domingo, 29 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18878: (D)o outro lado do combate (35): a doutrina do PAIGC no recrutamento de jovens combatentes para as suas fileiras (Jorge Araújo)



Citação: (1963-1973), "Jovens recrutados pelo PAIGC durante a instrução militar", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43870 (2018-7-20), com a devida vénia.


Citação: (1963-1973), "Jovens recrutados pelo PAIGC durante instrução militar", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43874 (2018-7-20), com a devida vénia.


Citação: (1963-1973), "Jovens da Milícia Popular do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43128 (2018-7-20), com a devida vénia.




Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do nosso blogue


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > A DOUTRINA DO PAIGC NO RECRUTAMENTO DE [JOVENS] COMBATENTES PARA AS SUAS FILEIRAS



1. INTRODUÇÃO


A propósito da existência de crianças/meninos-soldados, tema apresentado nos últimos dois postes - P18855 e P18858 - (*), não acredito que haja alguém neste nosso planeta, mesmo que se considere pouco informado, que possa afirmar desconhecer este fenómeno, tantos são os exemplos [imagens] que frequentemente nos chegam dos países, ou das regiões, onde se desenvolvem conflitos armados.

Com outras palavras, mas com igual sentido do parágrafo anterior, partilho convosco a reflexão do Doutor Fernando Nobre, autor do prefácio do livro «Meninos Soldados», do jornalista e professor americano Jimmie Briggs, editado pela Caleidoscópio em 2008, pp. 224 [obra que se encontra esgotada]. Diz ele: 


"Este livro tenta aprofundar a nossa compreensão para este terrível fenómeno que tem aumentado dramaticamente nas últimas décadas. Retrata o uso de crianças como soldados nos conflitos armados, tanto pelos governos como por guerrilhas militares em diversos lugares do mundo: Ruanda, Colômbia, Sri Lanka, Uganda e Afeganistão. As crianças são vítimas das maiores atrocidades e contam, na primeira pessoa, o que são obrigadas a fazer e o sofrimento por que passam às mãos destes grupos. A grande força do livro recai na forma como histórias das crianças são usadas para ilustrar o problema das meninos-soldados: como são recrutadas – incluindo recrutamento voluntário, rapto, coerção, etc. Expõe também as deficiências no sistema das Nações Unidas para evitar situações como estas.


"Falar das crianças-soldados é falar de uma das novas formas de escravatura e de um dos maiores insultos à consciência e ética humanas. É falar também do profundo sentimento de horror e de medo em que vivem estas crianças – os rapazes como carne picada para as metralhadoras e as minas; as meninas como carne para sexo em permanente disposição – quase sempre raptadas às suas pobres e indefesas famílias ou fugidas da sua miséria, da sua falta de esperança, da sua orfandade de pais e de humanidade". (Dr. Fernando Nobre).


De referir, como nota biográfica, que Fernando Nobre nasceu em Luanda em 1951. aí permanecendo até 1964, ano em que foi viver para o Congo Belga. Em 1967 mudou-se para a Bélgica onde se licenciou e doutorou em Medicina como especialista em Cirurgia-Geral e Urologia na Universidade Livre de Bruxelas. Iniciou a sua vida profissional no Serviço de Cirurgia-Geral e Urologia do Hospital Universitário de Bruxelas, tendo lecionado, como assistente, as disciplinas de Anatomia e Embriologia.

Também na Bélgica iniciou a sua colaboração com os Médicos Sem Fronteiras, de que foi membro e administrador. Regressado a Portugal, fundou em 1984 a Assistência Médica Internacional (AMI), organização não-governamental. Através da AMI participou como cirurgião em mais de duzentas e cinquenta missões de estudo, coordenação e assistência humanitária em cerca de setenta países. É professor catedrático convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, e noutras universidades privadas [Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Nobre, com a devida vénia].


Fonte: https://www.emaze.com/@ATCZQIR, com a devida vénia


2. A DOUTRINA DO PAIGC NO RECRUTAMENTO DOS SEUS [JOVENS] COMBATENTES


Recordo, neste ponto, que utilizei uma imagem (com mais de quatro décadas) de um menino-soldado-menino, do álbum do médico holandês Dr. Roel Coutinho, para enquadrar "A logística nas evacuações dos feridos do PAIGC na Frente Norte: um itinerário até ao hospital de Ziguinchor (Senegal)", título dado à narrativa do P18848. Para melhor conhecer este processo, ou a filosofia que o suporta, segui em frente na busca de novos elementos. (**)

A fonte privilegiada continuou a ser a «Casa Comum – Fundação Mário Soares» e o vasto espólio existente nos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973). A consulta foi, com efeito, bem-sucedida, pois aí encontrámos, escrito em francês, um questionário (ultra secreto) estruturado com 17 (dezassete) perguntas [e um outro com as respostas], em que a primeira é: «modo de recrutamento dos combatentes», com a seguinte classificação:

"Pasta: 07069.111.003. Título: Questionário destinado ao PAIGC sobre o modo de recrutamento dos seus combatentes. Assunto: Questionário destinado ao PAIGC sobre o modo de recrutamento dos seus combatentes. Data: s.d. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relações com a Guiné-Conacri / Senegal 1960-1970. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos". 

2.1. RESPOSTAS AO QUESTIONÁRIO (ULTRA SECRETO) DESTINADO AOS GOVERNOS DA GUINÉ-CONACRI E SENEGAL

[com tradução do francês da nossa responsabilidade]


1. - Modo de recrutamento dos Combatentes?

R. – Os combatentes são recrutados nas diferentes zonas constantes na organização territorial do nosso Partido. "Tomamos o pulso" [sinalizamos], no seio da maioria do campesinato, militantes do Partido.

2. – Qual é a idade mínima dos Combatentes?

R. – 17 a 35 anos.

3. – Eles são militantes ou simpatizantes do PAIGC?

R. – Militantes.

4. – Qual é o nível de formação política dos Combatentes?

R. – O nível político é variado. Mas a quase totalidade dos combatentes-militantes devem conhecer muito bem os objectivos do nosso Partido, preocupados com o Partido e com África, e estarem conscientes quanto à natureza particularmente difícil da nossa luta de libertação nacional. Um grande Partido de militantes, camponeses e operários, recebem uma preparação política nas bases do Partido.

5. – Qual é o nível de formação física dos Combatentes?

R. – Habituados ao trabalho do campo, os combatentes são no geral muito bem constituídos. Aqueles que frequentam regularmente as bases militares do Partido recebem uma preparação física para a luta.

6. – Qual é o nível intelectual mínimo dos Combatentes?

R. – O nosso país herdou do colonialismo uma percentagem de 99% de analfabetos e a maioria que teve a oportunidade de aprender a ler está concentrada nas cidades. Esta situação está presente no seio dos nossos combatentes.

7. – Que nível é preciso dar aos Combatentes?

R. – O nível de um combatente de base, poderá utilizar armas ligeiras. 

8. – Que especialidades é preciso ensinar?

R. – Armamento pesado, anti-aéreas, reparação de armas, mecânico militar, telecomunicações e de outras consideradas necessárias.

9. – No final do estágio pretendem utilizar os Combatentes numa Unidade existente ou isoladamente?

R. – Os combatentes serão preparados de modo a serem incorporados no nosso Exército Popular que, com os guerrilheiros e as milícias populares, formam as Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP). O exército regular utilizará, no entanto, as tácticas da guerrilha, em coordenação com os outros elementos das FARP.

10. – Efectivos a formar em cada estágio?

R. – 500 homens, correspondente a uma secção do nosso exército popular.

11. – Número de estágios por ano?

R. – No mínimo dois estágios, se o efectivo for de 500, ou três estágios se for de 250.

12. – Gostariam de propor um programa de instrução de base e de especialidade?

R. – Nós gostaríamos de discutir oportunamente este assunto com os nossos irmãos guineenses [Guiné Conacri]. Tendo em conta a experiência referente às lutas de libertação nacional, bem conhecidas dos nossos irmãos guineenses, estamos contudo convencidos que os problemas não encontrarão dificuldades.

13. – Gostariam de separar os quadros militares e políticos nos Centros (Professores, Intérpretes)?

R. – Nós preferimos não dividir os quadros da luta pelos centros. Em caso de necessidade, nós o faríamos por um número reduzido de centros. Mas estamos convencidos que os professores guineenses são suficientes para preparar os nossos combatentes, porque eles estão sempre em contacto com a direcção do Partido.

14. – Qual é a base da alimentação dos Combatentes?

R. – Arroz, peixe, carne, óleo de palma e amendoim.

15. – Em zona operacional, o Combatente recebe uma remuneração? Quanto?

R. – Não. 

16. – No centro de instrução deve receber uma remuneração?

R. – Não. Poder-lhe-ia ser, eventualmente, atribuído um subsídio para o tabaco [em folha] ou cigarros. 

17. – Como encaram a participação das mulheres na luta?

R. – A mulher pode assumir as funções que estejam ao nível da sua capacidade em cada caso concreto. As mulheres já participaram várias vezes nos nossos combates. Elas estão, na maioria das vezes, incluídas nas milícias populares, na polícia, nas tarefas de combatentes-enfermeiras, etc.


2.2. DOCUMENTOS ORIGINAIS


.Citação: (s.d.), "Questionário destinado ao PAIGC sobre o modo de recrutamento dos seus combatentes", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41566 (2018-7-20), com a devida vénia.



Citação: (s.d.), "Respostas ao questionário sobre o modo de recrutamento dos combatentes do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41571 (2018-7-20), com a devida vénia.

Obrigado pela atenção.

Um forte abraço de amizade com votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

21JUL2018.
___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

1 comentário:

Juvenal Amado disse...

Por cá, com que idade se podia entrar para a marinha de guerra e para os para-quedistas?
Tenho ideia de ir à inspecção para a marinha aos 16 anos ou no ano que os fiz.
Conheci um 2º sargento que foi fazer os 18 anos a Galomaro.