sábado, 27 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25782: Os nossos seres, saberes e lazeres (638): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (163): Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 2 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Aqui se afiança que Figueiró dos Vinhos oferece muito mais do que uma impressionante exposição de pintores naturalistas no Centro de Artes, em que a pintura de José Malhoa recebe o natural destaque, pois ele aqui viveu e morreu. Figueiró é uma vila mimosa, muito florida, não só cercada pela natureza, sente-se à vista desarmada que tem uma singular oferta a quem a visita, praia fluvial, percursos pedestres, trilhos, quanto ao seu património edificado o concelho tem os seus valores na igreja matriz, no Convento de Nossa Senhora do Carmos e também nas ferrarias na Foz do Alge, elas foram fundamentais nas lutas liberais. Digamos que foi visita de médico, partiu-se para Casal dos Matos, onde houve residência secundária que era uma ternura, não havia quem ali chegasse que não se desdobrasse em louvores. E seguiu-se para Pedrógão Grande, aqui se tem dormida, na manhã seguinte ir-se-á bater à porta de Pedrógão Pequeno.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (163):
Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior – 2


O ponto de partida da visita a Figueiró dos Vinhos foi a visita a O Casulo, a casa que José Malhoa transformou para sua habitação e ateliê, seguiu-se a Casa das Artes e Museu, está dia chuviscoso e tenho uma certa ânsia de me pôr ao caminho, de Figueiró a Outeiro do Nodeirinho, daqui até Figueira, e depois contemplar, com profunda mágoa, a ruína de uma casa que ajudei a remodelar e de que guardo as mais gratas memórias. Mas que o leitor saiba que Figueiró dos Vinhos tem muito para oferecer, andei com as minhas filhas na praia fluvial Ana de Aviz, hei de despedir-me desta romagem de saudade nas Fragas de S. Simão, há percursos pedestres aliciantes, pormenores de património edificado que vale a pena visitar, é o caso da igreja matriz, de uma outra estaria em ruínas no século XIV, com profundas alterações ao longo dos séculos, tem bela azulejaria, os capitéis são renascentistas, dispõe de boa pintura do século XVI e no altar-mor está uma pintura de José Malhoa intitulada O Batismo de Cristo, de 1904. E posso afiançar que os arredores oferecem panoramas aliciantes e pormenores históricos curiosos como a Antiga Ferraria da Foz do Alge, situada na Ribeira de Alge, viveu duas épocas distintas: a que terminou no tempo do Marquês de Pombal e a segunda, iniciada no reinado de D. Maria I, que se estendeu até final das lutas liberais.
Antiga Ferraria da Foz do Alge
Ninguém esqueceu o pavoroso incêndio que assolou povoações de Pedrógão Grande em 2017, morte e destruição. A casa de agricultores que começara a reconstruir no princípio do século, reconstrução em fases, primeiro o telhado, dois quartos, um salão, cozinha e casa de banho, restaurou-se a adega, consertaram-se as pipas e as telhas, lajeou-se todo o pátio, como os invernos são verdadeiramente álgidos, pôs-se uma salamandra na cozinha, o carpinteiro caprichou a fazer o varandim; na segunda fase alterou-se profundamente a chamada casa dos cereais, a casa da mula, a charrete e a carpintaria mereceram restauro, aqui se conviveu e havia força anímica para aqui se passarem as férias e as estadias breves de fim de semana. Houve depois a troca por uma casa em Tomar, continuou-se a fazer visitas e a ver com agrado, que os novos donos, professores de Educação Física, introduziam acrescentos e eu via crescer um rododendro de folhas brancas, os kiwis, as oliveiras. Por razões de pudor, não mostro o escombro, a vegetação viceja entre as ruínas, o dono atual terá regressado ao seu país, não terá recursos para voltar a pôr de pé este recanto encantador. Aqui se viu tudo especado e amargurado. Partiu-se para Pedrógão Grande, aí se dormirá e amesendará.
Estou agora na igreja matriz de Pedrógão Grande, dedicada a Nossa Senhora da Assunção, a construção primitiva data do período da Reconquista (séc. XII), mas o essencial do que vemos no seu interior é marcado pelo período manuelino e pelo barroco. Confesso que sinto uma forte atração por esta abóbada polinervada sobre o altar-mor, obviamente sujeita a restauros, tem uma sinalética curiosa, bem gostaria de identificar ao pormenor o que estou a ver.
É uma das lajes funerárias proeminentes que guarda o transepto, trata-se da sepultura perpétua de Pedro Carvalho Andrada Leitão e seu herdeiros, ele faleceu a 26 de junho de 1640, não chegou a ver a Restauração.
É um belo monumento nacional, impossível não gostar deste púlpito lavrado, adossado à coluna.
A entrada principal prima pela severidade, anoitecia, o que oferece a oportunidade a quem capta imagens de gerar um contraste entre a profusão de dourados do altar-mor e o que de austero capta a vista em profundidade.
Este monumento nacional prima por ter este corpo em andares, uma inusitada torre cimeira, há a vantagem do desafogo com que pomos os olhos, assombrados pela singularidade da construção e pela qualidade da intervenção a que tenho sido sujeito, é um tempo inigualável.
Vista que vai do pelourinho à torre sineira
Pedrógão Grande, tal como Figueiró e outros locais do Pinhal Interior, goza do privilégio de ter dentro da vila múltiplos sinais da natureza, vadiando por azinhagas e caminhos deu para encontrar estas duas orquídeas selvagens, no entanto eram as grandes manchas de amarelo de flores silvestres que pronunciavam o vigor primaveril.
Procurou-se o Centro de Interpretação, é mesmo uma curiosidade, fizeram-se obras num casarão que se arruinou, consolidaram-se paredes esventradas, fez-se no interior um património remoçado, tem sala de exposições e auditório, publicações e produtos artesanais, aqui colhem-se informações, pena não haver um folheto que elucide o visitante de que Pedrógão tem as suas pérolas a oferecer: a igreja matriz, a igreja da Misericórdia, alguns museus, ruínas romanas, nos arredores, em Troviscais, um museu multimodal com objetos da I República, da Maçonaria, do povo ratinho que por aqui passava a caminho ou vindos do Alentejo, deixou marcas que um colecionador põe à disposição do público, são imprevistas e muito impressíveis as recordações que todos estes objetos nos deixam, imagens de grande valor etnológico e etnográfico, marcas do culto artístico e de valioso património acolhido neste ponto do Pinhal Interior.
A neblina começa a tomar conta da barragem do Cabril, deste imponente parapeito vê-se o caminhar do Zêzere que se irá encontrar com o Tejo ali em Constância, aqui nos detemos na esperança de um bom pitéu regional, a barragem faz fronteira com a freguesia de Pedrógão Pequeno, concelho da Sertã, onde também se viveu e se vai recordar.

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 20 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25764: Os nossos seres, saberes e lazeres (637): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (162): Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 1 (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

A Sé de Faro, de construção primitiva séc.XIII, tem semelhanças com esta igreja matriz de Pedrógão Grande, de construção primitiva séc.XII.

Valdemar Queiroz