Do Ninho D'Águia até África (27)
O perfume exótico das filhas do Libanês
O Cifra, na qualidade de militar que foi mobilizado pelo governo de Portugal, para ir defender a então “Mãe Pátria” e a “Soberania Portuguesa” além-mar, tal como aprendeu na escola primária da vila a que pertencia a sua aldeia do Ninho d’Aguia, que frequentou por quatro anos, onde o professor lhe explicava, e tinha que fazer uma redacção sobre o tema, que os heróis que se aventuraram por “mares nunca antes navegados”, descobriram aquelas terras selvagens, que “cristianizaram”, viajando numa “casca de noz”, e tinham em mente somente educar e cristianizar, esses povos também selvagens, mas que mais tarde, principalmente depois de frequentar outras escolas de ensino, no estrangeiro, e depois de conviver com outras culturas, verificou que não eram esses os principais objectivos, do reino de Portugal, e veio a saber que essas expedições por “mares nunca antes navegados”, era o investimento de governos e empresas, que entre si, disputavam e queriam dividir diversas zonas do globo, tal como se nada existisse, a não ser a sua vontade, para subjugarem um povo que vivia com as suas leis, e talvez com a sua guerra, ou com a sua paz, mas que só a eles dizia respeito, e tinham uma cultura de milhares de anos, nesses territórios, que estavam localizados em diversas partes do globo, e muito longe da Europa, onde existia o reino de Portugal.
Mas continuando e sem querer cortar o fio à meada, o Cifra desembarcou nesta então província do Ultramar Português, que era a Guiné, não saindo de uma “casca de noz”, que viajava ao sabor do vento, quase sempre com terra à vista, mas de um navio, que viajava no mar alto, a poder de motores a diesel, não transportando padrões em granito, com a cruz de Cristo, arreios, cavalos, espadas e lanças, mas sim auto metralhadoras, lança granadas, aviões que lançavam bombas de napalme e outro material bélico e explosivo, transportado em camiões de seis rodados, a gasóleo e outros combustíveis, não vestido como se fosse um navegador, mas sim vestido de camuflado de combate, (gravura em cima, com a G3 e o capacete de guerra do Setúbal, pois a ele nunca lhe deram um capacete, e ele também nunca o pediu), treinado para um conflito, embora fosse um razoável militar, era um fraco guerreiro, e ainda bem porque a sua missão era ser operador cripto.
Ficou estacionado na vila de Mansoa, passado algum tempo, já conhecia parte da população, pois no seu tempo livre, andava por ali, falava com este e com aquele. Numa dessas ocasiões, passando de fronte da igreja que havia na vila, no seu pensamento recordou a frase que tinha aprendido na escola primária, que era mais ou menos, “cristianizaram esses povos selvagens”, e de facto era verdade, pois logo a seguir à ponte em cimento, sobre o rio Mansoa, a obra mais emblemática da vila era sem dúvida a igreja, foto em baixo. Reparando melhor, a igreja sobressaía das demais casas, algumas até pareciam casebres, podia não haver outras infraestruturas na vila, e a população ser quase toda de outra religião que não a católica, mas igreja havia, não havia Padre, era verdade, mas com a chegada de militares, vinha um capelão, periodicamente da capital da província, e havia missa, pelo menos uma vez por semana, lá nesse aspecto, se não cristianizaram, pelo menos tentaram.
Mansoa > Igreja Católica
Mas passamos adiante. O Cifra até gostava de assistir à missa, gostava de entrar na igreja e gostava do cheiro, não sabia se era ao mofo, se era ao incenso, ou se era do perfume exótico das filhas do Libanês, também gostava de ouvir o Padre, pois não falava de mensagens, de cifra ou de guerra, falava de milagres e algumas outras coisas bonitas e dizia constantemente que Jesus Cristo era muito boa pessoa, e o Cifra até simpatizava com Jesus Cristo e pelas coisas que o Padre dizia, achava mesmo que gostava de o ter conhecido, só não gostava era de o ver com aquela cara de sofrimento, com as mãos e os pés perfurados com pregos, e com a coroa de espinhos na cabeça, fazia-o sofrer também só de pensar nisso. O Padre dizia que ele sofreu e lutou, e como o Cifra também estava numa zona de conflito, onde se sofria e lutava, às vezes colocava a mão na testa e ao redor da cabeça, a ver se tinha também uma coroa de espinhos.
Mas enfim, vamos continuar. Se fosse à semana, quase sempre a missa era ao fim da tarde, quando a temperatura era mais fresca, mas ao domingo era pela manhã, normalmente assistia à missa na companhia do Setúbal e do Curvas, alto refilão, pois o Trinta e Seis, baixo e forte na estatura, e o Mister Hóstia, ajudavam o Padre e andavam sempre ocupados, antes e depois da missa.
O Cifra, foto ao lado na frente da igreja, até recorda uma vez em que o Mister Hóstia lhe pediu o isqueiro para acender as velas, e no final teve que andar à sua procura, a cruzar o altar e ter sempre que se ajoelhar de cada vez que o fazia, pois o Mister Hóstia não lhe dava qualquer atenção, com o seu trabalho de dobrar as toalhas, arrumar o frasco do vinho, que tinha servido para celebrar a missa. Quando levou o frasco do vinho, foi o único momento em que olhou de lado para o Cifra, enfim tentava limpar e arrumar tudo.
No final, já fora da igreja, quando lhe entregou o isqueiro, disse-lhe:
- Fiz de propósito, pedi-te o isqueiro, para depois me procurares, pois sei que não passas um momento sem esse maldito cigarro na boca, e teres de te ajoelhar, por diversas vezes, perante Jesus Cristo, para veres se o respeitas mais, pois tanto tu como o Setúbal e o Curvas, alto e refilão, são umas almas perdidas, durante a santa missa só tinham olhos para as filhas do Libanês.
(Texto, ilustrações e fotos: © Tony Borié (2012). Direitos reservados)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 13 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10661: Do Ninho D'Águia até África (26): Raízes de agricultor (Tony Borié)
5 comentários:
Oh Cifra, desta vez é que me dececionaste, esperava que a história tivesse um final feliz e, que depois da piscadela de olhos às filhas do libanês, chegasses pelo menos à fala com as moças...
Pelo que vejo eram cristãs... Atenção, que houve malta nossa que casou com uma delas... Li algures, talvez na página do nosso Facebook (Tabanca Grande), nem sei se é gente do nosso blogue.
O que sei é que, além de ires á missa à igreja de Mansoa, eras um rapaz bem formado e afinal bom português...
Um abraço por onde quer que andes... LG
Meu caro Tony:
De certeza que fomos contemporâneos em Mansoa mas a tua guerra era outra e a minha presença, lá, foi sempre episódica. Conheci, mais ou menos bem, a "paisagem" do sítio (Mansoa) mas não os seus habitantes. Nunca entrei na igreja, não por razões religiosas mas porque sempre a vi fechada nas vezes que estacionei operacionalmente por Mansoa, sede do meu BCaç. 1857 e anteriormente do BArt.645 a que também esteve ligada a minha CCaç.1419 (Bissorã).
Mas o que quero dizer é mais que isto. Quero, para já, fazer um grande elogio a este teu "Do Ninho D'Águia Até África". É um belo trabalho que tenho seguido com muita curiosidade e prazer. Um trabalho que, a coberto de ironias e de algum humor, revela um oportuno poder de observação sobre ambientes, personagens e factos. Com certeza que não fui só eu quem encontrou, nas tuas descrições e apreciações, personagens semelhantes às que tu tão bem caracterizas. E o teu levantar do véu sobre certas atitudes ou decisões de âmbito operacional também contribuem para se formar uma opinião mais correta ou mais segura sobre a guerra daquela altura, anos 1965/66.
Por mim acho que mereces muitos parabéns por este teu trabalho de memórias.
Com um grande abraço do
Manuel Joaquim
Acho exemplar a análise, exposta no 1º parágrafo deste texto, sobre a génese dos chamados descobrimentos feitos por europeus a partir do início do séc. XV da era cristã e sobre a ideologia que se criou e cultivou sobre tal tema e que se continua a cultivar em certos meios ideológicos.
Sei que contrario muitas vozes passadas e presentes mas, desculpem-me tais vozes, esta é a minha voz (e, pelo menos, também é a do Tony Borié).
Em muito poucas e simples palavras este 1º parágrafo consegue fazer uma boa análise histórica do que foi e do "porque foi" a chamada gesta dos descobrimentos: não mais que uma gesta de índole comercial, feita a coberto (mesmo involuntário) de uma ideologia assente na propagação da fé mas que tinha como fim principal (e, em certos casos, único) o conquistar poder político e económico.
Não condeno nem menosprezo todos os esforços e sacrifícios que tal gesta provocou, todo o entusiasmo evangelizador cristão, toda a "boa fé" que encorpou os executantes de tal política, a alegria das vitórias e a dor e do desespero das derrotas. Não deixo de ter orgulho de pertencer a um povo que a tal se sujeitou ou a tal se dedicou. Foi uma ação fruto do tempo, da cultura religiosa (então única) e das circunstâncias comerciais/económicas da Europa de então.
Para finalizar, uma referência à informação que sobre este tema foi transmitida pela escola ao Tony, seguramente igual à que outras gerações receberam, um retrato perfeito de como se ensinava a história dos descobrimentos portugueses.
Um abraço a todos os habitantes e visitas desta Tabanca Grande.
Manuel Joaquim
Olá camaradas combatentes amigos.
Luis, as raparigas filhas do Libanês, vão ser mencionadas em mais histórias lá mais para diante, e acredita, para nós que ali estávamos estacionados há bastante tempo, admirados com a sua beleza exótica, dizia-mos: "aquelas gajas são boas como milho", isto, sem qualquer sentido de maldade!.
Manuel Joaquim, a tua sincera análise ao texto está perfeita, foi exactamente essa mensagem que queria transmitir, creio que estás mais que certo ao também pensar assim.
Um forte abraço, e por cá nos vamos falando, e trocando as nossas ideias, tudo com a compreensão do Luis, que nos deixa às vezes, colocar umas palavras próprias de antigos combatentes, Tony Borie.
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