sábado, 10 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1578: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (37): O horror do Hospital Militar 241 e o grande incêndio de Missirá

Guiné > Bissau > 1972 > O edifício do Hospital Militar, o HM 241... Os horrores da guerra (os mutilados, os politraumatizados, os feridos graves...) eram ali despejados todos os dias, de helicóptero... O 1º Cabo Radiologista Cardoso mandou-nos documentos fotográficos, inéditos, do fim da linha: restos (macabros) de corpos humanos, restos de camaradas nossos a quem foram amputados braços ou pernas...


O Carlos Américo Rosa Cardoso pertenceu aos Serviços de Saúde Militar, com o posto de 1º Cabo Radiologista (1)... Vive em Lisboa. Trabalhou em artes gráficas. Hoje está reformado. Estou à espera que ele ponha as competentes legendas nas fotos que me mandou (algumas impublicáveis, porque susceptiveis de ferir a sensibilidade de muitos de nós), sobre esse inferno de Bissau, que era o Hospital Militar 241, e que o nosso camarada Beja Santos aqui evoca e descreve, com profundo conhecimento de causa.



Guiné > Bissau > HM 241 > 1972 > O tristemente famoso heliporto...



Guiné > Bissau > HM 241 > 1972 > Impressionante foto do estado de um ferido grave, evacuado do mato (uma evacuação Ypsilon, os 20 minutos de heli mais dramáticos do mundo) (2)...

Fotos: © Carlos Américo Rosa Cardoso (2007). Direitos reservados

Continuação das memórias do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (3). Texto enviado em 21 de Fevereiro de 2007.


Caro Luís, aqui vai mais um episódio. Quanto a ilustrações, renovo o meu pedido de te socorreres da fotografia do HM 241 e dos postais que a seu tempo te mandei sobre Bissau. Espero na sexta feira enviar-te novo episódio.


Um hospital militar na carpintaria da guerra

por Beja Santos


Comecei a fazer as análises e recebi ordem para em apresentar no Quartel de Adidos, onde em breve devo prestar serviço. Antes de mudar a trouxa que me acompanha, escrevo ao Casanova insistindo no plano das desmatações, sobretudo junto das portas que ligam Missirá a Cancumba e a Sansão. Tive a preocupação de previamente falar com o régulo Malã sabendo que os seus cajueiros, se bem que fossem uma boa fonte para os seus rendimentos, eram verdadeira dinamite para a segurança de Missirá. Ele ouviu-me com atenção e anuiu na desmatação sem contemplações dos seus cajueiros.


A sina do preto


Quem me puniu, desconhece que não dispomos de dinheiro, ao contrário das companhias aquarteladas, para pagar a assalariados para tais desmatações. Os soldados nativos e os milícias, é entendimento das CCS, não têm direito a um fundo de 12 mil escudos mensais para fazer este trabalho. É esta a sina do preto. Os militares vão a Mato de Cão, patrulham, emboscam à noite e de dia, reparam o aquartelamento, arrastam bidões de água desde da fonte, fazem reforço e desmatam. São militares e bandeirantes...

Pedi igualmente ao Reis, por aerograma, que deixasse os desenhos dos novos armadilhamentos que se propõe fazer e que me dão permanentemente calafrios. E depois de escrever cartas para Lisboa sigo para o centro de Bissau.


Reencontro de amigos


Os encontros dentro do grande teatro do mundo sucedem-se, inusitados e algumas vezes muito agradáveis. Vejo Braima Mané, aquele amigo de Finete que ficara estropiado e de braço paralisado quando se precipitou para a cubata em chamas numa tentativa inglória de salvar a sua família. Continua em tratamento e anuncia-me que vai casar.

Ele grita para o outro lado da estrada e aparece Cibo Indjai, a sua mulher Cumba e a filha Mariama. Cibo está de férias, vieram agora do hospital civil onde a mãe de Cumba teve gémeos mortos. É através de Cibo que sou informado que está a ocorrer uma operação no Corubal, com milhares de homens, a Lança Afiada (4).

Encontro, conforme combinado, o Cherno a quem anuncio que dentro de dois dias vou ser hospitalizado. Estamos junto do mercado de Bandim, um altifalante berra a canção I'll be there, dos Four Tops. Peço ao Cherno que não se esqueça que Missirá está muito desfalcada e que ele é um apontador de morteiro indispensável.

Almoço com a Maria Luísa e o Pedro Abranches e depois sigo para o Hospital Militar onde visito o Fodé. À saída um novo encontro, desta vez com o Cabo Raposo, que veio pôr placas dentárias, é um bem disposto contrabandista do Marvão que está de férias e me refere que corre o risco de sair de Missirá depois dos cinco dias de prisão que apliquei por ter adormecido no posto de vigilância (já antes apanhara-o a aliciar Serifo Candé com 20 escudos para lhe fazer o reforço). Acompanho-o aos serviços de pessoal e a situação fica regularizada: o Raposo não será afastado de Missirá.


Uma namorada em lágrimas, do outro lado do mundo, e um soldado agrilhoado em Bissau


Depois vou aos correios e encho-me de coragem e comunico à Cristina que os meus dois dias de prisão simples comprometeram as minhas férias em Lisboa, havendo que restabelecer novos planos, novos cenários para o nosso reencontro. A Cristina chora convulsivamente do outro lado do mar.

À saída, deslumbrado pelo sol quentíssimo, vou procurar serenar de novo no meu local preferido, o porto de Bissau, olhando o movimento dos pescadores e o carregamento dos batelões que seguem para o Geba, para o rio grande de Buba, para os Bijagós. Depois sento-me numa esplanada e mais tarde sigo para a Catedral de Bissau onde o coro dos meninos da missão me levantam ânimo nesta missa que me recorda a Missa Luba, cantada pelos trovadores do rei Balduíno, no antigo Congo Belga.

No dia seguinte apresento-me nos Adidos e vai seguir-se um dia infernal com os desacatos de um soldado, conhecido por Escola, que em Pirada disparara três tiros mortais num sargento e aproveitou o meu dia de serviço para agredir outros presos e desfazer a mobília. Tudo começara quando fora ao chuveiro, deu-lhe uma repentina, desmantelou portas, escavacou lavatórios e feriu-se com uma navalha. Vendia jornais ao pé do Cinema Condes, desconhecia quem eram os pais nunca percebeu para que foi mobilizado, nunca aceitou a disciplina e agora grita e chora -Tenho a vida toda fodida, não me interessa voltar para sair da guerra para a prisão.

Este dia nos Adidos lançou-me um olhar sobre uma outra dimensão das incompreensões para que nos arrastam estes teatros de guerra. Deram-lhe uma injecção e antes de adormecer disse-me:
-Ó meu alferes, não há maior desgraça do que a do Escola!.


Eu e o Cherno no HM 241

Pronto, hoje de manhã eu e o Cherno entramos no HM 241, todas as análises são feitas, espero calmamente que me chamem numa recepção que tem uma ampla vidraça de onde se avista o heliporto continuamente em movimento, abre-se a porta e saem feridos cambaleantes ou em macas, é um rodopio sem parança.

Nisto, uma trovoada de rotores anunciam uma série de chegadas aflitivas: o helicóptero desce, saem homens que gritam, que imprecam, que estendem os braços a pedir auxílio; o helicóptero parte e logo aterra outro, o espectáculo repete-se, e mais outro e mais outro. O serviço de atendimento enche-se de pessoal de saúde e é fácil ver o que aconteceu: uma companhia de fuzileiros foi atacada pelas abelhas, aqueles homens vêm inchados, deformados, deliram, choram convulsivamente.

Eu procuro explicar ao Cherno o que é um choque anafiláctico e até as suas consequências letais. Vejo pela frente um tenente médico de cabeça perdida que me grita de sopetão:
-Minha besta, aí sentado e a fazer comentários indiferente a toda esta tragédia, que falta de coração!.

O Cherno não percebia a censura do médico que se insurgia enquanto nós conversávamos, abria os olhos para o médico e perguntava-me:
-Alfero, o que é que ele quer, ele precisa de ajuda?.

Procurei acalmá-lo dizendo ao médico:
-Pensei que o senhor estivesse preparado para ver a dor e não perdesse a cabeça ofendendo quem nada pode fazer a não ser olhar o sofrimento dos outros.

A cena acabou, fui chamado, levado para um quarto e daí metido para uma maca que seguiu para o bloco operatório.


As visitas e a alta


Quando acordei, tinha o olhar vigilante do Fodé sobre mim e exclamou:
-Oh, acordaste, tens dores?.

E com este cuidado fraterno começou a minha convalescença. Uma enfermaria presta-se a visitas, beneficiei da vinda dos familiares do Fodé, tive que dissuadir o Cherno a não pedir para ficar na enfermaria de noite, até o brigadeiro Spínola se debruçou sobre a minha cama, partindo rapidamente quando foi informado pelo médico que era uma operação que não deixaria marcas. Mas uma enfermaria tem mutilados, é gente a viver em grande tormento. O jovem Manuel, por exemplo. Padeiro em Rio Maior, uma filhinha de 6 meses, uma mina posta poucas horas antes na carreira de tiro de Tite e perdeu a perna esquerda. Tinha chegado quatro dias antes à Guiné. Sofre em desassossego, não aceita o irremediável, comove-se, grita alto, pede ajudas impossíveis.

Dão-me alta, coxeio ligeiramente, tenho uma boa parte da perna entrapada. O Rui Gamito veio-me buscar, leva-me até Brá e àquele cenário de casarões em cimento, eu aliás só sonho com aquele cimento que pode alterar as nossas condições de vida [, em Missirá]..

Regresso ao QG para a convalescença. Compro livros de André Malraux e Claude Roy. Todos os dias procuro saber quando terei avião para Bafatá. Hoje, 20 de Março, cheio de promessas de que muito material de engenharia vai beneficiar Missirá e Finete, informado que os pontos podem vir a ser tirados em Bambadinca dentro de 5 dias, pelas seis da tarde, estou junto de um guichê onde vou receber um guia de marcha. Informam que o voo está cancelado que só posso seguir dentro de dois dias. Quando vou regressar ao jipe há um sargento que me chama com o rosto incendiado:
-É o alferes de Missirá? Leia esta mensagem.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Missirá > 1969 > A morança do comandante do Pel Caç Nat 52 , destruída por uma granada incendiária, por ocasião do grande ataque ao destacamento em 19 Março de 1969. O Beja Santos perdeu tudo o que tinha, incluindo os seus haveres mais preciosos: os livros, os discos, os escritos, as cartas... Valeu-lhe a solidariedade do pessoal do BCAÇ 2852.
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.


Missirá em cinzas, no ataque de ontem

O que estou a ler queima-me os olhos, explode-me o crânio: Missirá fora ontem, [19 de Março de 1969,] atacada pelas 9 da noite e desaparecera praticamente num incêndio. Com o coração apertado, dirijo-me ao serviço de operações e peço mais dados pormenorizados. As informações que me disponibilizam é de que houve um ataque que durou mais de duas horas, há dois mortos, dois soldados feridos e seis civis também hospitalizados. A maior parte do quartel desapareceu no incêndio, de madrugada teve de se fazer um reabastecimento de urgência, as munições estavam praticamente esgotadas.

Enterrar os mortos e cuidar dos feridos


Não preciso ouvir mais, peço ao condutor que me leve de novo ao Hospital Militar. De novo numa enfermaria, oiço os relatos do régulo Malã, do bazuqueiro Adulai Djaló e do soldado Bacari Djassi. Malã insiste que todos os meus bens desapareceram, só ficaram os ferros da cama. Os rebeldes vieram com vários canhões sem recuo, aproveitaram uma noite quente, foram bem sucedidos com as balas incendiárias que devoraram os colmos das moranças e um vento assassino chegou subitamente para fazer o resto.

Pergunto quem morreu. Morreram Sadjo Baldé, pulverizado por uma granada de morteiro, à entrada do abrigo e Djau Seidi, um soldado milícia que procurava ajudar o municiamento do morteiro 81. Feridos, estão ali todos e são sete. O régulo insiste:
-Respondemos bem ao fogo, mas não temos canhões. E quando chegou o incêndio até podia ter acontecido pior pois eles podiam ver tudo o que fazíamos.

Abraço os meus amigos e vou de novo ao Quartel General, onde consigo ser recebido pelo ajudante de campo do Comandante Militar. Ele ouve as minhas súplicas e manda-me apresentar em Bissalanca pelas 7h da manhã:
- Ou um helicóptero o deixa em Missirá ou vai de DO ou de Dakota até Bafatá, qualquer solução será encontrada. Leva esta carta e apresente-a amanhã no aeroporto.

E, de facto, na manhã seguinte segui até Bafatá , daqui para Bambadinca e gente amiga da CCS trouxe-me ao princípio da tarde até junto das cinzas de Missirá. Sei perfeitamente que o peso das minhas memórias é muito superior ao que desapareceu dentro da minha cubata. Nessa noite, escrevo à Cristina:

"Já comecei os planos para a nova Missirá. O colmo tem que desaparecer e dar lugar a cimento e a chapa. Estou cheio de sonhos no meio deste dilúvio, e foi providencial o encontro com o Rui Gamito. Estou determinado a tirar Missirá dos escombros. Não há punição injusta que me abata”.

Reconstruir Missirá, com a Música ao longe, do Erico Veríssimo

Descobri uma nova faceta nesta tarefa que se avizinha, que é a de reconstruir um povoado, proteger a sua população, continuando a combater e a perseguir a gente de Madina. Os meses de Abril e Maio serão duríssimos, e vou mesmo abalar a minha saúde até à prostração e debilitação física. Em Abril, aparecerão tijolos de adobe e vão chegar materiais do Batalhão de Engenharia. Combateremos e reconstruiremos. Haverá promessas que nunca serão cumpridas.

Receberei imenso apoio do BCAÇ 2852. Quando chegarmos sem uniforme a Bambadinca, dentro de dias, tudo quanto é possível nos será oferecido, inclusive receberemos comovidos todos os fardamentos dos 17 militares falecidos da Companhia de Galomaro, vitimados pelo sinistro da jangada que se virou no rio Corubal. A solidariedade vai funcionar.

Em Bissau, como disse, comprei livros, li alguns que foram poupados às chamas. Desambientado, vivendo com mais 12 ou 15 em camarata, refugiei-me numa boa literatura mas sem grandes exigências. Comecei por Música ao longe, do Erico Veríssimo, um grande prosador brasileiro de que nunca entendi o silêncio que paira sobre o seu nome. Em adolescente, a minha Mãe oferecera-me Clarissa, uma obra posterior a esta que agora devoro e me empolga. Neste livro que leio em Bissau Clarissa é professora de crianças em Jacarecanga, terra de gaúchos onde os Albuquerques são nome da família mítica da região. É tudo prosa simples, elegante, cromático. Logo no início, pode ler-se:

“Clarissa risca com giz no quadro negro a paisagem que os alunos devem copiar. Uma casinha de porta e janela, em cima duma coxilha. Um coqueiro do lado (onde o nosso amor nasceu- pensa ela no momento em que risca o tronco longo e fino). Depois, uma estradinha recorre, ondulando como uma cobra e se perde longe no horizonte. Nuvens de giz do céu preto, um solo redondo e gordo, chispando raios, árvores, uma lagoa com marrecos nadando...

"Clarissa recua um pouco para olhar. Um zunzum das conversas abafadas aumenta e diminui, como a música de um órgão. Estrala um banco. Explode uma risadinha”.

Clarissa vive com a família de várias gerações de Albuquerques que caminham para a ruína económica. Os personagens são recortados com realismo e doçura, desde D. Zézé, sempre estável mas que já vive fora desta mundo, passando por Cleonice e Pio, noivos há doze anos, ele não quer dar o nó sem que chegue uma promoção.

Como diria Erico Veríssimo, neste romance germinam outros, haverá figuras que irão reaparecer em comovente literatura. O recurso em que assenta a estrutura deste romance é o diário de Clarissa: “A gente nunca escreve tudo o que pensa, tudo o que sente. Porque será que só somos sinceros pensando?”. Clarissa vai-se afeiçoando pelo seu primo Vasco, rapaz de aspecto selvagem e vincada personalidade. Através do diário temos as recordações da infância de Clarissa até ao seu afecto por vezes contraditório por Vasco.

Leio e releio sofregamente Música ao longe que me atrai pela sua simplicidade, pelos enredos plausíveis, pelo exótico de um mundo rural que eu desconheço. Abençoado o bem que Erico Veríssimo me faz. E daqui passo para O mistério do Bellona Club por Dorothy L. Sayers. Esta escritora britânica criou o detective Lord Peter Wimsey, um sofisticado que lê manuscritos de Justiniano, é requintado gastrófilo e tem um criado que é um verdadeiro pesquisador e angariador de informações.

Entre as duas guerras, o Bellona Club, ali para os lados de Picadilly, é uma instituição que será seriamente abalada pela morte, aparentemente natural, do sócio general Fentiman, um nonagenário herói da guerra da Crimeia. Lord Peter vai descobrir que houve crime e levará o criminoso ao desfecho honroso de se suicidar em pleno Bellona Club. Dorothy Sayers oferece-nos um vigoroso retrato do império britânico enfraquecido depois da 1º Guerra Mundial, com a sua aristocracia traumatizada, desvela a emancipação feminina e muita hipocrisia de costumes.

Eu trazia este livro da Dorothy Sayers comprado num alfarrabista na feira de S. Pedro de Sintra, teria aí os meus 18 anos. Aquela prodigiosa capa do Cândido da Costa Pinto sempre me intrigara, tinha chegado o momento de satisfazer a curiosidade com a trama da intriga policial.

Amanhã a minha vida vai mudar. Ainda com 23 anos, eu interrogo-me o que é que é possível ainda acontecer-me mais. Inocente e ingénuo, não sou capaz de desvendar esta corrida precipitada da qual já não sei sair. Por ora, sei que vou reconstruir um quartel numa atmosfera cheia de adversidades. Mas quantas adversidades não houve e não foram vencidas desde que aqui cheguei?

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 1 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1481: Hospital Militar de Bissau (1): Apresenta-se o ex-1º Cabo Radiologista Cardoso

(2) Na Guiné, as evacuações ditas Ypsilon (feridos muito graves) eram feitas de helicóptero, para o Hospital Militar de Bissau. As distâncias eram curtas, a Guiné é do tamanho do Alentejo. Os nossos helicópteros não estavam, no entanto, preparados para andar ao fim da tarde e, muito menos, à noite... No meu tempo (1969/71), e na zona leste, os helicópteros poisavam directamente numa clareira da mata, quando andávamos em operações; ou então a partir do heliporto do aquartelamento mais próximo, se o ferido não morresse até lá... No meu tempo, havia uma enfermeira-parquedista a bordo...Os nossos mortos nunca eram helitransportados, mas sim levados, penosamente, em macas improvisadas... O argumento (de peso) era que: (i) o helicóptero custava 15 contos à hora (o ordenado mensal de dois alferes, na altura, ou seja, em 1969...); (ii) o serviço de saúde só cuidava dos vivos, não dos mortos.

Como se sabe, na Guiné a nossa superioridade aérea acabou no dia em que foi utilizado, pelo PAIGC, o primeiro míssil terra-ar, no inícío do 2º trimestre de 1973... Aí acabou também a guerra da Guiné: o aquartelamento de Guileje é abandonada, em pânico, em Maio de 1973... Em Guidaje somos massacrados... O moral das NT tocou o fundo da bolanha... Os oficiais do quadro conspiram... A nova Repúblivca da Guiné-Bissau, proclamada em Madina do Boé, em Setembro de 1973, é reconhecida por dezenas de Estados independentes... Portugal está cada vez só, e cada vez com menos motivos de orgulho...


(3) Vd. último post desta série Operação Macaréu à Vista:

10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1577: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (36): Bissau, um grande teatro de luz e sombras

(4) Sobre a Operação Lança Afiada (que mobilizou cerca de 1100 homens, entre combatentes e carregadores), vd. posts:

31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

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