Ouvi agora na rádio. Morreu Roberta Flack aos 88 anos, a mesma Roberta Flack que acompanhava as noites do medo no mato da Guiné, acompanhava as cervejas mais ou menos frescas, acompanhava as piadas de gosto duvidoso, os risos nervosos, as corridas para os abrigos e a gritaria na noite escura.
Vinha a guiar tranquilamente quando o locutor com voz impessoal me comunicou que, a cantora morrera. Encostei o carro e fiquei a ouvir aquela voz suave “Strumming my pain with his fingers…” e veio tudo de repente ao meu encontro. O tipo que disparava sofregamente granadas de morteiro, o outro acocorado por baixo da mesa da messe a tremer, o bêbado caído no chão por baixo dos bancos feitos de pipas, a gritaria ao longe nas valas, os rebentamentos sucessivos por todo o lado e… de repente o silêncio, só ela continuava a cantar “Singing my life with his words…” Aqueles homens suados de tronco nu e olhos arregalados furando a noite à procura de alguma coisa para lá do arame. Mas… homens? Não eram, era sim um bando de garotos assustados que as teias que o império tece tinham arrancado da família, das suas vidas e decepado a sua juventude.
Agora tudo isso já lá vai, passaram-se muitos anos e o tempo foi-se encarregando de esbater as memórias e nas gerações mais novas são estórias que os velhos contam (os que contam…). Coisas de velhos, sim talvez, mas devagarinho, pé ante pé, começa a desenhar-se o que poderá ser coisa de novos. Ventos agrestes sopram por aí, as cores do céu no horizonte variam entre o cinzento e o negro e os tecelões do império já estão a trabalhar… Talvez, quem sabe, irão as novas gerações atirar-se ao chão ao som de explosões e tiroteio enquanto a Roberta Flack vai cantando:
“Telling my whole life with his words”
“Killing me softly with his song"
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Nota do editor
Último post da série de 10 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26569: (In)citações (263): Palavras de homenagem e de agradecimento da família do Valdemar Queiroz da Silva (1945-2025): "Perdi um pai mas encontrei muitos tios! (José da Silva) | "Pai, como você diria de uma forma muito teatral, no final de uma boa garrafa de vinho: Deste..? Deste já não há mais! " (Maaike da Silva)
2 comentários:
Foi essa canção da Roberta Flack, o álbum dos Pink Floyd "The Dark Side of the Moon" e o Rocket Man do Elton John que me ficaram para a vida!
1973... Já estava na "peluda" há dois anos... Mas, mesmo não sendo um "grande melómano" da música pop anglo-saxónica, lembro-me bem desta dessa inesquecível melodia... E dessa voz incrível da Roberta Flack (já não associava a cantora à canção)... Tempo em que se escrevia e compunha grandes canções, grandes músicos, grandes letristas, nos EUA, no Reino Unido, em França, na Itália, no Brasil, mas também em Portugal...
(...)Strumming my pain with his fingers, yeah, yeah ,
Strumming my pain with his fingers
Singing my life with his words,
Singing my life with his words,
Killing me softly with his song
Killing me softly with his song
Telling my whole life with his words
Killing me softly with his song...
Obrigado, Ramiro e Albertino, faz-nos bem recordar também as canções que nos marcaram nessa época... Luís Graça
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