1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 10 de Maio de 2018:
Queridos amigos,
Um dia em cheio, Nîmes tem muitíssimo para ver, desde a Roma das Gálias à arquitetura contemporânea e mesmo à arquitetura do século XIX e do início do século XX é vistosa, por aqui andou a indústria das sedas e a região é opulenta em vinha, o seu produto final corre o mundo inteiro. É nítido o afã em concorrer a Património da Humanidade, as obras não param no anfiteatro, no que resta das muralhas, no castelo. Ali bem perto, em Pont du Gard, está o mais espetacular aqueduto romano já classificado pela UNESCO. É nítido que a cidade não quer ficar atrás.
Um abraço do
Mário
De Aix-en-Provence até Marselha (10)
Beja Santos
Nova etapa: Nîmes, aqui se arriba pela manhãzinha, sai-se da estação de caminho-de-ferro e dá-se de chofre com esta avenida sumptuosa, este original regato de água, as árvores à espera da primavera. Vem-se a Nîmes porque há as arenas, a famosíssima Casa Quadrada, os jardins e imensos vestígios da era romana. Mas nada de ilusões, Nîmes é muito mais que um depósito do passado, sente-se rapidamente que se reabilita e produz arquitetura nova.
Vamos bisbilhotar a Roma das Gálias, quando Nîmes se tornou colónia de direito romano, teve o seu apogeu no século II d.C., tudo andou bem até que a chegada dos Visigodos pôs termo à sua prosperidade. O viandante não sabia e guardou a referência de que no século XVII Nîmes ganhou reputação pelas manufaturas dos têxteis. E aqui surgiu um tecido, o Denim, que nós conhecemos pela sua utilização mundial nas calças de ganga. Importava-se algodão e índigo, para lhe dar cor, a sarja de Nîmes ganhou fama pela sua resistência, tinham nascido os blue jeans, no século XIX Levi Strauss lançou as calças que hoje são dos indicadores da globalização.
O anfiteatro ou arenas conta-se entre os maiores da Gália Romana, 133 metros de comprimento e 101 de largura, uma fachada com 21 metros de altura, com dois níveis, cada um com 60 arcos e no interior podem sentar-se 20 mil espectadores, naquele tempo a atração empolgante eram as corridas de carros, os combates de animais e os gladiadores. Quem vem de Arles tem motivos para não andar de boca aberta mas reconheça-se o esplendor destas arenas, o viandante veio encontrar obras de reabilitação, Nîmes pretende candidatar-se a Património Mundial da Humanidade – e tem razões para isso.
Este edifício moderno, depois de um concurso muito disputado, revela-se em diálogo perfeito com o anfiteatro romano, é um projeto de Elisabeth e de Christian de Portzamparc, está envolvido por uma fachada de vidro translúcido, o edifício parece que levita e ondula face à verticalidade dos arcos e à massa imponentes do anfiteatro. É aqui que irá funcionar o Museu da Romanidade, seguramente um património arrojado a juntar à candidatura da UNESCO.
Este edifício lembra um transatlântico em chapa metálica, ferro e vidro, mas atenção são dois longos edifícios paralelos, o engenho e arte passou pelo desafio de ganhar espaço e dar conforto e luz em cada um dos seus 114 apartamentos sociais. Edifício premiado, e com razão.
O século XIX teve os seus rasgos de esplendor em Nîmes com a indústria da seda só que a concorrência vinda de Lyon foi brutal, Nîmes procurou recuperar com o setor vitivinícola, que marcou uma nova era de prosperidade, aqui ficam imagens alusivas a esse período.
Depois do anfiteatro, a Casa Quadrada é a segunda maior atração da presença romana nas Gálias em Nîmes. É impressionante, foi construída sobre um alto pódio, o templo dominava o fórum da cidade antiga, estava encravado no centro da vida pública. É uma construção do século I d.C., mas o seu nome de Casa Quadrada foi dado no século XVI. Foi dedicado a dois filhos adotivos do Imperador Augusto, Caius e Lucius César. É o único templo do mundo antigo completamente conservado. Bastava esta referência para a impressão que provoca, mas há mais: a harmonia das proporções, a elegância das colunas até aos capitéis coríntios, a finura da sua decoração. Foi alvo de um enorme restauro de 2006 a 2010. É um dos grandes trunfos para a candidatura à UNESCO.
O viandante percorre agora os Jardins da Fonte, uma criação do século XVIII, estamos num dos primeiros jardins públicos da Europa. Aspeto curioso, respeita o plano do santuário antigo organizado à volta da fonte que existia desde os fins do século I a.C. Tem o traçado de um jardim à francesa decorado de vasos e estátuas de mármore ou pedra.
Mesmo ao lado destes jardins, temos os restos do Templo de Diana, considerado o monumento mais romântico de Nîmes, estaria associado ao santuário imperial, mas é desconhecida a sua função exata.
O viandante, se dispusesse de mais tempo, iria bisbilhotar o Museu das Belas-Artes ou o Museu da Arte Contemporânea, ainda quer ir esta tarde a Pont du Gard, a seguir parte para Marselha, mas não resiste à curiosidade de pôr um pé na Catedral, foi mal sucedido, está tudo em obras, limita-se a dar este pormenor da fachada e da torre, a fazer fé no que diz o Michelin e uma brochura turística, o friso superior é considerado como uma obra-prima da escultura românica do Midi da França. Aspeto curioso, os motivos do frontão e da cornija são folhas de acanto ou cabeça de leão, inspirados na Casa Quadrada. Foi uma bela visita a Nîmes, o tempo aqueceu, o viandante tem agora uns bons quilómetros de autocarro até Pont du Gard. Espera ter coisas para contar.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 28 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18874: Os nossos seres, saberes e lazeres (277): De Aix-en-Provence até Marselha (9) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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