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Meus queridos amigos,
Que 2010 vos traga os maiores sucessos, com saúde e muitas andanças no blogue. Regresso 2.ª feira, agora só penso nos projectos do próximo ano, bem gostaria de ter coragem para voltar à Guiné.
Um abraço e a muita estima do
Mário
OS ANOS DA GUERRA:
ALGUNS OLHARES SOBRE A LITERATURA DA GUERRA DA GUINÉ (3)
Beja Santos
Recordatória
Competência
“O soldado-cadete Ramalho pousou no alferes dois olhos surpreendidos. E ficou de boca meio aberta, como alguém que nunca tivesse pensado no assunto.
- Um homem – prosseguiu o alferes – não se bai abaixo por causa de um arranhão no pé. Você nunca compreendeu isso?
O soldado-cadete Ramalho escarrou para o lado.
- Que é que isso quer dizer? – bramiu o pequeno alferes. – Quer que lhe ensine a ter maneiras?...
- Agora? – inquiriu o outro, com os olhos reduzidos a duas frestas.
- O rapaz tem razão – comentou Gwlyx. – o meu alferes teve muitos meses para lhe ensinar o que quis... e agora... francamente quando ele diz que tem um pé partido...
- Qual partido, qual carapuça! Toca alinhar!
Alinharam, mal barbeados, cobertos de pó, estourados, os soldados-cadetes, “doutores” do primeiro pelotão da primeira companhia. E iniciaram a marcha de regresso ao acampamento, com o soldato-cadete Ramalho na retaguarda, apoiado ao ombro do Gwlyx, e com a arma em bandoleira, mas no ombro esquerdo. Alguns metros andados, o Ramalho declarou ao camarada que sentia latejar o pé.
- Que chatice! – confidenciou – Tens de dizer a essa besta que eu não dou nem mais um passo.
O Gwlyx abandonou o Ramalho na berma da estrada e foi retransmitir a mensagem ao alferes, mas suprimindo o vocábulo “besta”. Veio o alferes em pessoa observar o queixoso, começando por declarar:
- Tenho um horário, percebe? Tenho ordens a cumprir, percebe? Tenho de regressar com o meu pelotão à hora exacta, percebe? E o senhor está a atrasar a marcha. Faça um esforço e marche como os outros.”
“Avançaram. Há muito que terminara a refeição da tarde e o acampamento preparava-se para resistir aos ataques nocturnos que o inimigo não deixaria de desencadear. Circulavam terríveis boatos quanto à ferocidade do inimigo: viria pela calada, iludiria as sentinelas inexperientes, destruiria as barracas, faria prisioneiros e mortos simulados. Diziam os soldados-cadetes melhor informados que, em tais circunstâncias o melhor era ser-se imediatamente morto. O inimigo deixava os mortos no solo e estes teriam apenas a maçada de reconstruírem as barracas; quanto aos prisioneiros, tinham de acompanhar o inimigo até um problemático acampamento, às vezes situado a muitos quilómetros de distância. Depois de um dia esgotante, mais valia a morte simulada.
- Afinal, quem é o inimigo? – interrogou o Ramalho.
E encontrou forças para rir, enquanto o médico Tww lhe arrancava, enfim, a bota.
- São cadetes de outras companhias – explicou o médico – que não gramam a companhia dos “doutores”. Vão gozar que nem pretos, quando nos deitarem as barracas abaixo.”
José Martins Garcia
Destino: Guiné
“Era pela ilha que João se deixava escorregar, a memória atada a todos os tempos, lugares, pessoas, sonhos intemporais.
Ilha redonda ou pão de milho, hóstia desconsagrada de franja roída, suas gentes voltadas para o mar – o deus do pão e da aventura e também do medo e da saudade. João vinha do lado norte mais alto e ventoso, os campos rasos e verdes, casas a brilhar de cal, pequenas, baixas, conchas perdidas na ilha perdida.”
“Cento e vinte e sete!, o nosso capitão chama-te.” A memória partida, o horror do nome em número, um vago 127 dependurado ao pescoço na chapa picotada pelo diâmetro a quebrar em caso de morte e poder, enfim, ter direito ao nome. “O nosso capitão chama-te!”, os olhos que se abrem num despertar de insónias. Lisboa é já uma mancha sem telhados. O sol mais freco pela brisa. O mar, manso que nem um são-bernardo, tece ondas pequeninas como Penélope em seu tapete líquido de azul e infinito. E João, perdido naquele barco enorme, no meio de mil duzentos e cinquenta e três homens, lá ia a caminhjo da guerra como se fosse voluntário dela. Destino: Guiné.
Álamo Oliveira
A partir de agora vamos entrar no palco da guerra. Na Guiné, iremos partilhar esperança, sofrimento, sede e afectos com Álvaro Guerra, Urbano Bettencourt, José Luís Farinha e José Martins Garcia.
(Continua)
Foto e legenda: © Mário Beja Santos (2009). Direitos reservados.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5600: Notas de leitura (48): Os Anos da Guerra, de João de Melo (2): Os preparativos e Sinfonia para uma guerra (Beja Santos)
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