sexta-feira, 29 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11328: Blogpoesia (331): Cá vamos andando (Luís Graça)



Quinta de Candoz > 31 de agosto de 2011 > O fotógrafo... estilhaçado.

Foto: © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados


1. Ainda no Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2013... Em homenagem, a um dos meus poetas preferidos, Ruy Belo (1933-1978), autor de livros de poesia que já entraram na história da nossa literatura tais como Aquele Grande Rio Eufrates (1961), O Problema da Habitação (1962), Boca Bilingue (1966), Homem de Palavra(s) (1969), Transporte no Tempo (1973), País Possível (1973), A Margem da Alegria (1974), Toda a Terra (1976), Despeço-me da Terra da Alegria (1978)... Infelizmente morreu jovem, aos 45 anos... E o país, distraído, só agora está a reconhecer a sua grandeza como poeta... (LG)

Cá vamos andando
Luís Graça

Às vezes este país parece-se com o Cairo,
Com o caótico tráfico rodoviário do Cairo.

Com as montanhas russas do Cairo.
Um carrossel desengonçado
Sem código da estrada.
Sem regras.
Sem semáforos.
Sem polícia sinaleiro.
Mas mesmo assim a coisa anda, flui,
E a gente sempre consegue chegar a alguma parte.

Pode não ser o sítio certo,
Mas sempre chega a alguma parte,

Entre algures e nenhures.
Ou pelo menos tem essa ilusão de ótica.
Que o importante é chegar, sobreviver, dizem-te.
- Cá vamos andando -, responde-te o Zé Portuga,
Quando lhe perguntas como está.
No Portugal sacro-profano,
A gente lá vai andando.
Ora bem, ora mal.
Conforme o tempo 

E os humores,
E os males de amores,
E o dinheiro de bolso.
Conforme o caminho e as pedras.
Ou até os companheiros de viagem.

Às vezes a gente tropeça e cai,
Para logo se levantar
E prosseguir a marcha,
Ora lenta ora brusca.
Agora o pobre do país tenta,
A todo o custo,
Não perder a última carruagem
Do comboio chamado Europa.
Há quanto tempo?
Às vezes tenho a impressão
De que essa correria
Atrás do comboio da Europa
É um filme que dura há já muito, muito tempo,
Há anos, há séculos, quiçá desde sempre...
Um daqueles filmes, mudos,
Que a gente via no nosso cinema de bairro.
Quando havia cinema de bairro
E filmes mudos
E a Fénix da Europa renascia das cinzas da guerra
E eu vivia num país orgulhosamente só.
- Pobrezinhos mas orgulhosamente sós,
Meu menino! - dizia o senhor padre 

E a senhora professora,
E o senhor regedor.

Mas tal comparação é injusta e ofensiva
Para com os portugas,
Para com o Zé Portuga,
Que é, afinal,
O nosso único (ou último) herói nacional.
Na realidade, é a política deste país
Que se parece com o caótico trânsito cairota...
É a política, 

São os políticos,
Os dirigentes do país, 

A sua elite,
A nata,
A fina flor...
É a gestão da coisa pública,
Ou a falta dela,
O laxismo, 

O cansaço,
A falta de imaginação,
A perda de valores,
A ausência de liderança,
A opacidade das regras
Ou melhor, o seu vazio,
A ligeireza,
A falta de lata, 

De vergonha, 
De caráter...

Às vezes apetece-me gritar, 

Ao Zé Portuga,
Ao homem do leme,
Ao motorista do táxi,
Ao condutor do carro de bois,
Ao simples peão,
A mim próprio:
- Ala malek!, mais depressa, mais  depressa,

Homem,
Que se faz tarde,
E que ainda perdes
A última carruagem do último comboio!


Luís Graça, nov 2004 / mar 2013
_________

(1) Ala malek, em árabe, quer dizer mais depressa... Disseram-me no Cairo. É sempre bom, em qualquer esquina do mundo, ter meia dúzia de palavras do patois local na ponta da língua... Como, por exemplo, desenrascanço, em Lisboa. Ou esquema, em Luanda.
_________

Nota do editor:

Último poste da série > 21 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11289: Blogpoesia (330): No Dia Mundial da Poesia... Como é bom rever-te, Lisboa, Tejo e tudo (Luís Graça)

9 comentários:

Anónimo disse...

Amigos e camaradas; Vou estar três dias sem Net. Cristo nunca parou em Candoz, no meio das serras. As operadoras de telecomunicações não sabem onde fica Candoz. Deixei pronto um poste de aniversário, para amanhã, sábado 30. Os meus parabéns antecipados ao António Graça de Abreu, Benjamim Duarães e Rosa Serra. Fiz uma viagem horrível da Lourinhã à Madalena, debaixo de chuva. Estou na Madalena, Vila Nova de Gaia, vou ao mercado de Matosinhos comprar um sável e sigo para o meu refúgio. Nem computador trago, esqueci-me dele na Lourinhã. Façam o favor de ser felizes. Um Alfa Bravo apertado para todos/as os/as amigos/as e camarada da Guiné, que se abrigam sob o poilão da Tabanca Grande. Santa Páscoa. Descansem e convivam. Volto ao fim da tarde de 2ª feira, que a Páscoa na aldeia é no dia 1 de abril... Mas este ano é o dilúvio, vai ser uma desgraça para a nossa agricultura...Luís Graça

Anónimo disse...

... Não é um poema pascal, como eu gostaria que fosse. Mas foi o que o que me veio à mão ou à cabeça, neste fim de semana prolongado em que a sede do blogue está fechada, em Alfragide, mas tambéma delegação do norte - Leça da Palmeira, Matosinhos... E em Candoz não haverá Net...E há anomalias para resolver quando o Carlos Vinhal regressar...

É um poema de incitação e de esperança, mesmo que seja pouco pascal. Continuação de Boa Páscoa, mesmo invernal. Luis Graça

admor disse...

"Não é um poema Pascal"
Estou de acordo, mas é lindo e está em consonância com a fotografia do espelho e é o espelho do nosso país.
Mais uma vez, Boa e Santa Páscoa para ti e para os teus, muita saúde e um grande abraço para todos.

Adriano Moreira

Tony Borie disse...

Olá Luis.
Gostei, principalmente para o fina,l quando mencionas o ZÉ PORTUGA, pois esse era como nos conheciam a nós emigrantes, quando visitávamos Portugal, e eu sempre achei que o povo o dizia com carinho.
Um abraço e boa Páscoa.
Tony Borie.

Anónimo disse...

Olá Camarada
Tenho pena, mas a poesia dita "branca" não é o meu forte. Quem me tira a métrica e a rima tira-me o prazer de apreciar a poesia. Só esse jogo de palavras a transportar mensagens é que tem valor. Sou um primitivo, não achas?
Mas, olha... é o que se arranja. O texto que aqui está poderia ter sido escrito em prosa sem perder nada da sua mensagem e, porventura, da sua beleza. Ora experimenta e verás que a poesia não é necessariamente mais bela do que a prosa. Por acho que o conteúdo é sempre superior à forma que não passa do modo com se diz ou se fala, uma espécie de arrebique linguístico.
Bom apetite para o "Sável" e "sigamos o Cherne". Uma boa Páscoa e um Ab.
António J. P. Costa

Torcato Mendonca disse...

BOA PÁSCOA, PARA TI E FAMÍLIA LUÍS GRAÇA

Um Abraço, T.

Anónimo disse...

Bom dia Luis.
A viagem foi dificil, mas chegas-te. Passas-te em Matosinhos, a terra da Lourdes (sabes quem é?... é aqui a minha "cára-metade"!
Chegas-te a Candoz e, ontem esteve um dia bem agradável. Até deu para cortar a relva, aqui no Grilo.
Fos-te tu que trouxes-te o bom tempo. Obrigado.
Daqui a pouco vou até ao Porto, a familia lá em baixo abre a poprta à Páscoa hoje.
Mas volto para cima para amanhã cumprir aqui no Grilo a "Pascoela".
Quanto ao poema, li,reli e deu para perceber a profundidade das palavras, o sentido da mensagem. A "sede" e o "escritório" estão temporariamente em "descanso", mas sempre em "linha com o tempo".
Boa estada em Candoz. Daqui do Grilo eu "empurro" uns raios de sol! Ontem, "antes da hora", até estive a olhar aí para baixo e ouvi uns "estouros", apercebi-me das "saídas" e depois fui para o "abrigo" e "sofri, bem bom sofrer"!...
Boa páscoa.
Um abraço aqui da "famelga"
Álvaro Vasconcelos

Anónimo disse...

Obrigado, Álvaro, de Candoz vejo o Grilo e envio-e um abraço fraterno pascal. Hoje estou de volta à Madalena, para passar a Páscoa com os meus cunhados, E aqui tenho Net, Mais logo volto a Candoz, onde a Páscoa é 2ª feira...Boa continuação das festas. LG

Anónimo disse...

Boas Noites.Obrigado G
Só agora consegui ligar a Net e li o comentário.
Também deliciei o poema inspirado, certamente, no "Senhor da Pedra".
Aqui, no Grilo, foi ontem Páscoa. Segunda feira de Pascoela, também.
As fotos são magnificas, aproveitar aquele bom dia de sol com a objetiva a "guardar" tão belas "naturezas com vida" foi formidável. Na última quasi via aqui o Minhães (do Grilo)!
Um abraço do AV