quarta-feira, 28 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6802: Notas de leitura (137): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Julho de 2010:

Queridos Amigos,
É um livro importantíssimo.
Por isso mesmo vamos completá-lo com a recensão do livro anterior do António Duarte Silva.

Um abraço do
Mário




As Constituições Bissau-guineenses:
Caminho lundjo inda de ianda


por Beja Santos

O livro “Invenção e Construção da Guiné-Bissau”, de António Duarte Silva (Edições Almedina, 2010) propicia ao leitor interessado um grande manancial de informações sobre a história da província da Guiné, sobretudo desde o século XIX até à Independência, procura chaves explicativas sobre o fenómeno nacionalista e apresenta a via da libertação nacional, nomeadamente a doutrina do PAIGC. Este último ponto merecerá um amplo comentário quando se fizer a recensão de outra obra de António Duarte Silva A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa (Afrontamento, 1997). A última matéria que importa agora abordar prende-se ao estado das constituições bissau-guineenses, como se segue.

A Constituição do Boé foi aprovada em 24 de Setembro de 1973, em Lugajol, junto de Béli. Foi essencialmente redigida por Amílcar Cabral. Divide-se em cinco partes: fundamenta a declaração da independência; proclama o estado da Guiné-Bissau; enuncia os princípios fundamentais da nova República; precisa que a Guiné-Bissau corresponde ao território que no passado era a Guiné portuguesa; apela a todos os estados independentes para reconhecerem a República da Guiné-Bissau. Aprovada a Constituição, a assembleia constituinte designou os titulares do Conselho de Estado e do Conselho dos Comissários de Estado e aprovou a lei relativa à transição dos ordenamentos jurídicos. A Constituição foi imediatamente saudada pela grande maioria dos estados africanos, asiáticos, árabes e do bloco comunista. Em dois de Novembro, a Assembleia-Geral da ONU, numa resolução inédita aprovada por 93 votos a favor, 30 abstenções e 7 votos contra felicitou o novo estado soberano. Esta Constituição tem traços originais: aparece como resultado de uma libertação nacional; assume o estatuto de um Estado-Nação, combinando vários modelos; define o Estado como uma República soberana e democrática e proclamou o princípio da unidade Guiné-Cabo Verde. Consagra o princípio da hegemonia do PAIGC e o princípio da democracia nacional revolucionária, com francas parecenças com o constitucionalismo soviético. Em Outubro de 1974, o PAIGC instalou-se em Bissau onde a Assembleia Nacional Popular (ANP) passou a reunir a 1.ª Legislatura; a 2.ª Legislatura decorreu de 1977 a 1980. Em Maio de 1979, Luís Cabral anunciou a revisão constitucional. Um dos países mais pobres do mundo defrontava-se com gravíssimos problemas: perversão do poder; desaparecimento da participação popular; fracasso da política económica e do desenvolvimento rural; desmobilização radical do PAIGC; concentração do poder em meia dúzia de pessoas, etc. Em 10 de Novembro de 1980, a ANP aprovou o texto da nova Constituição centrada no reforço da unidade interna e da construção da unidade Guiné-Cabo Verde, era uma Constituição-irmã da de Cabo Verde. Terá sido esta a última gota que fez transbordar o copo de água. A 14 de Novembro Nino Vieira capitaneia o golpe de estado que afasta os cabo-verdianos e prepara a separação entre a Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Este golpe militar apresentou-se como um “Movimento Reajustador”, uma segunda libertação dos guineenses. Era liderado por um Conselho da Revolução, órgão predominantemente militar. Este “Movimento Reajustador” comprovou que o centro do poder não residia essencialmente no PAIGC mas no seu braço armado, as FARP. O regime político continuou a ser de partido único, retomou-se o discurso tribalista e os muçulmanos voltaram a ganhar influência. Deu-se o I Congresso Extraordinário do PAIGC, expulsaram-se Aristides Pereira, Luís Cabral e outros dirigentes cabo-verdianos e recomendou-se uma revisão constitucional.

A Constituição aprovada em Maio de 1984 tem a sua principal fonte na frustrada Constituição de 1980 com pequenas alterações. Foi muito influenciada pela Constituição do Boé, pela Constituição Cubana de 1976, pelo trabalho dos constitucionalistas da RDA e pela Constituição portuguesa. O executivo por ela preconizado não correspondia a um executivo no sentido ocidental, antes se assemelhando aos órgãos superiores administrativos de tipo soviético. Tratava-se claramente de um constitucionalismo pendendo para um regime presidencialista, autoritário e de partido único. A insatisfação acentuou-se com novas tentativas de golpe de estado que vai culminar, em Julho de 1986 com o fuzilamento de importantes dirigentes como Paulo Correia e Viriato Pã.

Dos anos 80 para os anos 90, a Guiné-Bissau negoceia com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, liberalizando a economia e depois o sistema político. Surgem leis de revisão constitucional em 1991, suprime-se o sistema de partido único e abrem-se as portas ao pluripartidarismo, adoptando-se os princípios da democracia representativa e do estado de direito. No plano formal, a Guiné-Bissau abria-se aos direitos fundamentais e à economia de mercado. Com estas leis de revisão, e dado o carácter da transição proposta pela revisão de 1993, pode falar-se de Constituição de 1993, com alterações substanciais: a Guiné-Bissau como república soberana, democrática e unitária. Com o reconhecimento do princípio do Estado de direito e a adopção da democracia representativa. O Presidente da República torna-se a chefe do sistema de governo enquanto a ANP se define como o supremo órgão legislativo e de fiscalização política.

O resto, é história por de mais conhecida. Eleições presidenciais em 1994, e Nino Vieira derrota Koumba Yala. Temos depois imensas andanças no governo. Mais adiante regista-se uma rebelião militar, depois a fuga de Nino e novas eleições. O autor fala na segunda vigência da Constituição de 1993, na Carta de Transição Política de 2004 e na terceira vigência da Constituição de 1993 e no aparecimento no Estado paralelo. Resultado: o caminho a percorrer é ainda longo.
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Nota de CV:

Vd. postes de:

25 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6782: Notas de leitura (134): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (1) (Mário Beja Santos)
e
27 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6793: Notas de leitura (136): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (2) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Beja Santos, esta tua capacidade e força para publicares e analizares tudo o que se escreve sobre a Guiné, enriquece imenso este blog.

Com a vantagem de deixar campo para cada leitor fazer a própria análise.

E, no caso deste livro, que não dá muitas novidades mais que outras leituras, é aquela dúvida se seria exatamente o PAIGC de Amilcar e Luis Cabral, que os guineenses queriam.

Atenção que assisti ao 14 de Novembro de 1980, em que Vasco Cabral (não era da familia), tambem foi baleado à porta de casa por «uma bala perdida».

E, o facto de alguns guineenses ficarem satisfeitos com a nova constituição, o povo em geral tambem não teve opinião. Porque aquilo não foi mais do que um tiro no próprio pé do PAIGC.

Será que a grande preocupação do povo seria mesmo uma nova "constituição"?

É que aqueles que se diziam membros do PAIGC, apregovam que o golpe nos «bormelhos» foi justo, porque tanto a distribuição dos lugares bons, assim como a distribuição dos automóveis, tinha ido parar às «mãos erradas».

Era um bom motivo para um golpe de estado, visto do PAIGC, do PAICV, nunca li grandes comentários.

Mario e Luis, o facto de eu ser um velho «colon» tambem tenho direito a analisar de um ponto de vista um tanto reacionário.

Faço votos que a democracia imposta pelos FMI, ONU, Banco Mundial, e Igreja, e umas tantas ONG, substitua um dia a droga e a corrupção, e fixe os guineenses mais preparados na sua terra.

Caso contrário, com o tempo desaparece a nossa velha Guiné.