sexta-feira, 13 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14356: A minha mãe, Maria Eugénia da Conceição Vitorino Gaspar, a minha Padeira de Aljubarrota (Mário Vitorino Gaspar)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de 3 de Março de 2015:

Caros Camaradas e Amigos
Nós temos bem de agradecer aos nossos pais: – e “Meu pai, meu velho, meu camarada".
Idêntico o procedimento para as “Nossas mães, verdadeiras padeiras de Aljubarrota”.
E como foi afirmado, e com pleno direito de não esquecer: - “… fotos do álbum de família que correm o risco de desaparecer com o tempo… Interessa-nos salvaguardar (e divulgar) aquelas que têm a ver com a juventude e a tropa dos nossos progenitores...
Sabemos das dificuldades que eles passaram nos anos 30/40, ensombrados pela tragédia da crise económica e social e pelas guerras que também nos tocaram, directa ou indirectamente (guerra civil de Espanha, II Guerra Mundial…)”.

Atrevo-me a enviar também um texto sobre “A Minha Mãe”, e não fico chateado, de modo nenhum, por não ser publicado.

Tenho a dizer-lhes que sinto enorme prazer em pertencer a uma Família de Amigos que possuem elos fortes com a Guiné. Fui, sou e continuarei a ser contrário a qualquer guerra, mesmo a que vem mascarada como de “Missão de Paz, Técnico-Militar no Estrangeiro” e outros termos para emoldurarem a guerra.
Sou contra, mas cumpri, não com Portugal, o Estado ou país, mas cumpri o que a consciência ordenou. Fui combatente, sou combatente e combato e jamais deixarei de o fazer.

A Amizade está em segundo lugar em toda a minha vida. Prezo e defendo os Amigos.
Mas tinha de ser: em primeiro lugar está a Família.

Gosto muito do Tejo e da minha bonita terra onde nasci: Sintra.

Um abraço a todos os Amigos da Tabanca Grande
Mário Vitorino Gaspar


A minha mãe, Maria Eugénia da Conceição Vitorino Gaspar


Para mim chama-se simplesmente MÃE – filha de José Vitorino e Rosa Vitorino, nasceu em A-do-Barriga, concelho de Arruda dos Vinhos, distrito de Lisboa.
A minha mãe teve mais dois filhos: o Ramiro Fernando e o José Alberto. A minha mãe foi, e é, o primeiro e grande amor da minha vida.

Tenho-a prisioneira dentro de mim, no meu coração, na minha mente, desde que os meus olhos se abriram para o mundo. Ali estava ela, sorrindo. Hoje continua a sorrir e sempre sorrirá.
Um sorriso da minha mãe, que supera em beleza o mais belo quadro pintado por um grande mestre da pintura, um artista, talvez uma rosa vermelha, que significa amor e paixão, luzindo suas coloridas cores irisada, ou ainda a papoila, com o significado de fragilidade, que parece de beleza efémera e mensagem, num vasto campo de trigo e um girassol, que dizem significar felicidade, e possuindo um ano de vida, que abre suas pétalas mui luzidias de manhã e fecha à tardinha.

Um sorriso da minha mãe que supera em beleza quem sabe se a dança aérea, como se de ballet se tratasse – num qualquer palco do mundo – de borboletas, que é um símbolo de ligeireza e de inconstância, de transformação e de um novo começo, voando livremente num dia de primavera. E o voo em liberdade das andorinhas, vestidas como viúvas, na primavera ou no verão em Portugal – e que passam o outono e o inverno em África – que simbolizam a boa sorte, a pureza e a fidelidade.

Um sorriso da minha mãe que supera em beleza as pombas brancas, que simbolizam a paz, que o mundo e principalmente o homem necessitam, esvoaçando pelo céu pintado pela natureza de um azul puro.

Mentalmente, beijei milhões de vezes a minha heroína, o meu grande primeiro amor – quando algum problema me surgia, ou surge, é ela que me ajuda – na realidade, beijei-a milhares de vezes. Senti e sinto o aroma dos seus beijos no meu rosto.

O amor que sentia pelos seus três filhos e seis netos, não igualava qualquer outro amor, consigo avaliá-lo quando recordo o nascimento dos meus sobrinhos, e principalmente do nascimento dos meus filhos, visto ter sido eu que dei a notícia dos acontecimentos. Senti a sua alegria.
Algo me intrigava, era o amor que sentia também pelos sete sobrinhos. Hoje entendo! Vivia em paz, pretendendo a paz para os seus entes queridos.

A minha mãe é simplesmente o amor – o primeiro e único verdadeiro e puro sentimento – que perdurará para toda a minha vida.
A minha mãe, foi e será, a minha padeira de Aljubarrota, e que já me perdoou pelas ocasiões em que a fiz chorar – embora não fosse essa a minha intenção – tanto de tristeza como de alegria.

Em ocasiões amargas da vida não brotava dos seus olhos uma lágrima, pretendendo assim não levar os outros a pensar ser dolorosa a situação.
Via-a chorar muitas vezes, mas fazia-o silenciosamente. Bebi, por vezes, as suas lágrimas
Foi o amor de mãe que me deu a força anímica para fazer frente à minha vida.

Na minha despedida dos meus pais, quando parti para a Guiné, não verteu uma lágrima. Meu pai, que nunca vira sinais de água salgada vertida dos olhos, chorou. A única vez que o vi chorar.

Nos seus olhos, na sua boca e nos seus gestos, encontrava o amor de mãe, um amor mais destemido que todos os amores, muito mais inflexível, um amor para durar para sempre.

Estive junto dela quando estava à porta da morte. Depois de ser sujeita a uma operação cirúrgica no Hospital de Vila Franca de Xira, teve alta e fui visitá-la. Preparei-lhe um banho, visto ela já não estar em condições de o fazer e, e enquanto a lavava ela disse:
– Filho, tantas vezes que te dei banho, e agora és tu que me dás banho!

Depois piorou, informaram-me que tinha sido internada e fui visitá-la. Quando entrei no Serviço de Urgência do Hospital não a reconheci entre os doentes, em qualquer cama na enfermaria. Vim mais tarde, ter passado por ela.
Perguntei à enfermeira onde se encontrava a minha mãe, tendo-me dado a informação. Descobria-a finalmente. Voltei para junto da sua cama. Sei que me reconheceu. Fiquei envergonhado, sentindo-me muito mal comigo.

Via-a, embora ficasse triste por verificar tão diferente se encontrava. Era a minha mãe e aproximei-me, após a enfermeira me ter feito sinal para ir junto do seu leito. Beijei-a na testa. Foi o único beijo que até à data dava na testa da minha mãe. Após a enfermeira me ter feito sinal para me afastar, dei-lhe outro beijo na testa. Num rosto desfigurado pela doença, nasce o sorriso da minha mãe. Ela não falou. Foi a despedida. Foi a despedida.
Foi a despedida.
Foi d derradeira vez que a beijei, ainda com vida. Não o esqueço!

Faleceu nesse mesmo dia. E não chorei. Nem sequer no velório, onde a beijei pela última vez. Acho que verti lágrimas interiormente.

Guardo o seu sorriso, segurei-o entre mãos e transporto comigo para sempre…

“Tudo aquilo que sou, ou pretendo ser, sou devedor ao devo-o ao anjo, minha mãe”.
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