1. O Manuel Maia, em Cafal Balanta, no Cantanhez, em princípios de 1973 (à esquerda) (*)... Num raide, feito essa altura a uma aldeia controlada pelo PAIGC, ele trouxe cartas e uma manual escolar (à direita)...
A poesia que hoje dele publicamos não tem, aparentemente, qualquer relação com a Guiné, o Cantanhez, a guerra. Mas na guerra que fizémos, na Guiné do nosso tempo, também havia meninos, de um lado e de outro, e muitos deles conheceram a guerra e os seus horrores.
Também andámos na escola, em finais dos anos cinquenta... E todos temos, dessa época, boas e más recordações: o bibe, a ardósia, o pião, as caricas, a fisga, os berlindes, a menina dos cinco olhinhos, Deus, Pátria e a Família, as poesias do Afonso Lopes Vieira, o Cavaleiro Andante, as histórias aos quadradinhos, as primeiras emissões da RTP, o leite em pó e o queijo da Caritas Americana, as primeiras vacinas em massa...
Em 1961 começava a guerra em África... Muitos vivemos a adolescência com maus pressentimentos: começávamos a ver os nossos irmãos e vizinhos, mais velhos a seguir para África: Angola, depois Guiné, depois Moçambique... E antes de isso, a Índia... A guerra aí estava, muito longe e muito perto... Insidiosa... Será que tivemos tempo para brincar, para jogar ao pião, para lutar aos índíos e cobóis, em suma, para sermos meninos ? (LG)
Fotos e poema: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados
MENINICE (**)
por Manuel Maia
Vivência era de Outono,
o calendário o dizia,
mas... o sol raiava
como se fôra Verão...
Na cama deixara o sono,
na pressa de ver o dia
sorriso aberto espelhava
enorme satisfação...
Às costas, pasta coçada
dum castanho cabedal,
levava o conhecimento
que lhe faltava aprender.
Trazia a alça rasgada,
vergada ao peso brutal,
e o couro, com puimento,
carecia de coser...
Derreado logo a pousa
e...parte a lousa
onde devia escrever.
E agora, vão-lhe bater?
Tantos anos já lá vão
(mais de cinquenta passaram...)
recordo com emoção
as imagens que ficaram.
Primeiro dia de escola
calça curta, camisola...
os bolsos com dois piões
co´a faniqueira enrolada,
e um saquinho de botões,
dúzia e meia, bem contada...
Junto aos livros, a merenda
era um pão com goiabada.
Do Brasil viera a prenda,
goiaba já enlatada...
Éramos trinta talvez,
ou será que um quarteirão?
Da minha rua só três
eu, o Manel e o João...
Há anos, sem ter certeza,
sentei-os à mesma mesa
quase todos ... e falaram...
o pedreiro e o lavrador
o engenheiro e o doutor,
estou certo todos gostaram...
__________
Notas de L. G.:
(*) Vd. postes de:
13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72, o Camões do Cantanhez
14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3890: Tabanca Grande (119): Apresentação de Manuel Maia ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)
9 de Março de 2009> Guiné 63/74 - P4004: Memória dos lugares (18): Cafine, no Cantanhez, ocupada pela 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (Manuel Maia)
(**) Vd. último poste esta série > 9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3858: Blogpoesia (30): Em Cutima, tabanca fula... (José Brás / Mário Fitas)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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