terça-feira, 26 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11316: Do Ninho D'Águia até África (61): Regresso à sua aldeia (Tony Borié)

1. Sexagésimo primeiro episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177:


DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA - 61





A unidade militar a que o Cifra pertencia, era na área de Lisboa. No mesmo dia do desembarque entregou o resto dos trapos que trazia e pertenciam ao exército, teve que pagar vinte sete escudos e cinquenta centavos por alguns trapos que faltavam, como camisas e meias.


No jardim dessa unidade militar abriu a mala de papelão e fibra nos cantos, amarrada com uma corda, vestiu umas calças, uma camisa de manga curta e calçou uns sapatos à sua medida que tinha comprado na capital da província, enquanto esperava o embarque. Ao sair da unidade militar, gritou em plenos pulmões:
- Não sou mais Cifra, sou de novo o Tó d’Agar!

Na estação, em Lisboa, apanhou o comboio da linha do norte, que o levou à cidade. Aí mudou para o seu comboio, que com a locomotiva a vapor, mil cento e trinta e seis, a tal que tinha força de gigante, que abanava o cabanal onde estava o curral das ovelhas, que o Tó d’Agar, conhecia pelo apito, que fazia um ruído ensurdecedor sempre que passava no vale, rumo ao norte, a caminho da montanha a todo o vapor. Sim, foi essa locomotiva, que trazendo atrás de si o comboio das dez e meia, fez regressar o Tó d’Agar de novo para junto da sua família, na aldeia do vale do Ninho d’Águia.

Nessa noite houve festa na aldeia do vale do Ninho d’Águia, com foguetes e tudo, o agora de novo Tó d’Agar levou abraços e beijos de pessoas a chorar de alegria, a sua cara estava cheia de baba e ranho, que limpava às costas da mão, a mãe Joana chorava, os irmãos pulavam e cantavam, o pai Tónio, com um copo de “jeropiga” na mão, fazia vivas a toda a gente, os vizinhos faziam uma roda à sua volta e perguntavam se na Guiné havia macacos e leões, algumas raparigas suas amigas davam-lhe palmadas e agarravam-se a ele e beijavam-no por muitas vezes, os garotitos, alguns que tinham nascido depois de ele ir para o serviço militar, olhavam-no e depois vinham tocar-lhe, como se o Tó d’Agar fosse alguém estranho na aldeia, alguns cães ladravam, havia um “gira-discos” com música, havia uma garotita, toda suja, igual àquela que uma vez viu na capital da província da Guiné, que lhe pediu patacão para comprar bianda, e só com um bibe a cobrir-lhe o corpo, com o dedo na boca, comendo baba e ranho, que se aproximou do Tó d’Agar, tocou-lhe e pediu se podia levar um bocado de pão trigo da mesa onde havia comida, o Tó d’Agar disse sim, ela tirou três bocados de pão, um foi na boca, outro na mão e outro dentro do bibe, e o senhor Jaime Barbeiro fez um discurso.

A um canto, com uma mão na cinta e outra caída ao longo do corpo, com uma permanente que lhe fazia alguns caracóis longos, nos seus cabelos já “grizalhos”, com um vestido que lhe cobria a parte de trás do corpo e lhe deixava ver um pouco do peito e as pernas um pouco abaixo do joelho, estava a menina Teresa, que ao encarar o Tó d’Agar, com os seus olhos percorreu todo o seu corpo de alto a baixo, parando por uns segundos onde o corpo termina e começam as pernas, abraça-se a ele com força, e aí mais uma vez, não conseguiu tirar este peso, que é a menina Teresa em cima de si, e o To d’Agar sentiu-a toda encostada a ele, mesmo a empurrá-lo, quase que o fazia cair no chão, dá-lhe um beijo de lado, quase a apanhar a boca, e não lhe perguntou, se tinha feito boa viajem, ou se estava bem, a suas únicas palavras foram:
- Aaaiii..., trazes “aquilo” que eu te pedi, é mesmo grandote, tenho tantos desejos de vê-lo! Tó d’Agar, estás tão grande, tão crescido, pareces um homem, vem ver-me amanhã, logo bem cedo, quero apalpá-lo, tocar-lhe, e tú tens que estar presente, para me ajudares a que ele me dê boa sorte!


Todos vocês sabem o que era “aquilo” a que a desenvergonhada da menina Teresa, se referia!

(Fim da primeira parte)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 23 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11299: Do Ninho D'Águia até África (60): O regresso a Portugal (Tony Borié)

7 comentários:

paulo santiago disse...

Oh Tony,vais ter que te aguentar com a "menina" Teresa...ela vai agarrar-se ao falo,ou falos...

Luís Graça disse...

(...) "Nessa noite, houve festa na aldeia do vale do Ninho d’Águia, com foguetes e tudo, o agora de novo To d’Agar, levou abraços e beijos de pessoas a chorar de alegria, a sua cara estava cheia de baba e ranho, que limpava às costas da mão, a mãe Joana chorava, os irmãos pulavam e cantavam, o pai Tónio, com um copo de 'jurepiga' na mão, fazia vivas a toda a gente, os vizinhos faziam uma roda à sua volta e perguntavam se na Guiné havia macacos e leões, algumas raparigas suas amigas, davam-lhe palmadas, e agarravam-se a ele e beijavam-no por muitos vezes, os garotitos, alguns que tinham nascido depois de ele ir para o serviço militar, olhavam-no, e depois vinham tocar-lhe, como se o To d’Agar, fosse alguém estranho na aldeia, alguns cães ladravam, havia um 'gira discos' com música, havia uma garotita, toda suja, igual àquela que uma vez viu na capital da província da Guiné, que lhe pediu patacão para comprar bianda, e só com um bibe a cobrir-lhe o corpo, com o dedo na boca, comendo baba e ranho, que se aproximou do To d’Agar, tocou-lhe, e pediu se podia levar um bocado de pão trigo da mesa onde havia comida, o To d’Agar, disse sim, ela tirou três bocados de pão, um foi na boca, outro na mão e outro dentro do bibe, e o senhor Jaime Barbeiro fez um discurso." (...)

Que ternura!... Que delícaia!... Com
jeropiga, abafadinho, aguapé, zurrapa, ginjinha, vinho fino, carrascão... tudo servia para dar de b beber à alegria do regresso dos nossos soldados... Tony, essa tua descrição faz-me lembrar a receção que a malta da minha rua, a última da vila, a do castelo, a dos valados, fez ao Jorge Funileiro, soldado das Indías, de volta a casa, a sua terra, Lourinhã... em 1957 ou 58, já não posso precisar... Chorávamos todos baba e ranho, com tanta alegria!... Era apenas um dos nossos, um vizinho, um herói!...

Anónimo disse...

Mas qu'a ganda porra, ó Tony !!! Deixas-me aqui ansiando por saber o qu'era. Despacha-te e diz lá....
De Veríssimo Ferreira

Bispo1419 disse...

Olá, Tony!
Muito obrigado pelo prazer que me dá ler as tuas crónicas. Vêm do fundo da terra, do fundo humanista deste sofredor povo português, tantas vezes vítima das esperanças num D. Sebastião qualquer que lhe venha a dar razão para a sua alegria inata de viver. As desilusões sucedem-se mas, resiliente que é, não irá sossobrar nem sequer esmorecer.

Um grande abraço do
Manuel Joaquim

Tony Borie disse...

Olá companheiros.
Obrigado pela pachorra que tiveram em ler parte da narrativa do "Ninho d'Águia até África".
Foram de uma paciência que brada aos céus!.
Com o auxílio e compreensão do Luis Graça, do Carlos Vinhal, e restante editores, mas em especial o Carlos, que esse esteve sempre atento a corrigir estes escritos, muito mal escritos, pois de outro modo iriam ler tudo menos português, vou continuar na vossa companhia, numa segunda fase, onde vou continuar a falar da experiência da guerra da Guiné, mas também desta imensa terra do lado de cá do Atlântico, e como cá vim parar, assim como dos meus antigos companheiros de Mansoa, e não só, que encontrei, alguns no caminho da emigração.
Não falarei das grandes cidades, pois essas vocês conhecem dos filmes, falarei do povo e das aldeias, onde às vezes me sinto como se estivesse no meu tempo, nesse cantinho bonito, que se chama Portugal, da Península Ibérica, da Europa, de povo acolhedor, à beira mar plantado, onde me orgulho de ter nascido!.
Oxalá vos proporcione um bom tempo, com todas essas narrativas e vos ajude a passar os dias mais divertidos, sem pensarem, entre outras coisas, quando saiem à rua, abaixando-se e tocarem na perna, dizerem com cara de Curvas, alto e refilão, "ando com uma fdp..de uma dor nesta perna que não me deixa caminhar"!.
Um abraço, Tony Borie.

Antº Rosinha disse...

Há coisas que só emigrantes têm coragem de enfrentar e sentir.

Que por acaso é uma fatalidade de imensos portugueses: ser emigrante.

Cumprimentos

Rogerio Cardoso disse...

Tony, és um verdadeiro artista nestas tuas narrativas, continua meu bom amigo, consegues prender os camaradas á tua escrita. Quanto á recepção que tiveste, o mesmo não posso eu dizer de mim, com muita pena em não poder sentir esse unico momento na vida, na minha chegada a Lisboa tinha uma ambulância e dois cabos enfermeiros me esperando, para ser transportado para a Estrela, não a Polar mas a do hospital. Um abraço do Roger