está geminada com esta Vila.

Assim sendo, apresento o ex Furriel Mil Enf (mésinho) José Luís Carvalhido da Ponte. Pertenceu à Cart 3494 do BART 3873. É membro, sénior, da nossa Tabanca Grande.

Professor e director da Escola Secundária de Monserrate, em Viana do Castelo, com vários trabalhos publicados (vd. aqui), é muito dedicado à causa humanitária na Guiné, na Vila de Cacheu, para onde se desloca regularmente no sentido de contribuir para o bem-estar daquele povo, nomeadamente na área da saúde:


Sousa de Castro

2. Mensagem do José Carvalhido da Ponte, com data de 23 Março de 2013:

Recordar é trazer de novo ao coração, diz-nos uma leitura etimológica da palavra. Recordar é rememorar e neste rememorar revivemos os factos conforme a paleta das nossas emoções. Assim, às vezes perece que esquecemos a recordação e outras esticámo-la, quase ao infinito, como se não a quiséssemos perder. Já Pessoa dizia que o comboio de corda que se chama coração, não raro, invade-nos a razão. 

Tinha 23 anos quando aportei, pela primeira vez, ao Xime, uma aldeia de Bambadinca. A LDG (lancha de desembarque grande) atracou ao pequeno porto, ali mesmo na margem esquerda do Geba. Era Fevereiro de 72.

Deram-nos ordem para nos levantarmos do porão e começarmos ordeiramente a sair. Em terra esperavam-nos, felizes e galhofeiros, os que iríamos substituir.

Depois, nos 27 meses seguintes, deambulamos por Mansambo, pelo Xitole, pelo Enxalé (n’xalé), por Bambadinca, por Bafatá, pelo Saltinho.

Depois regressamos, uns em fins de março e outros, como eu, no 3 de Abril de 74.  Para trás ficaram tantas memórias, tantos medos, tantas aventuras, tantos amigos, vários mortos!


Quando em 2.000 regressei à Guiné, não fui ao Xime. Por nada não. Apenas não calhou. Apenas calhou acontecer em 2008, quando uma colega da ESM, que passeava com outros colegas pelo Senegal, a 17 de Agosto, regressou a Cacheu e desafiou-me: vamos a Tabatô, ali para as bandas de Bafatá, ver os tocadores de Balafon e passas no teu Xime e assim comemoras os teus 58 anos?

Regressar ao Xime? Porque não? Era uma porta que necessitava reatravessar para exorcizar um ou outro fantasma e, em definitivo, oficiar pelo Manuel Bento, caído em combate, logo nesse ano de 72.

E fomos. E neste ano de 2013 regressei, agora com o Dr Manuel Pimenta. Das duas vezes tive de respeitar várias manadas de bovinos e se da primeira ainda pude recordar os desembarques nos restos mortais do pontão do Xime, agora o tarrafe invadira o espaço a impedir as minhas quarentonas nostalgias.

De repente... ollha ali a escola onde lecionei as 4 classes ao mesmo tempo. Entro na decrépita escola. Que saudades! Continua sob um enorme poilão. Procurei caras, anichadinhas bem dentro de mim. Não apareceram. Nem a da Teresa, uma jovem professora caboverdiana que me acompanhou nessas andanças letivas durante um ano, por toda a Bambadinca e que cozinhava frango com piripiri dum jeito que nunca vi. De repente assoma à porta um homem dos seus 55 anos e atira-me: oi professor Ponte! Fui seu aluno, lembra-se? Claro que lembro! E não tive coragem de lhe perguntar o nome nem de lhe dizer que não, que não me lembrava. E falou-me de homens e mulheres de 72 que já partiram, que morreram, que estão por ali. É então que, de repente surge a minha lavadeira do tempo, a Carfala, em 72 com 11/12 anos e hoje, com uma bacia à cabeça e desdentada, como eu; mais adiante o Bacar Biai que escreve poesia em marabutu e à frente o Malan Mané, encostado a um barrote de uma tabanca. E outros. E perguntou-me pelo Furriel Sousa Pinto. Morreu há um ano, mais ou menos, lhe disse. Ah! Eu gostava dele.

Depois, sozinho, percorri partes da tabanca e do antigo aquartelamento. Sozinho, para que ninguém visse uma ou outra lágrima de saudade. Sim de saudade. Bolas, éramos jovens com 21 a 23 anos. Passamos ali dois dos mais importantes anos da nossa vida. Perdemos ali grandes amigos. Aprendemos ali que o medo é uma antecâmara para toda a coragem.

E por hoje, chega de memórias.


Adelino, piloto da lancha Sintex


Bacar Biai, irmão do José Carlos Mussá Biai



Estrada, Xime-Bambadinca. 

Lavadeira Carfala, esposa do Malan Mané




Malan Mané, primo do José Carlos Mussá Biai





O que resta do Cais do Xime...

Fotos (e legendas): © José Luís Carvalhido da Ponte (2013). Todos os direitos reservados. 
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


6 comentários:

Anónimo disse...

O texto do Carvalhido da Ponte, provocou em mim uma reação daquelas que acontecem um pouco a quase todos nós, quando revemos sítios por onde passamos e que tinhamos por companhia a invisível, mas sempre presente incerteza no amanhã. Foi ali no cais do Xime que desembaquei a primeira vez que vim à Metrpóle de férias, e também onde a minha companhia embarcou num barco não pertença das forças armadas que nos levou até Bissau quando fomos para Cobumba. Também de outras vezes estive oportunidade de ali ter estado, onde vi pela primeira vez os Fiat em ação a curta distância, o IN tinha tido contacto com pessoal do Xime creio ter sido na estrada ali próximo, pouco tempo antes de uma operação que teve lugar naquela zona e em que participou também a minha companhia ao tempo sediada em Mansambo. Por aquela altura os Fiat ainda chegavam quase à copa das arvores. Fez-me recordar também uma enorme cratera no largo do cais provocada por uma "granada"de foguetão que ali rebentou.
Obrigado ao Carvalhido, por me ter feito recuar no tempo e, por momentos ter vivido com os meus já distantes vinte e dois anos.
Recebe um abraço
António Eduardo Ferreira

Luís Graça disse...

Zé Carlos: Vais gostar de ver e ler... Também eu fiquei emocionado, Bom fim de semana. Luis Graça

Luís Graça disse...

Ver aqui, na I Série...


http://blogueforanada.blogspot.pt/2006/01/guin-6374-cdlxii-estou-emocionado-jc.html

Anónimo disse...

Mensagem que o José Carlos Mussá Biai, irmão do Bacar Biai, mandou para o Sousa de Castro com data de: 27-03-2013 15:44...

[Nota do SC: O José Carlos encontra-se em Portugal há muitos anos, é engenheiro florestal, exercendo funções no Instituto Geográfico Português.]

Vd. post.: http://cart3494guine.blogspot.pt/2013/01/p167-no-xime-tambem-havia-criancas.html


Meu caro Sousa de Castro,

Obrigado, por mais uma vez fazer-me recordar a minha terra natal.

As fotos fazem-me rever o meu irmão Bacar Biai, que está escrever numa "tábua", contrariamente o que diz a legenda, o meu primo Malam Mané, que se encontra encostado e a conversar com o Prof. José Luís, a esposa do Malam Mané, Carfala (Clara, como diz na legenda) que está com bacia na cabeça e o Adelino Vieira(Avelino, como diz na legenda), bem como o próprio Prof. José Luís com que tenho falado, mas ainda não nos vimos.
Também foi bom rever o que resta do cais de Xime.
O meu irmão Bacar foi picador, enquanto o meu primo Malam cumpriu serviço militar em Farim, Bissau e por fim em Bambadinca, até quando deu o 25/04/74.

Um abraço e cumprimentos,

José C. Mussá Biai

Julio Abreu disse...

Ola Jose Carvalhido, as tuas palavras fiseram-me recordar os bons tempos da Guine, apesar de estar muito longe, (na Holanda) e da minha idade, 70 anos ainda tenho esperanca de voltar a Guine, pois tenho bastantes saudades desses bons e maus momentos, e gostaria de possivelmente encontarar alguem do meu tempo. As tua palavras fazem-me recordar muitas coisas.
Julio Abreu
Grupo de Comandos Centurioes
Ex Guine Portuguesa

Anónimo disse...

Tenho uma ligação afetiva ao Xime, onde a CCAÇ 12 fez muitas operações em conjunto com as subunidades de quadrícula que lá estiveram entre julho de 69 e fevereiro de 71. Xime é igual a muito sangue, suor e lágrimas. Conheço, finalmente, por fotografia o nosso grã-tabanqueiro Carvalhido da Ponte. Sei da sua ação solidária, nomeadamente na vila de Cacheu, e dou-lhe os parabéns, a ele e à sua equipa.

Espero vir a conhecê-lo pessoalmente. Boa Páscoa para a ele e para o mensageiro Sousa de Castro. Luis Graça