A Zélia, de quem eu já tinha ouvido falar, no último Natal, na nossa minitertúlia do Porto-Matosinhos-Gaia, é o que se pode chamar, com toda a justiça, uma mulher de armas, uma mulher do Norte, uma caso sério de amor e de paixão (pelo seu Allen mas também pela Guiné e o seu povo)... Foi, por mor (como se diz no Norte) da guerra e do stresse pós-traumático da guerra, que ela acompanhou o marido à Guiné, em 1992, e já lá voltou várias vezes...
Fico muito honrado por publicar esta carta e, por desde já, convidá-la sem mais demoras a figurar no quadro de honra da nossa tertúlia (a ela e ao Allen, pois claro!). A Zélia (trato-o como se a conhecesse há anos!...) mandou-me mais documentos que serão inseridos no blogue ainda este fim de semana.
Quanto às lendas fulas e mandingas (que eu adoro!), recolhidas por Manuel Dias Belchior, deve haver exemplares nas nossas bibliotecas públicas, a começar pela Biblioteca Nacional. Depois tratamos disso.
Zélia: Fiquei muito sensibilizado pela tua carta. A partir de agora, como nova tertuliana,e de acordo com as regras do nosso blogue e da nossa tertúlia, o tratamento é por tu, com o respeito que é devido a qualquer camarada, independentemente do género e da arma. Um xicoração para o Xico (Allen). Luís Graça
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Porto, 2006-02-16
De: Zélia Maria Neno Cardoso
Luís Graça:
Achará estranho receber este email enviado por uma mulher fã do Blogue-Fora-Nada, onde se encontram largas centenas de quilómetros de palavras sobre a Guiné.
O senhor não me conhece, o mesmo não acontece comigo, pois não só através da escrita como por foto. Sou casada com o Xico Allen, que o senhor conhece mas ainda não é tertuliano, mas foi ele que há meses me alertou para a existência deste blogue e como sou uma verdadeira amante da Guiné e da sua História, passada, presente e futura, que lamentavelmente teima em não vir a ser bem mais favorável para aquele seu povo tão sofredor, estou quase viciada a diariamente ler o que vão contando no blogue.
Por influência do Sr. Albano [Costa] e até do Sr. [José] Teixeira, que conheço pessoalmente pois ambos já foram à Guiné com o meu marido, fui incentivada a escrever contando algumas (pois são muitas) das minhas vivências naquela maravilhosa terra que conheci em Março de 92, conforme conto no texto inicial e que enviei para o senhor no passado dia 15 Janeiro [por erro no endereço de -mail, não deve ter chegado, pelo que se volta a enviar].
Não abordo factos da guerra que não vivi, embora seja esse o tema do blogue, mas com ela está relacionado, pois por ela ter existido é que já lá fui 4 vezes. A principal intenção foi dar um empurrãozinho a quem ainda quer mas tem receio de lá ir e de algumas esposas de ex-combatentes
também o poderem fazer, pois nada há a recear.
Nós, dois casais, fomos quase pioneiros destas viagens, pois em Bissau já alguns ex-combatentes tinham ido, especialmente por razões de trabalho, mas bem lá no interior nunca mais por lá passara nenhum branco ex-combatente, muito menos acompanhados pelas mulheres e em férias.
Desta primeira viagem vou tentar enviar ao senhor um outro texto que escrevi na altura e saiu publicado no Jornal de Notícias, em 19 Agosto de 1992, onde desde logo se pode verificar o sentimento que me deixou ligada à Guiné.
Para além de já ter lido alguns livros sobre os anos desta guerra sem sentido, (teria para alguns!!!), pois meu marido tem uma substancial biblioteca sobre este assunto, nesta ocasião estou a ler um pequeno livro, fotocopiado de um original muito antigo e que me foi oferecido há alguns anos por um jovem colega da Portugal Telecom, cujo pai então já falecido, cumprira o serviço militar na Guiné quando a Guerra iniciou e de lá trouxera o tal exemplar cujo titulo é: Grandeza Africana - Lendas da Guiné Portuguesa - fulas e mandingas, escrito por um tal Dr.Manuel Dias Belchior que viveu a sua carreira administrativa no Ultramar entre 1932 e 1961, tendo sido investigador da Junta de Investigações do Ultramar e foi nessa condição que na Guiné fez um levantamento de antigas lendas (Sec.XIII,XIV e XV), juntando as devidas anotações históricas e etnográficas. O prefácio sido escrito pelo seu amigo de então, Major Carlos Gomes Bessa, Comissário Adjunto para o Ultramar da Mocidade Portuguesa.
Como diz o autor,"...elas fazem parte do património histórico e intelectual dos mandingas e fulas da Guiné Portuguesa...". Hoje haverá algum fula ou mandinga que conheça este dito património? Será que algures ainda existe um exemplar deste livrinho?
Para mim ou pessoas como eu, que gostando das estórias que fazem a História de qualquer país lêem isto pelo prazer, tal não será muito importante, mas talvez alguns guineenses gostassem de as conhecer para descobrir a origem e como nasceu aquele pedaço de chão a que foi posto o nome de Guiné.
Se eu puder contribuir par tal, não me importo de as transcrever, só não sei para onde e talvez aí o senhor me possa dar a sua opinião, que desde já agradeço.
Parabéns pelo blogue e a todos que nele contribuem com seus depoimentos dando a possibilidade aos interessados no assunto de ficarem a saber mais e aos nossos jovens que vivem ligados à Internet, por procura ou casualidade lá passem, leiam para se convencerem que a guerra que alguns de seus pais sofreram no corpo e na alma não é ficção.
Para finalizar e segundo julgo saber, o senhor ainda não foi à Guiné do pós-guerra. Porquê? Não esqueça que O POVO MAIS GENTIO É O DA GUINÈ !!
Atenciosamente.
Zélia
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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