1. Dois comentários sobre o tema "o seminário, a tropa e a guerra colonial", no poste P18954 (*)
(i) Francisco Baptista
Dos ex-seminaristas fala-se mas não sei porquê apesar de aprenderem a falar , a ler e a escrever, poucos falam e escrevem, outros lhe dissecam as vísceras como se fossem aves frias e estranhas, do interior do país que nunca tiveram voz e autoridade religiosa ou laica para ser escutados entre as inteligências que do litoral governam tudo.
(ii) Tabanca Grande Luís Graça
Francisco, o teu comentário parece-me "sibilino"... Eu acho que o entendo... Mas há dois sujeitos da frase, se bem entendo: (i) os ex-seminaristas, apesar de terem aprendido a falar, a ler e a escrever, pouco falam e escrevem.. ; (ii) os do interior do país que nunca tiveram voz e autoridade para serem escutados pelo senhores do litoral...
É verdade: (i) os ex-seminaristas pouco escrevem sobre o tema "seminário, tropa e guerra colonial"; (ii) há um dicotomia interior-litoral, mais uma "assimetria" no discurso de uns e outros...
28 de agosto de 2018 às 20:27
Francisco, o teu comentário parece-me "sibilino"... Eu acho que o entendo... Mas há dois sujeitos da frase, se bem entendo: (i) os ex-seminaristas, apesar de terem aprendido a falar, a ler e a escrever, pouco falam e escrevem.. ; (ii) os do interior do país que nunca tiveram voz e autoridade para serem escutados pelo senhores do litoral...
É verdade: (i) os ex-seminaristas pouco escrevem sobre o tema "seminário, tropa e guerra colonial"; (ii) há um dicotomia interior-litoral, mais uma "assimetria" no discurso de uns e outros...
28 de agosto de 2018 às 20:27
(iii) Francisco Baptista:
Amigo Luís, entre um poste e outro, para mim não foi tudo claro, daí talvez o "sibilino" entre aspas. Nem tudo tem explicação ou por outro lado nem tudo merece ser explicado porque ao sê-lo pode-se expor demasiado algum mistério que deve existir sempre nas relações entre as pessoas de modo a não perderem o entusiasmo por um convívio estimulante.
Amigo Luís, entre um poste e outro, para mim não foi tudo claro, daí talvez o "sibilino" entre aspas. Nem tudo tem explicação ou por outro lado nem tudo merece ser explicado porque ao sê-lo pode-se expor demasiado algum mistério que deve existir sempre nas relações entre as pessoas de modo a não perderem o entusiasmo por um convívio estimulante.
Os seminaristas do nosso tempo foram os pobres, filhos de pobres, a maioria do interior, que na procura de mais conhecimentos e mais dinheiro se sujeitaram a viver ainda crianças nos seminários, grandes edifícios parecidos com enormes quartéis, frios, húmidos, impessoais, sujeitos a uma disciplina rígida e desumana ministrada por homens frustrados sem mulheres e sem filhos.
O meu ano no seminário (**) , longe de casa, a viver numa terra plana, onde não havia mar à vista em alternativa, sem a amizade dos amigos de infância, sem o calor da família e da lareira. foi o pior ano da minha vida. Pior do que o pior dos três anos de tropa.
A maior parte dos seminaristas não falam dessa experiência como se de uma experiência traumática se tratasse. Esses anos de clausura, de estudo, missas diárias, rezas e penitências, que duravam por cada ano quase onze meses deixaram-lhes marcas psicológicas que em muitos deles ficaram sempre reconhecíveis na forma de ser, de estar e de viver. No rosto de alguns ficou sempre visível, um certo desânimo, alguma tristeza e ponderação a mais.
Passei pelo mesmo seminário onde esteve o nosso camarada coronel A. Marques Lopes, autor do livro "Cabra Cega", que gostei de ler. Conheci personagens que ele retrata,, confesso que não me lembro dele, mas lembro-me bem dum amigo dele de Cabo Verde, um tipo afável e simpático que um dia me disse, nunca esqueci, que eu nunca seria padre porque tinha muitas irmãs. Esse enigma nunca o decifrei.
Conheci o padre José Maria, um transmontano bondoso e amigo de todos, o diretor, um padre mirandês, de Ifanes, muito severo. que para castigo de todos usava os argumentos e instrumentos de suplício das professoras primárias. Quando um dia me tratou assim, explodi e gritei-lhe que não tinha o direito de me tratar desse modo, pois não era meu pai.
Quis deixar o seminário mas não mo permitiram, no fim do ano expulsaram-me, talvez para assinalarem bem a autoridade deles.
O livro "Nó Cego", do camarada Carlos Matos Gomes, que li recentemente e também gostei muito, fala de um alferes, ex-seminarista que tem uma deriva, que além de afastada dos ensinamentos religiosos e conservadores da época, é também muito desumana. Aconteceu com alguns ex-seminaristas talvez originada pela discrepância entre a violência psicológica dos anos de seminário e a santidade apregoada por palavras.
Revejo-me nalguma tristeza que durante anos cobriu de névoa o semblante de alguns ex-seminaristas e que cobriu igualmente o semblante de muitos camaradas ex-combatentes. (...) (***)
29 de agosto de 2018 às 19:35
___________
(**) Vd. poste de 24 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 – P24789: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (14): A minha viagem para o Seminário (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)
(**) Último poste da série > 21 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25766: S(C)em Comentários ( 43): "Agora é que conheci um sujeito que te vai tirar daí" (José Álvaro Almeida de Carvalho, "Livro de C", Lisboa, Chiado Books, 2015, pp. 174/175)
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 26 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18954: (Ex)citações (343): porquê tantos ex-seminaristas nas fileiras do exército, durante a guerra colonial? (António J. Pereira da Costa / Virgílio Teixeira / José Nascimento / A. Marques Lopes / Juvenal Amado)
(*) Vd. poste de 26 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18954: (Ex)citações (343): porquê tantos ex-seminaristas nas fileiras do exército, durante a guerra colonial? (António J. Pereira da Costa / Virgílio Teixeira / José Nascimento / A. Marques Lopes / Juvenal Amado)
(**) Vd. poste de 24 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 – P24789: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (14): A minha viagem para o Seminário (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)
(**) Último poste da série > 21 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25766: S(C)em Comentários ( 43): "Agora é que conheci um sujeito que te vai tirar daí" (José Álvaro Almeida de Carvalho, "Livro de C", Lisboa, Chiado Books, 2015, pp. 174/175)
3 comentários:
Olá Francisco:
Poderia muito dizer sobre este assunto pois também a minha mãe, à boa maneira de lá de cima, me quis meter no seminário, apesar de os meus pais terem posses para me porem a estudar no liceu. Portanto e abreviando, quando lá em casa se pôs o problema, eu disse-lhes que se me metessem no seminário logo que pudesse fugia e nunca mais me viam. Remédio santo. Fui para o liceu em Coimbra a viver numa pensão com um tio.
Abraço
Fernando
Francisco e Fernando, obrigado pelas vossas "confidências". Nem toda a gente era rebelde como vocês, transmontanos. Estive a reler o Miguel Torga, "A Criação do Mundo". O rapaz, que era natural de São Martinho de Anta ("Agarez", no livro autobiográfioco), concelho de Sabrosa, também ele foi "condenado" a um ano de seminário (1918/1919(, antes de ser "desterrado" para o Brasil (em 1920)...
Era duro ser inteligente e pobre, naquela época (1918)... Vou recuperar a sua fabulosa descrição da ida para Lamego...Uma peça de antologia!... Fica aqui um cheirinho:
(...) "Ia na frente, de fato preto, montado na jumenta, a segurar o baú de roupa que levava adiante de mim. Meu pai e minha mãe vinham atrás, a pé, ele com os ferros da cama às costas, e ela de colchão e cobertores à cabeça. Assim percorremos as seis léguas que vão de Agarez a Lamego, pelo caminho velho. Senhora da Guia, Senhor do Bom Caminho, Senhor da Boa Morte, Vila Seca, Poiares, Régua… De alma negra, olhava a paisagem grandiosa que nos acompanhava , e via nela apenas a minha sombra." (...)
" e via nela apenas a minha sombra"
Fernando Gouveia!!!
Afrontaste os teus pais e a hipócrita disciplina do estado mais que velho e muralhado nos ensinamentos, não de Cristo mas na gentalha que se diz seu seguidor.
" Homens sem mulheres e familia "
Não me façam rir!!!
Eu sou crente mas abomino idiotices e fantochadas.
Que se tenha a coragem, duma vez por todas, de dar um abanão na nebulosa da mentira , do engano e exploração dos fracos.
Jesus pregou o amor, essa gente explora os incautos .
Ter a coragem de fugir a essas armadilhas tem o meu aplauso e respeito.
Abraço fraterno
Eduardo Estrela
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