segunda-feira, 30 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18880: Notas de leitura (1087): “Máscaras de Marte”, por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2018 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Maio de 2018:

Queridos amigos,

É um romance invulgar, inegavelmente com suporte histórico. Assistimos ao evoluir de mentalidades de homens formados para o dever e para o cumprimento estrito na fidelidade militar. Eles vão evoluindo num cenário de guerra, móvel, caprichoso, cobrindo-se de glória e ruminando a dor de perdas, assistiremos ao fragor das operações e aos gritos dos sinistrados. E da fé inabalável chegaremos à compreensão de que aqueles combates tinham chegado a um beco sem saída e que depois do fim da guerra houvera dispersão, desistência e silêncios, muitos silêncios.

Oxalá que Nuno Mira Vaz não perca este filão do romance com paraquedistas, esta operação ganhou-a bem.

Um abraço do
Mário


Um romance sobre os paraquedistas no declínio do Império (2)

Beja Santos

“Máscaras de Marte”, de Nuno Mira Vaz, Fronteira do Caos Editores, 2018, é um romance histórico, com uma arquitetura bem escudada numa memória que vem do Colégio Militar, grandes amigos de armas encontram-se na Guiné no período de 1972 a 1974, a narrativa percorre as lides e andanças desses Oficiais Paraquedistas e suas tropas, há a crueza das operações, a brutalidade dos sinistros, a farronca daqueles que querem ser heróis à força, a mudança de mentalidades daqueles que acreditaram piamente no dever e na fidelidade aos princípios e que se apercebem que está ali um mundo vulcânico, um parturejar de país, que nenhum espírito combatente já pode obstar.

A roda da fortuna deu uma guinada para os acontecimentos que ocorreram a partir de 25 de março de 1973, um míssil terra-ar Strela marca a sua presença no teatro de operações, de forma sucinta o autor relata tais factos e descreve o que está a mudar, em tal onda de perplexidade, o PAIGC concentra efetivos nas fronteiras Norte e Sul, vai começar o inferno em Guidage, Guilege e Gadamael.
Escreve Nuno Mira Vaz:

“O deslocamento do esforço militar português para Sul acabou por ser aproveitado pelo PAIGC junto à fronteira Norte. Sem que tivesse transpirado pitada para os Serviços de Informações Militares ou para a DGS, o PAIGC concentrou seis centenas de guerrilheiros em redor de Guidage, mantendo como ponto de apoio principal para a manobra de cerco a base de Cumbamory, em território senegalês. Aqui, à ordem do Comandante Francisco Mendes (Chico Té) e tendo como comissário político Manuel dos Santos (Manecas), permaneciam o Grupo de Foguetões do Norte, um grupo de artilharia e um grupo de reconhecimento. Na zona de Cufeu, barrando a estrada entre Binta e Guidage, instalou-se o Corpo de Exército 199/B/70; na região de Facar, a Oeste, posicionou-se o Corpo de Exército 199/A/70; e o Corpo de Exército 199/E/70 dividiu-se em dois segmentos: um em reforço do Corpo de Exército 199/B/70 na zona de Cufeu e outro na defesa da base de Cumbamory”.

Em Guidage estão a CCAÇ 19 e um pelotão de artilharia, são 200 elementos. A partir de 8 de maio, irá apertar-se o cerco com minas anticarro, colunas de reabastecimento que são obrigadas a regressar, emboscadas inclementes, bombardeamentos sobre o destacamento, impede-se o abandono com enérgica intervenção de um destacamento de fuzileiros e graças à energia indómita do Tenente-Coronel Correia de Campos. A 17 de maio, vai uma Companhia de Paraquedistas que sai de Binta e que se desloca a corta-mato, mas o inimigo está à espreita, é dia de luto para a Companhia, mas entram em Guidage.

Há igualmente a retirada de Guilege e os tempos de provação que se irão viver em Gadamael, no meio de um fogo infernal desembarca ali, vinda expressamente de Caboxanque, outra Companhia de Paraquedistas. Neste ínterim, a artimanha montada pelo Capitão Rosado, que acumulara armas do PAIGC que seriam depois referenciadas em sucessivos relatórios eivados dos seus autoproclamados feitos heróicos e com apreensão de armamento do PAIGC é descoberta pelo Major Alves, o aldrabão de feira e pesporrente Rosado pretende vingar-se do Cabo Quarteleiro Azinheirinha, o autor deixa-nos aqui páginas expressivas, assim:

“Percebeu então que Azinheirinha, produto das planícies e amante da quietude e do silêncio, era um falso lento: ao mesmo tempo que recuava um passo, fazia voar a mão esquerda ao encontro do braço do capitão. Só quem teve o pulso agarrado por uma manápula de cavador é que pode compreender a sensação de estar aprisionado numa tenaz de aço. Com a incredulidade estampada no rosto, Rosado demorou menos de um segundo a reagir com o outro punho, mas não obteve melhor resultado, porque a mão livre do Azinheirinha procedeu exatamente como a sua irmã. Durante um espaço de tempo que pareceu desmesurado a ambos, ficaram frente a frente, separados por centímetros, o capitão com as feições desfiguradas e vermelhas de raiva e o soldado sem pinga de sangue, lívido de inquietação”.

Sucedem-se episódios que fazem parte da História dos últimos atos da guerra colonial, caso do Congresso dos Combatentes, que mereceu um vigoroso abaixo-assinado de protesto, militares altamente condecorados diziam não reconhecer aos organizadores a necessária representatividade e não admitiam que pela sua não participação fossem definidas posições ou atitudes que pudessem ser imputadas à generalidade dos combatentes.

Spínola regressa à Metrópole, começa a contestação da legislação que permitia oficiais milicianos a ingressar num quadro especial de oficiais, foi enorme a reação, aqui germina a formação do MFA. A guerra prossegue, Mira Vaz descreve uma operação destinada a destruir um quartel do PAIGC nas imediações de Bedanda, são páginas muito sentidas.

E assim se chegou ao fim da guerra, aqueles militares briosos, as máscaras de Marte, entram num ocaso:

“Um deles desligou-se rapidamente do serviço ativo e regressou à terra natal para colaborar na gestão do património familiar. Não foi uma única vez a Tancos para festejar o Dia dos Paraquedistas. Aquele que fora um dos mais genuínos apoiantes do MFA foi preso no 11 de março. Reabilitado no 25 de novembro, foi promovido paulatinamente até ao posto de tenente-coronel, tendo então passado à reserva. No dia 23 de maio de cada ano vai em peregrinação a Tancos, para um convívio sempre estimulante com os seus antigos camaradas. Lê cada vez menos e tem-se aproximado de Deus, na mesma medida em que se tem afastado dos homens.

O capitão que não assinou o documento esteve quase a ser saneado na sequência do golpe militar. Subiu sem entusiasmo todos os degraus da hierarquia até coronel. Vai com frequência a Tancos, mas a alegria que sente na companhia dos antigos camaradas é sempre ensombrada por certas lembranças infaustas. Há dias em que se arrepende de não se ter oposto pelas armas ao abandono do património português de além-mar.

Aquele em relação ao qual nunca se conseguiu apurar, sem margem para dúvida, se assinara ou não os documentos mais importantes do MFA, esteve quase a chegar a general. Quando a promoção parecia iminente, alguém foi aos arquivos desenterrar um certo documento, foi decidido que ele não tinha condições para a promoção. Quando passou à reforma, fez questão de comparecer aos festejos do dia 23 de maio. Mas, fosse por causa do seco acolhimento dos camaradas, ou porque não aguentava ser figura secundária, passado dois anos deixou de ir a Tancos”.

Um imprevisto romance envolvendo capitães paraquedistas na Guiné, importa saudá-lo pelo conteúdo e a forma. E pedir ao seu autor que prossiga na senda da ficção.
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Notas do editor

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Último poste da série de 27 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18872: Notas de leitura (1086): "Heróis limianos da Guerra do Ultramar", de Mário Leitão, ed. autor, Ponte de Lima, 2018, 272 pp. Um ato de pedagogia cívica e patriótica, que devia ser replicado em todas as nossas terras

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Victor Tavares que faz hoje anos, pertenceu à CCP 121/BCP 12, mas é do ano de 1972/74...De qualquer modo, espero que se possa rever no romance de Nuno Mira Vaz... Ele foi um dos bravos de Guidaje...

De qualquer modo, está na altura de os camaradas do BCP 12 quebrarem a "lei do silêncio"...Ainda não li o livro do nosso coronel Nuno Mira Vaz, pela saúdo-o pelo lançamento de mais este livro, e em especial deste livro. Bom sucesso!... LG