quarta-feira, 27 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11324: Álbum fotográfico de Abílio Duarte (fur mil art da CART 2479, mais tarde CART 11/ CCAÇ 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) (Parte IX): Piche, vista aérea... E as valas onde se "despistou" o nosso camarada e amigo comum Renato Monteiro...



Guiné > Zona Leste > CART 2479/CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche, Paunca, 1969/70) > Piche, vista aérea > "Quando sobrevoei Piche... Vê-se as valas feitas pela CART 11 onde o Renato Monteiro se despistou"...

Foto (e legenda): © Abílio Duarte (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemenetar: L.G.]



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Abílio Duarte, ex-fur mil art da CART 2479 (mais tarde CART 11 e finalmente, já depois do regresso à Metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa companhia de “Os Lacraus de Paunca”) (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70). (*).

Que história é essa do "despistanço" do meu amigo de Contuboel, o Renato Monteiro, o "homem da piroga" ?


2. Eis aqui a versão do Abílio Duarte... Espero que um dia destes o Renato Monteiro possa (e queira) apresentar a dele... Já o convidei... Mas ele tem mais que fazer: é hoje um conceituado fotógrafo e escritor...

[, Foto à direita, o Renato Monteior, o homem do remo, numa piroga com o Luís Graça, Rio Geba, Contuboel, Junho de 1969; foto de L.G.]



O que se passou, com o Monteiro, foi o seguinte: O Monteiro era, e penso que ainda é, uma extraordinária pessoa, e estava nitidamente a mais naquela guerra, assim como todos nós.
Conheci-o, muito bem, pois estivemos em Vendas Novas,e tiramos o mesmo Curso de Minas e Armadilhas, em E.P.E. em Tancos.

Ele e o Furriel Cunha, tinham um relacionamento com os africanos, muito diferente dos restantes quadros, e isso só lhes trouxe problemas. Quando a nossa Companhia deixou Contuboel, fomos para Piche, em Julho de 1969, para reforço operacional, pois tinham sido atacados. Quando lá chegamos, os pelotões, quando não iam para o mato, ficavam a abrir valas e construir abrigos.
Certo dia, e eu assisti ao diálogo, aconteceu o seguinte: Estávamos a coordenar os nossos soldados na abertura de valas, a terra era extremamente dura, fazia um calor doido o esforço era muito grande , toda a gente estava cansada, e era hora do almoço. Mas estava estabelecido que cada pelotão tinha que fazer uns tantos metros de vala, e de profundidade,(estás a ver o petisco). O bom do Monteiro vira-se para os soldados, e diz para pararem, e prepararem-se para ir comer.

Hora de azar, ia a passar ou estava a ver o trabalho, um Major do Batalhão lá de Piche, e vê o Monteiro a formar os homens, aproximou-se perguntando porque é que pararam o trabalho, e o Monteiro diz que os homens tinham que ir comer. Deu-se a bronca, era o Major a dizer que eles não podiam ir comer, enquanto as valas não estivessem prontas, e o Monteiro respondia que iam, porque ele é que mandava! Foi um 31 dos antigos.

O resto foi o que se sabe, inquérito, processo, prisão, despromoção e transferência. [O Renato Monteiro foi transferido, por motivos disciplinares, para a CART 2520, Xime, 1969/70. LG]

Eu tive mais sorte, pois ainda em Contuboel, tive um caldinho parecido. Estava de Sargento de Dia e,  ao jantar, conforme vinham da instrução os soldados,  iam comer ao refeitório, depois da companhia de brancos, a que estavamos adidos. Quando entraram os nossos primeiros soldados, sentaram-se, tudo bem. Estava eu á porta do refeitório, e vem o 1º sargento  daquela companhia, chamar-me, a dizer que os meus soldados não queriam comer!

Fui ter com dois deles que me mereciam respeito, um deles até bastante religioso, e perguntei o que se passava, explicaram, que o arroz não prestava e as conservas de sardinhas não estavam boas. Ok. Não querem comer não comem, vão comer á tabanca.

Estava eu,  mais o meu Cabo, a orientar os homens para sair do refeitório, vem o cabrão do
1º sargento,  aos gritos, que eu tinha que obrigar os soldados a comer.  Olha lá, como é ? Levantou-se um arraial, não passaram 5 minutos e aquilo já estava cheio de oficiais. Levaram-me ao Capitão deles, apareceu o meu, porquê isto, porquê aquilo, os homens  tinham que comer, etc. etc. Estou feito. Iam comunicar ao Major Azeredo, para Bolama,  que era o Director de Instrução, e que me iam embrulhar numa folha de 25 linhas.

Quando fomos a Bissau, para o Juramento de Bandeira, fui visitar uns camaradas da CCS, do meu Batalhão inicial em Penafiel, quando me disseram, que havia uma participação com o meu nome. Normal. Fiz várias perguntas, e disseram que aquilo dava prisão. Eu comentei, não acredito que me mandem preso para a metrópole, pois preso já aqui estou.

Até hoje, penso que o que me livrou foi alguém em Bissau, considerou que o que fiz era boa
politica, tendo em atenção a filosofia do Spinola com as tropas africanas. Safei-me. O Monteiro
não. São situações e momentos, que nunca esquecemos, de uma aventura de 22 meses, em terras
estranhas.

3 comentários:

Anónimo disse...

Um abraço para os dois,o Abílio e o Renato. Saudações pascais. Estou no Porto, Renato, na tua terra... Luis Graça, teu companheiro de piroga.

José Júlio Nascimento disse...

De acordo com o que me confessou o Renato Monteiro, foi melhor para ele ter ido parar ao Xime. Ele foi bem recebido pelo pessoal da Cart 2520 e depressa fez amizades que ainda hoje perduram. A nossa companhia também teve a sorte de ser transferida para Quinhamel em Junho/70. Quanto a despromoção eu pergunto qual seria o posto dele, uma vez que apresentou-se
como Furriel.
José Júlio Nascimento
Cart 2520

Jaime Antunes disse...

Li com atenção o relato de factos que eram comuns nesses tempos. Cheguei à CART 11 em Novembro de 70 e integrei o 4º Pelotão. Estavam já em Paúnca e as valas estavam concluídas. Apenas a sua limpeza era uma rotina semanal. Não tive muitoa contactos com os velhinhos porque fui logo para 1 dos destacamentos. A comissão correu-me bem. Ainda estive com o Pelotão em Bafatá, Galomaro, Nova Lamego e Bafatá. Estive também num lugar maravilhoso, Contuboel onde dei uma recruta a tropa africana. Fiz o curso de Minas e Armadilhas em Bissau. Tudo de bom para vocês. Ex-Furiel Miliciano de Artilharia - Antunes