sábado, 14 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14361: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves) (9) - Reportagens da Época (1967): Golpe de mão à casa de mato de Mampatás

1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 10 de Março de 2015:

Braga,10/03/2015
Prezado Luís Graça:
Votos de boa saúde.
Depois, tomo a liberdade de enviar mais um pequeno têxto, que poderá ser publicado.

Um abraço amigo do
Domingos Gonçalves


MEMÓRIAS DA CCAÇ 1546 (1967)   
REPORTAGENS DA ÉPOCA

9 - Golpe de mão à casa de mato de Mampatás

Binta, 13/03/1967

De tarde, por volta das quatro horas, partiu rumo a Guidage uma coluna de viaturas, transportando dois grupos de combate da minha Companhia, sendo um, o meu, a milícia de Binta, e os “Roncos” de Farim. Lentamente, sob um sol maldito, envoltas em nuvens de pó, as viaturas levaram-nos até cerca de dois quilómetros de Guidage. Aí, na margem da estrada, ficámos à espera que a noite chegasse, enquanto as viaturas, escoltadas por um pelotão de morteiros, regressavam a Farim.
A população de Guidage não podia saber, antes do anoitecer, da nossa passagem pela localidade. Quando anoiteceu iniciámos, a pé, a marcha para Guidage.

No destacamento, comeu-se alguma coisa, planeou-se a operação, interrogou-se o guia e, pouco depois das 23 horas, iniciou-se a marcha para o objectivo, constituído pela casa de mato de Mampatás, situada a sul de Jeribâ, dentro do nosso território, a cerca de 200 metros da fronteira com o Senegal.

Dia 14

A marcha para o objectivo fez-se sem problemas, sempre pelo território senegalês,

Cerca das cinco horas e meia, a vanguarda da nossa força atingiu o objectivo. Abriu-se violento fogo sobre o mesmo e queimou-se tudo quanto havia para queimar. Capturaram-se três armas, entre as quais uma FBP portuguesa, bastantes munições, granadas de mão, fardas, livros de instrução do PAIGC, etc.
Estou convencido de que não se destruiu Mampatás, mas apenas uma pequena parte do acampamento inimigo, na periferia do mesmo.

Houve mortos confirmados, sem contar com duas mulheres, que terão morrido queimadas.
Por certo que havia lá, também, crianças (?) inocentes, que não têm nada a ver com isto, e que terão morrido queimadas.
É complicado, e difícil viver no meio desta guerra, onde muitas vezes a guerrilha se mistura com a população, ou se confunde com ela.

A retirada do local iniciou-se no meio de alguma confusão, como acontece quase sempre nestas situações.

A cerca de 500 metros esperava-nos uma emboscada dos gajos, que entretanto se tinham reorganizado. Eles fizeram algumas rajadas de armas ligeiras sobre a nossa força, mas sem consequências graves.

Quando já estávamos a uma distância razoável do objectivo, ele começou a ser bombardeado pela artilharia, a partir de Bigene. No ataque sofremos dois feridos, entre os quais o guia, um prisioneiro, que levou um tiro nas costas, e um Cabo da Companhia 1546.

O regresso a Guidage fez-se, também, por território do Senegal.

Pelas onze horas atingimos Guidage, onde se deslocaram dois helicópteros, para transportar os feridos para Bissau.

Depois iniciou-se a viagem de regresso a Binta.

Pelas oito horas da noite a artilharia de Bigene começou a bombardear a área de Sambuiá.

À noite, os furriéis, e bastantes soldados, andaram pelos domínios de Baco. Foi uma noite de bebedeiras. No fim de uma operação como a de hoje, talvez não haja nada melhor do que uma bebedeira para retemperar as forças, e esquecer o que se viu, e o que se ajudou a fazer. Directamente, os homens da Companhia até não fizeram nada de especial.
O grupo de assalto era, como quase sempre, constituído por tropa nativa. Eles são duros, aguerridos e destemidos. Mas, às vezes, também são demasiado selvagens.
Eles actuam sob as nossas ordens. Cumprem os objectivos que lhes traçamos. Vão onde os mandamos. E quando se chega a um local como o de Mampatás, ou qualquer outro do género, apenas há duas hipóteses: ou se incendeia, se mata, e se foge, ou se cai, e se fica no local, na trajectória dos tiros que o inimigo dispara, ou de qualquer estilhaço de granada, que o acaso faça explodir perto de nós.
Mas, os comandos nativos também são motivados, muitas vezes, pela ideia de saque.

Eles transportam com eles tudo quanto conseguem apanhar. O interesse nos bens abandonados pelos guerrilheiros mortos, ou em fuga, não deixa de ser para eles, e quase sempre, uma forte motivação.
Trata-se, geralmente, de despojos de guerra sem grande interesse material, pelo menos para nós, europeus. Mas para esta gente, habituada a um nível de vida muito baixo, sem padrões de consumo mínimos, as coisas mais insignificantes revestem-se de importância significativa.
Apressadamente, no fim do assalto aos acampamentos, ou bases terroristas, eles passam revista ao campo de batalha e transportam tudo o que podem.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14239: Memórias da CCAÇ 1546 (1967) - Reportagens da Época (Domingos Gonçalves) (8): Guidaje 1967 - 10 de Fevereiro, ataque a Guidaje

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