sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26126: Historiografia da presença portuguesa em África (451): o tecido económico da província em 1951, visto através dos anúncios publicados no suplemento, "dedicado ao Ultramar Português" (218 pp., no total), do "Diário Popular", de 20/10/1961



Barbosas & Cia: Import-export... com sede em Bissau. Representava sobretudo duas marcas norte-americanas, a General Eletric e a Studebaker


Ed. Guedes Lda era outro peso pesado do comércio local, já presente em Bolama quando esta era a capital... Tinha sucursais pelo território... "Cetió";  mais que provável erro tipográfico, deve ler-se Catió... Tchequal também deve ser gralha, é topónimo que não existe. Banta El deve ser Madina Bantael, entre Sonaco e  Sare Bacar (esta já na fronteira  com o  Senegal)... Chegava a Orango, a ilha do arquipélago dos Bijagós mas afastada do continente,

A nossa já conhecida  empresa francesa, a NOSOCO, onde trabalhou o nosso camarada Mário Dias... Tinha instalações em Bissau, Bolama,  Bafatá, Binta, Bissorã e Olossato. Tinha o exclusivo, para a Guiné, de marcas prestigiadas como a Shell, Phillips,  Electrolux, Frigelux, Dunlop...


SCOA: outra empresa de import-export, de origgm francesa, com sucursais em Bafatá, Bissorã, Bolama, Sonaco e Farim... Representava uma série de marcas (camiões, automovéis, eletrodomésticos, motores marítimos, cerveja alemã) e também companhias de navegação... Curioso: não estava representada na capital...



Enpresa de import-export e comércio geral, estava ligada ao BNU (Banco Nacional Ultramarino). e cobria praticamente todo o território, com  exceção do Nordeste (Gabu); Bafatá, Sonaco, Contuboel, Teixeira Pinto, Bissorã, Bolama, Bijagós, Chugué, Cabochanque,  Cadique, Cafine, Salancaur, Cabedu, Bedanda, Cacine, Brandão (seria na ilha do Como, a casa Brandão ?)...


O Fouad Faur, sírio-libanês, tinha sede em Bafatá, com "feitorias em Piche, Paunca, Bajocunda ("Bajicunda") e Bambadinca


Outro comerciante de origem sírio-libanesa, com sucursais na África Ocidental Francesa (Dacar e Coldá) e na Guiné Portuguesa (Mansoa, Mansabá, Xime, Bambadinca, Bafatá, Contuboel, Sonaco, Nova Lamego, Pecixe, Buba, Campeane, Cacine, Gadamael, Catió)



Foi a partir deste anúncio de 1956, que descobrimos o acrónimo ASCO (endereço telegráfico da empresa) (*)


Outro sírio-libanês, Mamud Eluar & Cia., com "sucursais em toda a província da Guiné"... Os comerciantes, de origtem sírio-libanesa, não eram mais do que uma centena na 1ª metade da década de 1920. O José Gardete Correia uma empresa de uma família prestigiada, com estabelecimentos em Bissorã. Olossato e Encheia.




Francisco Paulo, uma empresa em nome inmdividual, com estabelecimento em Bafatá e "feitorias" em  Xitole ("Chitoli"), Sara (Gabu), Baca (Sarde Bacar ?), Paunca, Bajocunda ("Bajicunda"), Cabuca ("Caboca"), Boé ("Mandina do Boé).  O Fausto da Silva Teixeira é o único industrial que aparece nesta amostra, e é já nosso conhecido (foi deportado.


João Batista Pinheiro & Irmão: com sede em Bafatá, e sucursais em Bussau, Buruntuna, Bajicunda (sic), Pirada, Paunca, Piche e... Sama  (deve ser é Sara, Gabú, presume-ser que seja gralha tipográfica, não há povoação com esse nome). O único anúncio da área da restauração e hotelaria é do Pensão Restaurante Bafatá, de Judite Teixeira Quaresma da Costa.



A OMES, com um grande currículo de obras de engenharia na Metrópole e  em Angola, tinha na Guiné, em 1951, duas obras em fase de conclusão: a ponte-cais de Bissau e a ponte de Ensalma


1. Estes anúncios refletem inegavelmente  o clima de relativa paz e prosperidade económica que a província começou a viver, no pós II Guerra Mundial,  com o governador Sarmento Rodrigues (1945-1950).

Curi0samente, em 1951, só há uma anúncio de um industrial (com exceção da OMES, que era uma empresa de engenharia e obras públicas, com sede em Lisboa). Referimo-nos ao madeireiro e antigo deportado Fausto Teixeira da Silva.

Ainda estamos longe dos trágicos acontecimentos de Angola, no princípio de 1961, que não deixaram de ter repercussões nas outros territórios ultramarinos protugueses,. incluindo a Guiné: loigo a partir de 1961/62, parte dos comerciantes locais  (cabo-verdianos, metropolitanos e sírio-libaneses) acabaram  por se retirar das zonas mais isoladas do interior, e fixaram-se em Bissau ou regressaram  mesmo à metrópole...

Os sírio-libaneses, que se começaram a radicar no território a partir de 1910, alguns  acabaram por ligar-se, pelo casamento, a famílias portuguesas... Inicialmente não eram, porém, bem vistos pela concorrência nem até pelas autoridades locais, Por outro lado, em 1974, todos já teriam a nacionalidade portuguesa...Mas parte desta comunidade optou por ficar no novo país lusófono, a Guiné-Bissau.

Estes anúncios acima publicados fazem parte de um suplemento, "dedicado ao ultramar portuguès", que integrou a edição do "Diário Popular", de 20 de outubro de 1951. São em menor número dos que seráo  publicados, mais tarde,  na revista "Turismo", edição de janeiro/fevereiro de 1956 )(ano XVIII, 2ª série, nº 2,  número temático dedicado à Guiné), e reproduzdos em  tempos no nosso blogue (em dez postes, com material fornecido pelo nosso saud0so camarada Mário Vasconcelosl, 1045-2'17) (**)

Na amostra de 1951, verificamos que  todos os anunciantes  se dedicavam ao "comércio geral: compra e venda de produtos da província" e alguns ao "!import-export#", a começar pelas empresas francesas, a NOSOCO e a SCOA... Mas também as portuguesas, Barbosas & Cia, Ed. Guedes Lda, Sociedade Comercial Ultramarina, SARL.

O que havia para exportar ? Muito pouco, alguns produtos agrícolas e matérias-primas: arroz, oleaginosas (amendoim, coconote, óleo de palma), e pouco mais...  E importava-se tudo, da cerveja às viaturas automóveis... Tal como hoje, agora na Guiné-Bissau (só que o amendoim foi substituído pelo caju.)

Alguns valores: em 1950, a colónia tinha exportado c. de 118 mil toneladas, e importado pouco mais de 128 mil... Os cinco produtos mais exportados eram  (com base nas médias anuais): 

  • o amendoim (61,0%), 
  • o coconote (26,6%), 
  • o arroz (4,1%), 
  • o óleo de palma (1,7%) 
  • e os couros (0,8%)...  

Por outro lado, na década de 40 (1941-1950), as importações passavam de 49 mil contos para 128 mil (um aumento de 260%). As exportações, por sua vez,  passavam, no mesmo período, de  65 mil para 118 mil contos (um aumento de 180%).

Em outubro de 1951 já se escrevia-se "província" e não "colónia", com a revogaçãpo do "Acto Colonial" e a revisão da Constituição (Lei nº 2048, de 11 de junho de 1951).   Mas a grafia dos topónimos ainda não era respeitada: vejam-se grafias como Bajicunda, Pitche, Contubo El,

Em suma, estes anúncios tem hoje algum interesse documental pelas inesperadas informações que nos trazem de gentes e de lugares que conhececmos e que depois de 1961 vão ser varridos pela guerra, oficial ou oficiosamente iniciada em  Tite, região de Quínara, em 23 de janeiro de 1963...

É interessante assinalar a ausência de uma grande casa como a  Gouveia  neste pequeno mostruário das "forças vivas" da província, cujo tecido económico parece ser  constituída por apenas pela Ultramarina, ligada ao BNU, duas empresas francesas de import-export, a SCOA e a NOSOCO, e sobretudo por pequenos comerciantes e empresários, de origem metropolitana, cabo-verdiana e sírio-libanesa. (***)
 
Esta edição do "Diário Popular", de 20 de outubro de 1951 (e não 1961, como vem escrito por lapso , na Hemeroteca Digital de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa, a quem agradecemos a cortesia).  É uma raridade bibliográfica: o suplemento dedicado ao Ultramar tem 218 páginas (22 dedicadas à Guiné, pp. 45-66).  Disponível  aqui em formato digital. 

______________


8 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A geografia económica da Guiné era uma faixa estreita: os comerciantes chegavam onde havia "patacão" , isto é, economia monetarizada (daí o "imposto de palhota") e "matérias--primas" para "trocar" por produtos manufaturados: amendoim, coconote, algum arroz... O colonialismo foi isto: obrigar os povos (de África e não só) a aprender a lidar com o "patacão" e sairem da sua "economia de subsistência" (sob pena de morrerem à fome)...

A isto, "grosso modo", os colonizadores chamaram "civilização"...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não foram estes os comerciantes do mato que conhecemos... Os Rendeiro, os Zé Maria, os Regalla, os Caeiro, os Jamil Nasser..., os que resistiram à guerra e à incerteza em relação ao futuro, e que passaram em grande parte a depender da tropa para continuarem a tocar o seu negócio e alimentar a sua família... Não, esses, não tinham conhecimentos nem dinheiro para pagar um anúncio nos jornais e revistas da metrópole, e muito menos o "Diário Popular"...

Fica aqui um desafio aos nossos leitores: ainda reconhecem algumas destas "casas comerciais", espalhadas pelas sedes de circunstrição e de alguns postos administrativos com bons acessos (por rio ou mar) (como era o caso de Bambadinca, quando o Geba Estreito ainda era navegável do Xime a Bafatá) ?... No tempo das chuvas, o território era intransitável por terra... E com a guerra, pior...

Valdemar Silva disse...

Porquê sírios-libanes e não só libaneses ?
O Líbano é um país independente desde 1943, e não sabemos desde que ano chegaram à Guiné (Portuguesa), parece que ao Brasil (a crer nas telenovelas) chegaram a partir de 1880.
Mas, julgo, que antes de 1943 já havia comerciantes libaneses na Guiné, então porque razão lhes chamariam sírios-libaneses?
Eu não sei, talvez seja por haver uma população, naquela região, de religião cristã tanto sírios como libaneses, e foram esses que imigraram por razões de perseguições religiosas.
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Boa pergunta, Valdemar ...Vê se encontras aqui a resposta:

29 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18962: Antropologia (28): Os sírio-libaneses na Guiné Portuguesa, 1910-1926; Dissertação de Mestrado em Antropologia Social por Olívia Gonçalves Janequine (Mário Beja Santos)

(...) "A mestranda deu particular realce na investigação aos documentos que circulavam entre administradores coloniais, pois verificou que estes sírio-libaneses aparecem em relatórios, censos, anuários e artigos publicados em periódicos coloniais sempre como tema acessório. Parte do marco temporal, a partir da década de 1880, houve um grande movimento emigratório a partir da região do Império Otomano denominada Grande Síria (atuais Síria, Líbano, Jordânia, Israel, Territórios Palestinos e uma fração da Turquia) especialmente na área onde está localizado o Monte Líbano.

Estes migrantes eram conhecidos por “turcos”, caso do Brasil, mas também os tratavam por árabes ou sírios. Nos documentos referentes à Guiné Portuguesa no período 1908-1950 são tratados como: “syrien”, “syrios”, “syrianos”, “franceses (naturais da Síria” e também “libaneses”. Pude constatar que eram referidos como sírio-libaneses ou só libaneses.

Esta migração prende-se com o declínio otomano, os sírio-libaneses lançaram-se num êxodo, na Europa, em direção às Américas (EUA, Brasil e Argentina). Uma dessas levas europeias encaminhou-se para a rede do comércio internacional de tecidos, outra para a África Ocidental, a partir do porto de Marselha.

A invasão colonial na África Ocidental era impressionante, tratava-se da avidez dos mercados fornecedores de matérias-primas e consumidores de manufaturas. Iremos encontrar estes migrantes vindos do Monte Líbano em regiões como o Senegal, a Costa de Marfim, a Nigéria e o Gana (então conhecida como Costa do Ouro) mas também a Serra Leoa, a Guiné Francesa, o Sudão Ocidental. Terão partido do Senegal e da Guiné Francesa até à Guiné Portuguesa. Um investigador aponta que em 1960 na África Ocidental os libaneses residentes aproximavam-se das 40 mil pessoas." (...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Temos quse meia centena de referências com o descritor "libaneses"...

Ver aqui o início de um dossiê sobre os libaneses da Guiné-Bissau:

15 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13400: Dossiê Os Libaneses, de ontem (e de hoje), na Guiné-Bissau (1): Quem eram, onde viviam e trabalhavam, quando chegaram, etc. Propostas de TPC estival: factos, gentes, histórias, fotos... precisam-se!

Valdemar Silva disse...

Luís, esta explicação já dá para perceber alguma coisa, que eu, agora, entendo como serem sírios da região do Líbano na época ainda não independentes.

E como vai a saúde da tua perna?

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Excerto do Expresso > 7 de setembro de 2006, 19:50 > Os libaneses na actual Guiné-Bissau

(...) Dos libaneses que se estabeleceram na Guiné-Bissau há cerca de120 anos houve quem apoiasse o Hezbollah durante o conflito de Agosto.
O cônsul do Líbano em Bissau, o comerciante Hassib el Awar, garante que os "sirianus" – como eram conhecidos os libaneses antes da independência da Guiné-Bissau – estão cá há pelo menos 120 anos. Este druzo de 73 anos, natural da região de Baabda, no centro do Líbano e a 40 quilómetros de Beirute, sabe do que fala. Chegou à ex-Guiné Portuguesa em 1949, para trabalhar com o tio, de quem herdou a "Casa Mamud el Awar", loja que ainda hoje conserva o mesmo nome.

Hoje, o cônsul tem um registo de apenas 200 libaneses. Mas supõe-se que são muito mais, na maioria muçulmanos, xiitas. Discretos, por vezes, não hesitam em exibir as suas preferências políticas, como durante o recente conflito com Israel, em que o restaurante "Ali Baba", em Bissau ostentou um retrato de Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah.

Os irmãos Mazeh, xiitas, instalados a partir dos anos 90, abriram a primeira fábrica de espuma da capital guineense, onde está o grosso dos libaneses. Mas ainda há um punhado de comerciantes nas regiões. É o caso de Abibe Fares, ex- colaborador do general Aoun, que vive em Bissora, no Norte. Outro apoiante do líder cristão, Ghassam S. Makarem, um famoso jornalista, explora duas papelarias em Bissau.

As diferenças confessionais não impedem a comunidade de coabitar. Em Julho, cristãos e muçulmanos organizaram uma marcha de protesto contra a ofensiva israelita no sul do Líbano. Mas difícil é manter a associação local, que apenas funcionou um ano. (...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Excerto do

Expresso > 7 de setembro de 2006, 19:50 > Os libaneses na actual Guiné-Bissau

(...) Dos libaneses que se estabeleceram na Guiné-Bissau há cerca de120 anos houve quem apoiasse o Hezbollah durante o conflito de Agosto.

O cônsul do Líbano em Bissau, o comerciante Hassib el Awar, garante que os "sirianus", como eram conhecidos os libaneses antes da independência da Guiné-Bissau, estão cá há pelo menos 120 anos.

Este druzo de 73 anos, natural da região de Baabda, no centro do Líbano e a 40 quilómetros de Beirute, sabe do que fala. Chegou à ex-Guiné Portuguesa em 1949, para trabalhar com o tio, de quem herdou a Casa Mamud el Awar, loja que ainda hoje conserva o mesmo nome.

Hoje, o cônsul tem um registo de apenas 200 libaneses. Mas supõe-se que são muito mais, na maioria muçulmanos, xiitas. Discretos, por vezes, não hesitam em exibir as suas preferências políticas, como durante o recente conflito com Israel, em que o restaurante Ali Baba, em Bissau ostentou um retrato de Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah.

Os irmãos Mazeh, xiitas, instalados a partir dos anos 90, abriram a primeira fábrica de espuma da capital guineense, onde está o grosso dos libaneses. Mas ainda há um punhado de comerciantes nas regiões. É o caso de Abibe Fares, ex- colaborador do general Aoun, que vive em Bissorã, no Norte. Outro apoiante do líder cristão, Ghassam S. Makarem, um famoso jornalista, explora duas papelarias em Bissau.

As diferenças confessionais não impedem a comunidade de coabitar. Em Julho, cristãos e muçulmanos organizaram uma marcha de protesto contra a ofensiva israelita no sul do Líbano. Mas difícil é manter a associação local, que apenas funcionou um ano. (...)


(Seleção, revisão / fixação de texto, itálicos e negritos: LG)