Queridos amigos,
Conhecer, em tempos idos, e de raspão, algumas das belezas que a vila e o concelho oferecem; jamais esqueci a igreja matriz, um belo pórtico tardo-gótico, a praia de água d'alto, a ermida de Nossa Senhora da Paz e a sua sumptuosa escadaria, contemplei à distância o ilhéu, tema de fundo deste último texto que reservo a Vila Franca do Campo. As surpresas vieram da estadia, logo o Museu Municipal, os templos religioso, as vistas que permitem os passeios pedestres circulando à beira-mar, a boa comida que aqui se desfruta, e já não falo da queijada da vila, uma obra-prima de doçaria; e há as olarias, tratadas lindamente como um património incontornável; e há o espetáculo do ilhéu, o tal que mereceu a Gaspar Frutuoso que é mais formoso ilhéu que há nas ilhas. Sigo agora para o último destino, Sta. Maria, uma ilha que pode ser avistada de Vila Franca em certos dias e não me passa ainda pela cabeça as maravilhas que me estão reservadas e sobretudo o encontro que um amigo mariense a quem dei recruta, no último trimestre de 1967, nos Arrifes, a escassos quilómetros de Ponta Delgada.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (177):
Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental – 6
Mário Beja Santos
Cheguei a Vila Franca do Campo com uma curiosidade histórica que gostava de ver resolvida, prende-se com a batalha que houve nestes mares aqui em frente entre a armada espanhola, comandada pelo marquês de Santa Cruz, e a armada luso-francesa comandada por Filippo Strozzi. Tudo acabou mal para este último, deu origem ao maior massacre que alguma vez aconteceu nos Açores. Bati à porta da biblioteca municipal à procura de elementos esclarecedores, e a sua diretora, muito gentilmente, enviou-me mais tarde um mail com algumas ilustrações indicando aquele livro ser a leitura mais importante, do ponto de vista espanhol. Retive as seguintes informações que passo ao leitor interessado.
Aqui vão as informações sobre a batalha naval de Vila Franca do Campo em 1582. Peço desculpa, mas a informação que lhe dei sobre o Gaspar Frutuoso foi confusão minha. Onde se encontram as informações sobre a batalha é no Arquivo dos Açores, nomeadamente no volume III, que certamente poderá ser encontrado nas bibliotecas públicas.
O livro espanhol de que envio o link, é o mais completo que conheço sobre o assunto. Além da batalha frente a Vila Franca do Campo, tem também a outra, na ilha Terceira, onde D. António se refugiou com as naus que escaparam e que foi depois palco de mais uma batalha naval, em 1583.
• A descrição da batalha naval frente a Vila Franca do Campo, em 1582, está no volume III do Arquivo dos Açores, de que lhe envio aqui as gravuras publicadas no mesmo volume.
• Cesáreo Fernández Duro - La Conquista de las Azores em 1583,
Este link permite o download do livro:
https://bibliotecadigital.jcyl.es/es/catalogo_imagenes/grupo.cmd?path=10065159
Gravura antiga alusiva à batalha naval de Vila Franca do Campo, 1582
A etapa seguinte é um passeio à Lagoa do Congro, não podendo competir com a Lagoa das Sete Cidades nem com a Lagoa do Fogo é uma visita obrigatória para quem pretenda conhecer um mundo dominado pelo verde, terra e água. O táxi larga-nos antes de percorrermos um bom caminho em terra batida e acidentada, a vegetação vai-se fechando, há o sentimento de uma floresta mágica, uma natureza que fenece e renasce, arvoredo de porte gigantesco, declives arborizados e súbito aquela imensidão de verde líquido, tudo numa atmosfera de profundo silêncio.Lagoa do Fogo
Regresso a Vila Franca do Campo, hoje é dia de agenda turística forte. Peço ao motorista em dado momento para parar, interrogo-me sobre o que estou a ver, acreditem ou não é uma variedade de hortênsias, a hidrângea serrata, que beleza.Hoje é um dia especial, abriram os passeios até ao ilhéu de Vila Franca. Tinha adquirido um livro de cariz científico e na legenda da fotografia aérea do ilhéu citava-se uma passagem do livro Saudades da Terra de Gaspar Frutuoso: “(…) De fronte desta ponta de S. Pedro, pouco mais de um tiro de besta ou de berço, dentro do mar, está o mais formoso ilhéu que há nas ilhas.” É território da Região Autónoma, Reserva Natural Regional. O ilhéu subdivide-se em dois montes – o Ilhéu Grande e o Ilhéu Pequenino, encontram-se unidos num só, onde a entrada de água na cratera circular se faz através de fraturas geológicas; a maior alimentação de águas oceânicas (que permitem a fabulosa convivência de seres marinhos) executa-se através de um canal navegável. Sofreu as consequências do sismo de 22 de outubro de 1522.
Um dos autores desta obra, A. Frias Martins, perito altamente conceituado na conservação da biodiversidade escreve numa página lindíssima intitulada Terra Inclemente:
“Pedaço de rocha esquecido da terra mãe, seu cordão umbilical há muito carcomido pela fúria das ondas, o ilhéu de Vila Franca, como qualquer recém-nascido vulcânico, começou por viver das sobras biológicas que na ilha abundavam. Para lá chegarem naturalmente, as plantas do ilhéu contaram com os ventos fortes do Norte cujos redemoinhos arrastaram frutos e sementes, folhas e ramos e, agarrados a eles, um sem número de pequenos animais que a sorte ditou que encontrassem terra firme.
Neste rochedo inclemente, o Sol e o sal decidiam quem permaneceria agarrado ao tufo quase friável. O marmaço ardente do Sol secava as raízes pouco profundas e o Sol caustico da babugem das ondas queimava as folhas tenras; mas os cadáveres de tal sacrifício, acumulando-se, criavam um filme de solo fértil que melhorava as hipóteses de sobrevivência para os colonos que lhes seguiriam. As plantas traziam consigo os costumes da terra: o crescimento lento e a partilha do espaço, resultantes de uma convivência milenar que o processo evolutivo obrigara. Como resultado, um manto protetor cobria o solo, das ervas às árvores, retendo o escasso tufo pulverizado e guardando a preciosa humidade da chuva. E assim, pouco a pouco, à sombra do acaso pela persistência das probabilidades se estabeleceu no ilhéu uma escassa amostra da flora que outrora bordava a densa floresta de Laurissilva que cobria as ilhas e, com ela, o séquito animal que a caracteriza. E as aves vieram e declararam seu o seu rochedo.”
Um dos mais belos passeios da minha vida, os contrastes de paisagem, os metrosideros, a lantana, a figueira da Índia, os juncos, todas estas carpas dominadas pela vegetação, os autores da obra falam depois da sauna, não falta o cagarro, por ali passam golfinhos, nas águas há garoupas e muito mais peixe. Fica uma enorme vontade de voltar, finda a permanência em Vila Franca do Campo, tem belas praias à volta, tive a felicidade de em visitas passadas percorrer um pouco das terras do concelho, falo da Lagoa do Fogo, do Pico da Barrosa, de Ponta Garça, deu-me enorme prazer voltar à Lagoa do Congro. Está prometido, em espírito, o viajante voltará. Amanhã de manhã, num avião a hélice, que me lembrou o Dakota onde viajei na Guiné, aterrarei no último destino, Vila do Porto, não esperava tanta surpresa e encontrar um amigo que foi meu soldado nos Arrifes, em 1967. Tenho, pois, muito para contar.
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 26 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26079: Os nossos seres, saberes e lazeres (651): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (176): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (5) (Mário Beja Santos)
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