sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26103: S(C)em Comentários (50): "A malagueta no cu dos outros é refresco"... A propósito do A. Marques Lopes (1944-2024), e da comparação entre fulas e balantas (Cherno Baldé, Bissau)


Dr. Cherno Baldé,
em Bissau (2019),
colaborador permanente do nosso blogue
1. Comentários do Cherno Baldé ao poste P26089 (*)


(...) O Marques Lopes escreve: 

(...) "Gostava mais dos balantas. Eram pão pão, queijo queijo. Se gostavam, gostavam, se não gostavam, mostravam logo que não gostavam. Os fulas, está bem, estavam abertamente com a tropa, mas as suas falinhas mansas e de submissão deixavam-me muitas interrogaçóes sobre o que estaria no interior". (...)

Tem toda a razão,  o ex-alferes da martirizada CART 1690, na verdade são duas realidades diferentes, uma, a dos fulas, um povo originário do vale do Nilo, que atravessou o continente de ponta a ponta baseando-se na sua capacidade de resiliència, de adaptaçáo e integração social, habituado à a submissão ao poder hierárquico de reis, soberanos e sacerdotes de diferentes carizes e formas religiosas;  e a outra realidade, a dos balantas, que não existem em nenhum outro lado fora dos territórios da Senegàmbia (Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau e a Guiné-Conacri) e que não reconhecem nenhum outro poder fora do seu próprio agregado familiar. 

De certeza que não seria de esperar que tivessem o mesmo comportamento sociocultural.

Todavia, não vejo muita diferençaa entre a forma de ser dos fulas e dos europeus ou asiáticos que, historicamente, são sociedades hierarquizadas e que foram longa e duradouramente submetidos ao "dikat" politico e religioso de índole variado, pelo que subsiste a mesma forma reservada e esquiva, prória de sociedades onde subsistiram classes de dominadores e dominados, em que as atitudes do tipo "pão pão, queijo-queijo" podem ser muito desvantagiosas,  quiçá perigosas.(...)




A.Marques Lopes (1944-2024)
Foto: LG (2015)

(...) O A. Marques Lopes era uma pessoa que eu admirava e apreciava muito, pela sua coragem (eu no seu lugar nunca voltaria ao teatro da guerra depois daquela história mal sucedida da mina com o seu comandante que, ingenuamente, queria dá-la como presente ao seu comandante de Batalhao). 

Uma vez confrontei-o com o conteúdo de alguns relat´POrios da sua companhia relativamente à traição e conluio com o IN das autoridades tradicionais e milicias (fulas) na área do destacamento de Cantacunda e Sare-Gana, que tinham sofrido ataques brutais com mortos, feridos e prisioneiros (retidos) de guerra entre 1966/68.

E o ex-alferes nÃo tinha dúvidas de que, entre algumas verdades e muita tristeza, havia sobretudo, alguma hipocrisia e mentiras para escamotear a verdade dos factos. E perante esses factos (de relatóRios falseados), também eles, os graduados da companhia,  se comportaram como os seus soldados fulas, pois ficaram nas falinhas mansas e com o bico fechado, para não levarem nas trombas, porque as suas vidas e o medo de sofrer represálias assim o justificava. 

Como se costuma dizer, "a malagueta no cu dos outros é refresco". Pelo que pude perceber, nas nossas conversas, era um bom homem, perspicaz e muito inteligente, um escritor com bastante bom humor. (...)

30 de outubro de 2024 às 11:32 

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG) (**)

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Bem, vistas de Bissau, as coisas podem ter uma perspetiva diferente e até divertida... Cherno, não conhecia este provérbio, que é uma delícia de humor!...

Mantenhas (aqui da Lourinhã, capital dos dinossauros). Luís