quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10677: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (25): Os dirigentes do PAIGC não usavam caixa nem cornetim nos quartéis das FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo)








Guiné-Bissau >  Bissau >  Forte da Amura, Panteão Nacional > 7 de março de 2008 > Uma força da PM - Polícia Militar presta continência, enquanto  e ouve o "Toque de silêncio"... Homenagem a Amílcar Cabral e aos outros heróis da Pátria. Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje, 1-7 de março de 2008.


Fotos e vídeo (''40): Luís Graça (2008). Alojado no You  Tube > Nhabijoes



1. Mensagem do nosso camarada e amigo António Rosinha [, foto à direita, Pombal, 2007]:


Data: 14 de Novembro de 2012 11:37

Assunto: Os dirigentes do PAIGC não usavam caixa nem cornetim nos quarteis das FARP ( Forças Armadas Revolucionárias do Povo)


Se for publicável,  talvez seja bom em horas mortas.

FARP e PAIGC não são devidamente distinguidos e separados neste BLOG, nem faz grande diferença que assim seja.

Faria diferença sim, mas para os guineenses se estes não conseguissem separar uma coisa da outra.

Mas para o bem ou para o mal, os guineenses nunca conseguiram separar o PAIGC das Forças Armadas Revolucionárias do Povo [, FARP,], durante muitos anos. (Hoje não sei como será o ponto de vista do povo).

Nos primeiros anos da Independência, os militares das FARP em Bissau, não usavam cornetas ou cornetins nem marchavam ao toque de caixa nos respectivos quartéis. Hoje não sei.

Mas quando Amílcar fundou o PAIGC e foi também co-fundador do MPLA, copiaram os métodos castristas e guevaristas e aí não havia cornetas nem cornetins.

Mas no regime de Luís Cabral pós independência, houve pelo menos uma tentativa de criar esse hábito, ou seja , Luís Cabral chegou a promover o ensino de corneteiros e tamborileiros .

Ouvia-se durante vários dias ensaios de corneta e cornetim, e toques de caixa, dentro da fortaleza da Amura e constava que teriam ido sargentos ou outros militares de Portugal para treinar guineenses.

Pelo  menos os diversos toques desde o recolher, formar, refeições, bandeira, etc. de infantaria,  eu ainda me recordei do meu tempo de tropa passados 20 anos.

Mas isso não chegou a funcionar, não  se chegou a marchar ao toque de caixa, nem a formar ao toque de corneta, ou seja à voz de um único comandante.

Psicologicamente, penso que sem um corneteiro dificilmente haverá um exército disciplinado em tempo de paz, um corneteiro representa a voz de um comandante sobre toda uma unidade.

Conheci e visitei por motivos profissionais aquilo que foi o quartel da artilharia do tempo colonial, e que penso que continuava como sendo dessa arma, com o exército das FARP.

Embora parecesse mais um bairro (tabanca),  devido haver mulheres e filhos dos militares a viver lá dentro, tinha sentinela na porta de armas, casernas numeradas e gabinetes dos comandantes e também se viam circulando militares soviéticos, tinha verdadeiro aspecto de quartel à antiga.

Mas não havia aquele aspecto convencional de um exército, no dia a dia, como sendo ouvir vozes de comando, toques para as diversas formaturas, etc.

Nunca cheguei a saber se o presidente Luís Cabral tinha algum posto na hierarquia militar, ou se era ou foi militar,  tanto na luta como após a independência, assim como Amilcar, ainda não entendi se teve hierarquicamente algum posto.

Mas com posto militar ou não, ele Presidente da República,  se só em 1980 pensou na corneta (Ordem, disciplina nos quartéis),  já foi tarde.

Mas, pode parecer que falo uma baboseira,  como dizem os brasileiros, mas não posso deixar de transmitir uma impressão que jamais  me sai da cabeça e já lá vão...1980-2012=31 anos: se Luís  Cabral tem conseguido impor o toque de recolher, alvorada, e marcha ao toque de caixa, embora possa ser simbólico apenas, mas era um símbolo de ordem e disciplina,  os militares das FARC não teriam tanto tempo para matutar em  "bolsas" étnicas, facciosas e rebeldias que já vinham embrionárias do tempo da luta, e eram conhecidas até por estrangeiros.

E, como os militares durante vários anos mantinham uma atitude e um aspecto, mais de revolucionários do que um exército regular, mesmo os próprios comandantes que se exibiam em viaturas em grandes velocidades, "olha lá vai o Gazela", olha lá vai o Manel Saturnino"  por exemplo, tinham comportamentos de rebeldia,  era impossível para Luís Cabral e governo, pôr um exército em formatura ao som de um corneteiro, em 1980, quando se deu o golpe de 14 de Novembro.

Se o PAIGC e as FARP de Amilcar Cabral deixaram  criar facções  de várias ordens, e não as controlou, no caso por exemplo do assassinato de próprio Amílcar, já no MPLA e as FAPLA de que Amílcar foi co-fundador, as facções como Chipenda, Nito Alves…foram controladas e dominadas e parece que hoje já não existem.

Foi ainda em vida de Agostinho Neto que essas facções foram dominadas. Será que Amílcar Cabral não teve os devidos cuidados com o PAIGC e as FARC, ao contrário dos cuidados que Agostinho Neto teve com o MPLA e as FAPLA?

Claro que entre nós,  tugas, estas coisas que aqui trago, pouco nos dizem respeito, mas só as trago aqui, porque para mim, muitos dos dirigentes dos MPLA e do PAIGC, foram na maioria tão portugueses como nós, tugas, , alguns até a recruta fizeram comigo ou são do meu ano, no meu ou  noutros quartéis, e para mim estavam certos nas suas ideias, mas  no momento errado e com processos  errados, suicidas e criminosos.

Com resultados maus para todos os lados, até para eles próprios.

Claro que isto faz parte da " minha guerra", não quer dizer que não haja a guerra de jornalistas, mirones,  ideólogos e até de africanos que são os que menos testemunham.                                                                                                                                                 

Cumprimentos

5 comentários:

Anónimo disse...

Camaradas
Se esta solução é boa ou má é a eles que toca avaliar. Também não conheço exército nenhum em que a música marcial não desempenhe um papel importante. Tanto quanto julgo saber esta forma de actuar terá começado em França no Séc.XVII.
As FARP não entenderam assim e optaram por uma originalidade, respeitemos. Se calhar têm ainda que aprender...
Um Ab.
António J. P. Costa

Luís Graça disse...

Rosinha, meu camarada:

Esta foi verdadeiramente a única força militar que eu vi na Guiné-Bissau, aquando da minha primeira e única visita àquele país, depois da independência...

Em 7 de março de 2008, antes de ir a uma audiência com o então presidente 'Nino' Vieira, fui (fomos um grupo de estrangeiros) ao "panteão nacional", no forte da Amura, para assistir a uma pequena cerimónia de homenagem ao Amílcar Cabral, cujos restos mortais repousam ali (ao lado do "Judas" do Osvaldo Vieira!)...

Na Amura, havia um pelotão (-) da PM e uma pequena fanfarra, na realidade duas caixas e três cornetins... Não se pode dizer que a execução do "toque de silêncio" fosse uma obra prima. Mas os rapazes esforçaram-se e os PM estavam pelo menos bem fardados e ataviados...

No resto do país, ou nos sítios por onde passei (de Bissau a Cacine..., com paragem, no regresso, em Bambadinca, em viagem de visita ao sul, de 1 a 3 de março), devo-te dizer que não vi tropa nem quartéis... O único foi Bambadinca, mas recusei-me a visitar o meu antigo quarto... E quando à disciplina do pessoal com quem contactei, dispenso-me de fazer comentários)...

São muito interessantes e singulares, como (quase) sempre, as tuas observações... Nunca tinha pensado na importância do cornetim!... É evidente que no "mato", o cornetim não dava lá muito jeito, provocava muita poluição sonora... Mas nas bases da rectaguarda, o cornetim não ficava mal com a disciplina "revolucionária"...

Com ou sem cornetim, o problema (actual) do exército da Guiné-Bissau é o de outros exércitos que vieram da guerrilha... O Amílcar Cabral, que era um paisano, não deve ter tido tempo para pensar no "depois de amanhã"... No tempo de Cabral, teoricamente - pelo menos - as FARP estavam subordinadas ao poder político, hoje é o inverso, é o poder político que está subordinado ao poder militar, tanto quanto sei (e sei pouco) do que se passa naquela "terra verde e vermelha" que continua a exercer um estranho fascínio em todos nós, que bebemos a água do Geba...

Cherno Baldé disse...

Caro amigo Rosinha,

As FARP, desde a sua criação(1964?), foram consideradas o braço armado do PAIGC e como tal, lógicamente, não faz sentido nenhum separar o corpo do seu braço que são uno e indivisivel.

Na verdade, amigo Rosinha, o tal braço armado sempre foi o nucleo duro do PAIGC, tanto assim que o primeiro Presidente da ANP que proclamou a indep. era Nino Vieira, 1º Comandante das frentes Sul e Leste e chefe de Guerra e os orgãos superiores do partido saido da luta (BP e CSL) estavam na sua grande maioria preenchidos por comandantes e chefes de guerra, os tais Gazelas e Saturninos. Os politicos civis do partido eram poucos, sem poder de decisão e mal vistos (leia as crónicas de Luis Cabral sobre a frente Norte onde reinava o Osvaldo).

Certo, em finais dos anos 70, o Luis, que nunca foi militar, mandou preparar uma banda de musica oficial mas não se destinava aos quarteis, era mais para visitas e recepções oficiais de altas personalidades a semelhança do que se fazia nos paises vizinhos.

Relativamente ao controlo que podia ou devia haver sobre os militares, pelo que sabemos, enquanto esteve a frente, o Amilcar controlava a guerrilha a medida do possivel e não do desejável.

Hoje há muitos testemunhos do dilema e das pressões a que estava sujeito no meio de clivagens e de grupos de pessoas saidas de extratos sociais diferenciados.

Amigo Rosinha, ainda é cedo para tecer elogios a MPLA e o sucesso da sua liderança pois, na minha opinião, deveriamos esperar um pouco e ver como será ultrapassado o desafio da sucessão de gerações e da actual liderança que vem dos anos 70. A Costa de Marfim demorou 30 anos antes de entrar na actual convulsão.

Um abraço amigo,

Cherno Baldé

Lugra disse...

Caros amigos
É a primeira visita, mas é gratificante constatar que após tantos anos há pessoas "tugas" pensando e recordando a Guiné.
Uma opinião é precisamente isso, portanto apenas digo ter achado interessante e uma bonita expressão de amizade.
Espero voltar breve e continuem
Um abraço
(De mais um Luís Graça)

Antº Rosinha disse...

Amigo Cherno, directamente nunca me ouvirás dizer que qualquer militar é responsável pelo que de bom ou mau se passou nas independências em África.


E quando falo de militares só e apenas me refiro aos do meu tempo, "tugas ou turras", mas sem lhe atribuir qualquer responsabilidade.

E, no caso actual, apenas digo que os políticos da tua geração "peguem tesso", já que tanto aí como aqui na tuga, as gerações têm que descalçar uma bota que faz calos nos pés.

E o sapateiro dessas botas foi a minha geração e a de Amílcar Cabral.

Cumprimentos