segunda-feira, 9 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14337: Notas de leitura (689): A minha querida Aldeia do Cuor! (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Maio de 2014:

Queridos amigos,

Para quem vivia no regulado do Cuor era obrigatório patrulhar a região da Aldeia do Cuor, que conheci reduzida a imponentes paredes de pedra, dava mesmo para sonhar que tinha havido por ali a capital de um império de ouro ou de caju, tanto fazia. Patrulhava-se toda a margem à procura de sinais de cambança, até perto de Canturé, era a única maneira de saber quando e como os rebeldes procediam a reabastecimento junto dos seus amigos de Mero e Santa Helena.

Sabíamos da sua passagem pelos indícios das vacas, esteiras perdidas, vestígios de sal e tabaco, com mais sorte um carregador de PPSH ou uma granada. Íamos no encalço dos caminhos percorridos, entre Mato Madeira e Chicri. E depois, era montar emboscadas para responder com contra-terror.

Mas a Aldeia do Cuor era um local espantoso, dali se desfrutava, perto da foz do rio Gambiel, de um panorama surpreendente sobre o regulado de Joladu. Gostava de lá voltar, caminhar a partir de Canturé, passar por Gã Gémeos, onde aportava o Sintex, passar por Caranquecunda, onde estacionaram os macuas, em 1908, quando se declarou guerra a Infali Soncó, o régulo rebelde que queria impedir a circulação do Geba.

A minha querida Aldeia do Cuor!

Um abraço do
Mário


A minha querida Aldeia do Cuor!

Beja Santos

Na minha proverbial coscuvilhice na Feira da Ladra, à cata de papelada fora de circulação e que ainda nos possa tocar na razão e coração, encontrei, sem que a emoção pesasse, umas notas sobre explorações zoológicas e história das explorações faunísticas da Guiné portuguesa, uma daquelas obras que se deveu ao período áureo do governador Sarmento Rodrigues. Os temas não são santos do meu culto e penso que no presente só um punhado de estudiosos se interessará em saber que andaram pela Guiné espécies animais como o Gato-de-algália e o Cachorro-de-mango. Pelo menos fiquei a saber que data de 1898 a nomeação de Francisco Newton para fazer a exploração zoológica de Cabo Verde e da Guiné, nova expedição iria realizar-se em 1908. Francisco Newton, de regresso à metrópole, enviou animais para o Jardim Zoológico de Lisboa.

Houve uma missão zoológica que decorreu entre 1945 e 1946, com vastos e importantíssimos resultados, os investigadores ocuparam-se de copépodes, protozoários, crustáceos, insetos, moluscos marinhos, vertebrados, batráquios, repteis, aves e mamíferos, o zoólogo F. Frade rejubila com os resultados alcançados. Vou lendo toda esta exaltação num estado de arrefecimento total. Eis, porém, que vêm estampas a seguir, e aí o sangue alcançou alguma fervura com a bela fotografia do Canal do Impernal, em baixa-mar. Folheei outras imagens, a estrada para Mansoa, a paisagem da Ilha de Bolama, aves de rapina em Bafatá, Rápidos de Cusselinta, no rio Corubal, uma das grandes atrações que tive o privilégio de ver, volto a página e fico estarrecido, não precisei de ver a legenda nem aquelas embarcações, é a Aldeia do Cuor, uma das fronteiras do regulado, do lado de lá é extensa bolanha de Santa Helena, com povoações como Mero, onde os guerrilheiros de Madina e Belel se vinham abastecer. 

Conheci aquele palmar como o fotógrafo, na década de 1940, o fixou. Com a guerra, estas embarcações desapareceram. Continua por resolver o mistério da importância comercial da Aldeia do Cuor, houve quem dissesse que fora aqui que se procurara instalar o comércio de Bambadinca, tais e tantas eram as potencialidades do Gambiel. O mistério fica por resolver, sobra agora esta fotografia de tempos desaparecidos onde até podemos ver em primeiro plano uma chapa de bidão, parece uma relíquia dos nossos tempos. E ponto final para a magra mas emotiva colheita de uma manhã de sábado na Feira da Ladra.


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Nota do editor

Vd. último poste da série de 6 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14326: Notas de leitura (687): “O Legado de Nhô Filili”, por Luís Urgais, Oficina do Livro, 2012 (Mário Beja Santos)

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